A cobrança dos impostos sobre consumo (IVA) da reforma tributária será por um sistema totalmente digital, que recebeu o nome de “split payment”, na tradução livre, “pagamento compartilhado”. O “pai” desse modelo é o empresário Miguel Abuhab, de Joinville, que deu a sugestão para o governo de Santa Catarina em 2003. Como a ideia não pôde ser adotada por um estado apenas, foi levada para Brasília e incluída agora na reforma tributária.
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– Eu saí com a ideia de que, por exemplo, no boleto de cobrança, a gente poderia separar o valor da mercadoria e o valor do imposto. Quando o comprador paga o boleto, o valor da mercadoria vai para o fornecedor e o valor do Imposto vai para o governo – explica Miguel Abuhab.
Ele conta que se sente muito feliz e realizado por poder dar essa contribuição voluntária ao país. Nos últimos 20 anos, apresentou a ideia para ministros, incluindo Antônio Palocci, Guido Mantega e Joaquim Levy; à Receita Federal e técnicos como Bernard Appy e Vanessa Canado. Recebeu apoios decisivos do deputado Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR) e do então senador Paulo Bauer (PSDB-SC).
Desde o início, Miguel Abuhab deixou claro que uma das vantagens desse modelo, por meio de pagamentos eletrônicos, seria uma ajuda relevante no combate à sonegação de impostos. Segundo ele, esse sistema também poderá ser muito vantajoso se adotado em outros países. Ainda para divulgar o projeto, lançou um livro em 2017, com o título “Devo, não nego, pago quando receber”.
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Depois de muitas viagens a Brasília e a outras cidades, incluindo até Washington, para apresentar o projeto, o momento do novo modelo ser implementado está chegando. O grupo que atua na regulamentação da reforma tributária, liderado por Bernard Appy, escolheu esse sistema e deu o nome de “split payment”.
Miguel Abuhab foi desafiado a dar uma sugestão de recolhimento tributário em 2003 pelo então governador de SC, Luiz Henrique da Silveira, porque era o presidente da Datasul, uma das maiores empresas de software empresarial do país, na época.
Filho de imigrantes, nascido em São Paulo, ele cursou engenharia mecânica no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Depois, foi para Joinville, SC, instalar fábrica de refrigeradores da Consul e fábrica de compressores da Embraco.
Mais tarde, em 1978, se tornou empresário do setor de tecnologia, fornecendo serviços digitais para essas duas empresas. Fundou a Datasul, abriu o capital dela na bolsa (IPO) em 2006 e vendeu a empresa para a Totvs em 2008.
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Seguiu à frente da Neogrid, multinacional de sistemas para gestão de estoques, que fundou em 1999, hoje também com capital aberto na bolsa. Na entrevista a seguir, Miguel Abuhab conta a sua luta para divulgar o sistema tributário que sugeriu:
Como o senhor criou esse modelo de arrecadação de impostos que será usado na reforma tributária brasileira?
– Tudo começou quando o Luiz Henrique (da Silveira) assumiu o governo de Santa Catarina em 2003. Eu sou da área de tecnologia e tinha muito clientes pela Datasul, onde a gente fazia toda a parte fiscal. Então, o Luiz Henrique me perguntou : Miguel, você que entende dessa história de imposto e tecnologia, consegue simplificar isso para nós?
Então eu fui para Florianópolis, passei alguns dias na Secretaria de Estado da Fazenda, conversei com o pessoal, para ver o que poderia ser feito porque eu entendia bem a parte das empresas.
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Mas, no fim, eu saí com a ideia de que, por exemplo, no boleto de cobrança, a gente poderia separar o valor da mercadoria e o valor do imposto. Quando o comprador paga o boleto, o valor da mercadoria vai para o fornecedor e o valor do imposto vai para o governo. Essa era a ideia básica, só que isso era muito difícil para aplicar para um estado só porque existem as operações entre os estados.
Veja fotos da maratona de Miguel Abuhab para divulgar o modelo tributário:
Daí o senhor iniciou uma maratona para divulgar o projeto. Como foi esse trabalho?
– O governador Luiz Henrique começou a me apresentar em Brasília. Ele me levava de carona. Marcava reuniões para falar de programas de Santa Catarina, por exemplo, com o então ministro da Fazenda, Antônio Palocci e pedia para eu falar sobre o projeto tributário.
