As séries de espionagens em telefones de autoridades do Brasil, usando com maestria a recuperação de conversas gravadas ou criptografadas nos arquivos de companhias telefônicas ou na nuvem da internet está, literalmente, infernizando a vida de ministros, juízes, parlamentares, pessoas influentes e até do presidente da República.

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Vale lembrar que a arapongagem, isto é, a atividade de espionagem, é tão velha quanto a humanidade e sempre foi arma secreta nas guerras e na economia. Há quem diga que, por isso, é um trabalho dos mais antigos, existe há mais de 4 mil anos. Agora entrou também no grupo das modernas atividades digitais. Mas há uma diferença relevante. Se antes a informação era genérica, como tal autoridade disse tal coisa, hoje vem com a mensagem original para comprovar o que foi dito ou escrito.

Então, aquela máxima de que é preciso ter um extremo cuidado com tudo o que se fala ou escreve porque qualquer informação pode ser manchete de jornal é mais realista do que nunca, para o bem ou para o mal. 

Os Estados Unidos, com o Pentágono, a CIA, o FBI e a Agência de Segurança Nacional (NSA), sempre tiveram fama de liderarem a espionagem hight tech. Em 2013, o investigador Edward Snowden, via Wikileaks, revelou que os principais líderes globais estariam sendo espionados pelos americanos, incluindo a presidente brasileira Dilma Rousseff. Entre os jornalistas que divulgaram essas notícias e foram premiados está Glenn Geenwald, que vive no Brasil desde 2005 e é um dos fundadores do Intercept.

Seguindo a preferência por informações secretas, Greenwald tem sido protagonista agora na divulgação, desde junho, de notícias sobre conversas do então juiz da Lava-Jato e hoje ministro Sérgio Moro, do procurador Deltan Dallagnol e outras autoridades no que consiste na maior série de informações no Brasil até então com base em conversas sem revelação de fontes. São notícias que abalam uma as maiores operações mundiais contra a corrupção.

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Há mais de 20 anos sabe-se que é possível criptografar e depois recuperar conversas que passam por centrais telefônicas digitais. Há mais de 10 anos, sabe-se que um sistema de escuta telefônica usado por autoridades de segurança em qualquer país pode ouvir e salvar conversas de cerca de 10 mil linhas telefônicas ou mais ao mesmo tempo. No mundo digital, tudo é gravado, registrado e pode ser recuperado.

Então, do jeito que os fatos se sucedem nessa arapongagem sem fim, as pessoas, especialmente autoridades, estariam mais seguras se adotassem as mesmas estratégias dos anos 70, ou seja, de 50 anos atrás.

Eu volto ao passado porque um servidor do segundo escalão de um dos governos militares do Brasil contou como se defendia da espionagem do Serviço Nacional de Informações, o então temido SNI. Ele disse que, para não ter problemas não fazia nada de errado, não falava nada de importante ao telefone (na época só tinha telefone fixo), triturava todos os papéis usados no escritório (não existia e-mail) e não fazia reuniões sobre assuntos estratégicos perto de pessoas que não eram de extrema confiança.  

Quando precisava falar com alguém e que outros não poderiam ouvir, convidava a pessoa para uma conversa num banco de praça ou para almoçar num restaurante simples. A estratégia deu certo. No final do governo, o servidor gostou do que ouviu do pessoal do SNI: “Não pegamos nada de você, não apuramos nenhuma irregularidade sua”.

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É provável que autoridades de hoje prefiram um pouco desse método anos 70, pelo menos ao telefone, do que ver conversas na íntegra sendo publicadas em capítulos na mídia. É claro que tem como punir os hackers responsáveis, mas quando isso ocorre pode ser tarde para preservar imagens ou informações importantes, mesmo que nada de ilegal tenha sido feito ou dito.