Vice-presidente do Silicon Valley Bank (SVB) para operações na América Latina, a executiva brasileira Júlia Figueiredo fez palestra na Associação Catarinense de Tecnologia (Acate) na última terça-feira (14). Ela veio a convite dos grupos temáticos de investimentos da entidade. Também uma das fundadoras da associação Latinas in Tech (uma rede de mulheres latinas que trabalham no Vale do Silício), ela falou para a coluna sobre a atuação do banco, que é o segundo dos EUA em investimentos em startups e venture capital, sobre o setor de tecnologia de Florianópolis e sobre a trajetória dela na Califórnia.

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Como atua o Silicon Valley Bank?

O Silicon Valley Bank vai fazer 36 anos. Foi fundado em 1983 por dois empreendedores que estavam tentando levantar recursos de bancos tradicionais. Como eles eram uma startup, sem muitos clientes, sem muito faturamento, os bancos não queriam emprestar. Então eles resolveram montar o Silicon Valley Bank focado em empresas de tecnologia e fundos de venture capital que investem exclusivamente em empresas de tecnologia.

Hoje, de todas as startups que já levantaram venture capital nos EUA, 50% são clientes do banco e também 67% de todos os fundos de venture capital são seus clientes. Hoje a gente é um dos bancos mais capitalizados dos Estados Unidos com US$ 58 bilhões de dólares de ativos em gerenciamento e US$ 28 bilhões em empréstimos para empresas de tecnologia.

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O Silicon Valley Bank é um banco licenciado nos EUA, onde tem 35 escritórios e está presente no exterior com escritórios no Canadá, Londres, Frankfurt, Tel Aviv e três joint-ventures na China.

Na América Latina, como o banco trabalha?

Não somos um banco licenciado na América Latina. Fazemos há sete anos um trabalho de desenvolvimento de mercado, mas pode ser que no futuro ele queira licenciar. A gente trabalha com startups ou fundos brasileiros que estão levantando dinheiro no exterior, vendendo no exterior ou levantando dinheiro de fundos brasileiros baseadas em dólar.

Elas precisam ter uma estrutura no exterior e a gente é o banco deles nessas filiais no exterior. E a grande vantagem do Silicon Valley Bank é que ele tem essa parceria com startups, fundos, com universidades, empresas de pesquisa e desenvolvimento, prestadores de serviços, com os family offices, anjos e fundos de private equity. A gente está tentando criar um ecossistema assim no Brasil há sete anos. Queremos ajudar nossos clientes com conexões não só na América Latina, mas no mundo. Queremos ajudar não só sendo um banco comercial, mas como um parceiro da economia da inovação.

Pode revelar alguns números?

A gente tem 600 clientes na América Latina, acho que 56% são do Brasil. São desde clientes grandes como Nubank, Yelow e Log, como outros que estão levantando a primeira rodada de investimentos entre US$ 500 mil e US$ 1 milhão.

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Vocês fazem empréstimos no Brasil?

A gente ainda não empresta dinheiro para startup no Brasil. A gente investiu em dois fundos no passado, mas agora a gente tem parceiros nos EUA que a gente apresenta que não só são clientes do banco, mas estão olhando para a América Latina. Nossos parceiros investem não só como SVB, mas em fundos específicos para crédito.

Qual é o objetivo da sua visita a Florianópolis?

Esta é a minha segunda vez em Florianópolis nos últimos sete meses. Vim para o RD Summit ano passado. O meu objetivo é ficar mais próxima dos fundos e de startups de tecnologia daqui. Eu estou muito impressionada com a qualidade das empresas daqui. Elas já estão nascendo globais, mesmo focadas só no Brasil as cabeças dos líderes estão muito globais. Se a gente não conseguir ajudar eles agora, poderão ser nossos clientes no futuro.

Como evoluem os investimentos em tecnologia no Silicon Valley?

No ano passado teve recorde de investimento em venture capital nos EUA. O recorde anterior foi em 2000, quando teve a bolha Ponto Com (bolha da internet) com US$ 101 bilhões de dólares. No ano passado, não só foi batido esse recorde como ultrapassou muito. Foram US$ 132 bilhões em venture capital.