Ele me encaixava nas reuniões e ficava mais com o comentário. Mas o projeto tributário não evoluiu por falta de foco e, em grande parte, porque o próprio governo, naquela situação, não tinha interesse em mudar nada.
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E assim foi com o ministro Palocci, depois foi com o ministro Guido Mantega, e mais tarde tivemos reunião também com o então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. No governo de Michel Temer, me reuni novamente com o Meirelles como ministro. Mas as coisas não caminhavam. Eu fiz muitas palestras com secretários de Estado de Fazenda também.
Quando o Luiz Henrique faleceu (em 2015) quem assumiu a minha apresentação por Santa Catarina foi o então senador Paulo Bauer. Ele agendou reuniões específicas para tratar do assunto com pessoas que estavam envolvidas em projetos da reforma tributária.
O Paulo Bauer marcou uma apresentação para o ministro da Fazenda (da Dilma), Joaquim Levy, que ficou super empolgado. A reunião, que seria de, talvez, meia hora, durou duas horas. Ficamos conversando. Mais tarde, o próprio Levy escreveu um artigo destacando o quanto o sistema proposto era bom. Mas ele não terminou o mandato. Saiu antes e foi para o Banco Mundial.
Estando no Banco Mundial, ele me chamou em Washington para fazer essa apresentação para entender se outros países tinham alguma coisa semelhante. E nenhum país tinha algo semelhante. A empolgação continuou grande. Eu escrevi um livro “Devo, não nego, pago quando puder”, que publiquei em 2017.
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Depois, passei a ter reuniões com o pessoal que tratava da reforma tributária no Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), o Bernard Appy, o Isaías Coelho e o Nelson Machado. A reação foi de espanto, foi contra. O Bernard Appy tentava identificar furos que levariam o modelo a não dar certo.
Mas, no final, o Bernard Appy achou também que seria uma opção boa para eliminar fraude e sonegação. Tudo aquilo que poderia ser dificuldade, foi entendido que não era. O próprio Bernard Appy, na época do CCiF, tinha uma equipe que estudava a reforma tributária, incluindo a Vanessa Canado e o professor Eurico de Santi, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Depois, o Bernard Appy comprou a ideia.
Mas tudo estava ainda em terreno sensível porque o Bernard Appy não tinha o poder que tem hoje. Nesse meio tempo, eu também havia conhecido então deputado federal do Paraná, Luiz Carlos Hauly, apresentado pelo senador Paulo Bauer. Na época, conversamos mais de três horas em um hotel em Curitiba. O Hauly disse: “Miguel, onde você estava que eu não te conhecia? Estou nisso há tantos anos. Esse teu sistema teria resolvido o problema há muito tempo”.
Daí para a frente, o Hauly virou meu sponsor (patrocinador). Onde ia falava de mim. Aliás, o Levy também. Lembro um dia em que me ligou o senador Esperidião Amim e disse: Miguel, o que você falou para o Levy? Porque aonde ele vai, fala do modelo do Miguel, do seu sistema tributário. Então eu tinha o Levy e o Hauly.
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O Hauly chegou a colocar minha proposta na Comissão de Assuntos Tributários da Câmara. Eu apresentei no plenário. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) tinha um outro nome. Isso foi em 2018. Já existia uma PEC, que tinha sido aprovada.
Mas teve uma intervenção do governo federal no Rio de Janeiro e quando isso ocorre, não pode ter votação de PEC. Então, embora o projeto estivesse aprovado em comissão, não pôde ser aprovado em plenário por causa da intervenção no RJ.
O fato é que acabou o mandato do Hauly, ele não foi reeleito. E o projeto teve que começar tudo de novo. Então, o Hauly convenceu os senadores fazerem a PEC 110/2019. Ficaram trabalhando todos esses anos. O relator era o senador Roberto Rocha. Fiz muitas apresentações para ele. Mas, dessa vez, a gente já não contava com o Paulo Bauer e o Hauly no Congresso. O Hauly continuava com a mesma motivação, tendo sido o patrocinador da PEC 110.
O único ministro da Fazenda que eu não consegui falar foi com o Paulo Guedes, embora tivesse falado com muitas pessoas da equipe dele. O próprio Isaías Coelho e a Vanessa Canado foram da equipe dele. Todo mundo já sabia do meu projeto, mas o Paulo Guedes não sabia.
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O Paulo Guedes era o homem que sabia tudo, fazia as coisas e não ouvia nenhum dos assessores dele. Ele, lamentavelmente, não contribuiu em nada para a reforma tributária. Não convocava reuniões, as pessoas que teriam esse papel não eram ouvidas. Então, a tal da PEC 110 não andou. Na Câmara, começou a PEC 45, porque a PEC no Senado não andou.
Também o então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), não marcava reuniões, não deu a força que deveria ter dado. Aí começou a PEC 45 da Câmara, que foi ideia do Bernard Appy, com o deputado Baleia Rossi (MDB-SP). O relator escolhido foi o deputado Aguinaldo Ribeiro (PT-MG). Eu falei com ele, entreguei o meu livro.
Nessa fase, segui fazendo muitas palestras, sempre com o apoio do Hauly. Falei com muitos deputados e senadores. Daí eles decidiram colocar junto as PECs 110 e 45. Fizeram uma comissão mista de Câmara e Senado para a reforma e que também não deu certo.
Daí veio o terceiro governo Lula, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, decidiu colocar o Bernard Appy como Secretário Especial da Reforma Tributária. O Bernard Appy estava com tudo pronto. É um tema que já se estudava há uns 20 anos. Então o Bernard Appy compilou os dados que já existiam, inclusive compondo essa minha ideia, que ele chamou de “Split payment”, que na tradução significa “Pagamento compartilhado”.
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Então o “split payment” é a sua ideia para o recolhimento de impostos?
– Sim. É essencialmente a minha ideia. Uma vez o Bernard Appy como Secretário Especial da Reforma Tributária, as coisas estavam bem adiantadas. De fato, eu tive reunião com o secretário, entreguei a ele um relatório detalhado do meu projeto com umas 120 páginas. Ele falou que seria considerado pela equipe. Criou um grupo de trabalho e disse que não poderia me convidar para participar porque seria uma proposta do governo.
Então, eles detalharam o projeto, foi aprovado com todas as alterações feitas. Agora, nas leis complementares, as coisas estão ficando mais claras. Tem um detalhamento já grande, com uma equipe de especialistas trabalhando nisso.
Esse sistema terá que ser adotado na cobrança dos impostos. Quem desenvolve esse software é o governo ou pode ser empresa privada?
– O governo pode fazer uma licitação e empresas que têm competência, que tenham trabalhado com o governo, poderão prestar esse serviço. Existe uma empresa por exemplo, a Nuclea, que processa todos os boletos do Brasil. Tem boleto emitido pelo Bradesco, que é cobrado pelo Itaú, mas todos eles passam pela Nuclea e eles fazem toda a contabilização sobre o que vai para cada banco, fazem todas as compensações.
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Existem empresas que tratam de grandes volumes de transações e têm toda parte de segurança contra invasões. Esse é um exemplo de empresa que poderia prestar esse serviço.
Quando você pergunta se as empresas terão que desenvolver alguma coisa, eu digo que não. É mais simples do que isso. As empresas já têm a nota fiscal eletrônica. O imposto já está explicitado na nota fiscal eletrônica. O que é mercadoria e o que é valor do imposto.
Então, basta constar no boleto ou no documento de cobrança bancária qual é o número da nota fiscal a que se refere aquele pagamento. Quando você paga o boleto, o sistema acessa a nota fiscal onde estão abertos os valores da mercadoria e impostos permitindo as compensações devidas. Isso é tão simples.
Pelo que vocês apuraram, o Brasil será o primeiro país a adotar esse sistema eletrônico de recolhimento de tributos?
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– Talvez algum país já faça isso. Mas eu não tenho detalhes e não me inspirei em ninguém que esteja fazendo alguma coisa desse tipo lá fora. Se existe algo no exterior, talvez a minha ideia tenha sido anterior porque eu sugeri isso ao governo de Santa Catarina em 2003, há 20 anos.
Mas o fato é que nós, no Brasil, temos um sistema de nota fiscal eletrônica que é robusto, seguro, estável, todo mundo usa. E temos um sistema bancário que também é robusto e estável. A única coisa é que um sistema não conversava com o outro e o que eu estou propondo, é colocar o número da nota fiscal no boleto e agora está tudo resolvido. O programa de computador para fazer isso é relativamente fácil e é muito mais operar grandes volumes, do que a técnica do programa de computador.
Como o senhor se sente, como cidadão brasileiro, poder colaborar com um sistema tão importante para a reforma tributária do país?