A gente está vendo que as rodadas de investimentos estão sendo muito maiores do que as dos últimos anos, como foi a do cigarro eletrônico Juul Labs que recebeu em dezembro US$ 13 bilhões. Estou muito animada porque a gente vem dobrando os números de investimentos na América Latina.

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Em 2016 foram US$ 500 milhões; em 2017 US$ 1 bilhão e em 2018 um pouquinho mais de US$ 2 bilhões, sendo que só no Brasil foram US$ 1,3 bilhões investidos em venture capital. O ano passado foi o melhor ano do Silicon Valley Bank em venture capital.  

Agora, no final do ano, o Softbank anunciou do fundo dele US$ 5 bilhões exclusivamente para a América Latina e já investiu US$ 1 bilhão na Rappi, US$ 20 milhões na Clip (México) e US$ 200 milhões na Gympass. Então o volume das rodadas no Brasil também está aumentando bastante. Ano passado foi o melhor ano do SVB e o melhor ano de venture capital porque a gente tem 50% de todas as startups, 70% de todos os fundos. Então, quanto mais essa economia cresce, mais o banco cresce com ela.

Quais são os setores que podem acessar os recursos do banco?

Os recursos são oferecidos para todo tipo de vertical que tem tecnologia. Fintechs, mobility, internet das coisas (IoT), biotech. O Silicon Valley Bank inclusive comprou ano passado um banco que só investe em biotech e healthtech. A tecnologia para a saúde é muito importante para o SVB. Só não trabalhamos com bitcoin.

Como você desenvolveu sua carreira no setor de tecnologia e se tornou vice-presidente do Silicon Valley Bank?

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Nasci em Belo Horizonte, morei a vida inteira lá, fiz graduação em Administração no Ibemc de BH. Eu trabalhava para a empresa da minha família. Aí eu tive vontade de estudar fora. Fui fazer um curso de um ano em finanças na UC Berkeley (Universidade de Berkeley).

O meu objetivo era voltar. No Brasil eu tinha trabalhado no HSBC e depois na indústria têxtil da família. Nada relacionado com a tecnologia. Eu fiz esse programa de um ano e durante o curso eu comecei a ir em vários eventos de networking lá, conheci o sistema de tecnologia e inovação, fiquei super curiosa e fui trabalhar numa aceleradora, a GSVlabs, criada por investidores da GSV Capital, que começaram a investir no Dropbox, Twitter, Lyft, (concorrente do Uber).

Com isso me apaixonei por tecnologia, meus horizontes foram se abrindo e eles patrocinaram meu visto de trabalho. Mais tarde, o Evernote, que é um aplicativo de celular para fazer notas, estava precisando de uma pessoa para desenvolver o mercado Brasil, então me contratou. Fiquei três anos no Evernote fazendo private marketing. Eles patrocinaram meu Green Card. Tudo foi acontecendo “naturalmente”. Não foi o que planejei.

Nesse meio tempo conheci duas mulheres que fundaram a Latinas in Tech. Eu fui a 4ª fundadora. É uma organização (ONG) que nasceu no Vale do Silício, em San Francisco. Nós, quatro ou cinco do primeiro grupo, fundamos a Latinas in Tech para ajudar a empoderar mulheres latinas que trabalham em tecnologia nos EUA. Até o meu trabalho na Evernote eu consegui com esses relacionamentos. Eu falo que essa rede não é meu full-time job, mas é meu full-time passion.

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O objetivo era sentar num restaurante ou num bar, tomar um vinho e dividir as frustrações ou questões de ser latina no Vale do Silício, que é um dos mercados mais competitivos do mundo, mulher latina ainda sofre preconceito, a gente recebe menos. Então era assim: como eu negocio salário, como eu peço um aumento, como eu me porto numa entrevista e me vendo? Hoje nós somos 5 mil mulheres nessa rede.

Começou no Vale do Silício e agora temos uns oito capítulos, incluindo Nova York, Miami, e na cidade do México. Começou com pessoas que nasceram fora dos EUA porque têm a barreira da língua, o sotaque, mas a gente aborda também mulheres filhas de latinos de primeira e segunda geração. E a gente tem até alguns membros de Portugal e Espanha.