– Então, é claro que a gente se sente muito feliz! É uma realização porque foram muitas e muitas palestras, muito esforço, muitas viagens a Brasília e muitas decepções porque muitas entidades diziam que isso não iria funcionar, que não daria certo.
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Tive muitas decepções desse tipo, muitas entidades que poderiam estar apoiando e não apoiaram, tanto que o projeto, era o “Projeto do Miguel”. Não foi um projeto da Acij (Associação Empresarial de Joinville), não foi um projeto da Fiesc (Federação das Indústrias de SC), não foi um projeto da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo).
Eu apresentei isso para muitas e muitas entidades. Alguém poderia falar: esse negócio é bacana e nós estamos junto. Mas chegava um ministro o ou alguém que seja na Fiesc, ou na Acij ou em tantas outras entidades, o pessoal falava de vários outros projetos, de várias outras coisas que eles queriam, mas não se falava de uma ideia como essa, de uma coisa que poderia trazer esses benefícios para o país.
Então, eu me sinto muito realizado. Atribuo, parte dessa vitória ao Luiz Carlos Hauly, que puxou tudo isso no Congresso e, em parte ao Paulo Bauer que também me apresentou a muitos ministros, ao próprio Levy. Bauer fez um esforço muito grande em relação a esse projeto.
Todas essas viagens que o senhor fez no Brasil e até no exterior para divulgar o projeto foram com recursos próprios?
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– Sim! Todas as viagens foram feitas com recursos próprios. Na verdade, essa reunião de Washington foi quando eu estava na cidade para um congresso de tecnologia, representando a nossa empresa NeoGrid. O Joaquim Levy, que era diretor do Banco Mundial (Bird) e viabilizou o evento enquanto eu estava lá.
O governo vai pagar algum valor para o senhor pelo fato de ter dado essa ideia?
– Não, não! Até agora, é um trabalho todo voluntário. Mesmo as viagens a Brasília foram todas por minha conta.
Como é um novo sistema, acredita que é um modelo exportável, que pode ser útil para outros países?
– Os países que eu conheço não têm sistema assim. Os Estados Unidos, por exemplo, poderiam adotar com vantagem incrível. É muito fácil fazer isso nos EUA. É o ovo de colombo. Como ninguém pensou nisso antes? É tão simples. O benefício que esse sistema oferece é evitar sonegação, fraudes, informalidade. Isso, em menor ou maior escala existe em todos os países.
Como esse sistema evita fraudes?
– É muito simples. Quanto você vai fazer qualquer transação de pagamento para uma empresa, uma rede de varejo, um supermercado ou uma loja que você comprou, fazendo uma transação seja por Pix, cartão de crédito ou cartão de débito, a empresa que vendeu vai precisar dizer o número da nota fiscal ou do cupom fiscal, mesmo que seja o Pix.
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Então, por exemplo, quando você vai numa loja ou num restaurante e perguntam: quer a nota fiscal ou quer o CPF na nota; agora, se você fizer um Pix, vai precisar escanear o QR Code do cupom fiscal, entendeu? Então, aquele estabelecimento comercial, se vai receber com Pix, ele é obrigado a emitir o cupom fiscal e, automaticamente, o imposto é recolhido.
Se você pagou com cartão de crédito, precisa dizer qual é o número da nota fiscal a que se refere aquele pagamento. Assim, as empresas serão obrigadas a emitir a nota fiscal porque não tem como fazer um pagamento se não tiver o número da nota fiscal.
Então, isso fica integrado. Se você for pagar um boleto, no boleto terá que ter o número da nota fiscal. Se vai fazer um Pix, precisa ter um cupom fiscal. Então, qualquer operação que você vai fazer para um comerciante ou para alguém que seja contribuinte dos impostos, terá que ter o número da nota fiscal.
E diferente de outras coisas que tentaram fazer, com o imposto do cheque ou coisa desse tipo. Nós não estamos inventando imposto novo. O que acontece é que o imposto que é devido, quando o comprador paga, o sistema vai separar o valor da mercadoria, que vai para o vendedor, e o valor do imposto, que vai para o governo.
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Não será possível fazer o pagamento de um contribuinte do imposto, sem dizer qual é o número da nota fiscal. A única forma de sonegar, é fazer a transação em dinheiro. Mas não acredito que vão retomar as cobranças em dinheiro, que não são seguras para ninguém. As pessoas pagam por Pix e cartões. As operações em dinheiro serão muito poucas.
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