Deixar como legado um programa para melhorar a prevenção e o tratamento de câncer foi um dos propósitos do presidente da Unimed Santa Catarina, o médico Alberto Gugelmin, 56 anos, que faleceu nesta segunda-feira (5), em Joinville, devido a complicações de câncer no pâncreas. Ele elaborou o programa “De repente o câncer” em 2021 com uma equipe da Unimed e iniciou a implantação. Há poucos dias, propôs à secretária de Saúde de SC, Carmen Zanotto, parceria Unimed-SUS para levar essa metodologia também a pacientes do setor público.
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Morre o médico Alberto Gugelmin Neto, presidente da Unimed Santa Catarina
Gugelmin destacou que um dado chamou a atenção enquanto buscava justificar seu propósito. Foi o de que Santa Catarina tem o menor percentual de realização de exames preventivos de câncer de mama e o maior número de casos da doença em relação ao total da população. Para ele, a secretária Carmen, que é deputada federal e autora de lei para acelerar o tratamento de câncer no Brasil, é a pessoa ideal para se unir a esse projeto.
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Outro propósito de Gugelmin, em função da doença, foi passar uma mensagem de amor e fé para as pessoas. Ele era católico. Isso foi alcançado em vídeo do discurso dele no evento da Unimed em Florianópolis este ano, quando ele falou sobre isso e viralizou.
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Nesta entrevista concedida para a coluna dia 30 de maio no Hospital da Unimed Joinville, onde estava fazendo tratamento, o Doutor Gugelmin, como era mais conhecido, também contou sua história pessoal. A paixão que motivou estudar medicina, a criação de uma cooperativa médica e como enfrentou a doença. Ele deixou a esposa Cristina e os filhos Brenda e Lucas. O sepultamento é na tarde desta terça-feira, às 16h30min, em Mafra, Norte de SC. Saiba mais a seguir:
Você pode contar um pouco de sua trajetória e como se tornou médico?
– Eu sou uma pessoa muito simples, lá do interior de Santa Catarina. Sou de Mafra, mas brinco sempre que sou de Mafrassuchets, perto de Black River (Rio Negro). Eu entregava leite na casa das pessoas. E ainda na infância, acabei me apaixonando pela minha esposa (Cristina), que era uma patricinha. Eu entregava leite na casa dela.
Daí veio a minha grande motivação para sair daquela vida de pobreza. Eu pensava: que vida vou dar para uma mulher dessas, se eu quero casar com ela? Então, concluí que eu precisava estudar. E o que cursar para ganhar dinheiro e ser alguém na vida? Naquela época era Medicina. Aí comecei a estudar para ser médico, mas a motivação mesmo foi ganhar uns trocos para poder namorar.
A gente acabou estudando na mesma turma no segundo grau. Eu tinha uns 15 anos, ela é mais velha que eu, um mês. Eu já estava maior, mais bonitinho. As amigas dela começaram a notar, mas daí ela disse: esse bocó aí já é meu. Começamos a namorar e estamos juntos até hoje, continuamos apaixonados.
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Eu fui fazer o vestibular na Federal do Paraná e passei em primeiro lugar. Eu estava motivado por ela, para você ver o quanto essa mulher tem importância na minha vida. A Federal do Paraná dava três prêmios para quem tirasse a melhor nota em biológicas e nas áreas cirúrgicas, e eu ganhei os três. Foi a primeira vez que isso aconteceu na história da universidade. Completei o curso de Medicina, na área de Urologia, e fui orador da turma, que era uma honra disputadíssima. Daí me ofereceram uma bolsa para a Alemanha, mas eu recusei, voltei para Mafra, me casei e comecei a trabalhar.
Presidente da Unimed SC fala como enfrenta câncer de pâncreas vídeo viraliza
Quando o senhor entrou no cooperativismo médico, hoje a Unimed?
– Me convidaram para abrir uma cooperativa de trabalho médico. A princípio recusei, mas disseram que eu tinha que ir, que eu tinha espírito cooperativista. Pedi uns dias para pensar e vi que, realmente, eu não tinha feito medicina por mim, mas pelos outros. E aí criamos a Cooperativa de Trabalho Médico de Mafra e Rio Negro (hoje Unimed RioMafra) em 1986 e eu a presidi por 11 anos.
Daí eu pensei, porque não ser diretor da Federação das Unimeds. Me candidatei e fui eleito em 1998. Quatro anos depois, fui eleito presidente da Federação Unimed SC. Daí precisavam de alguém para a Unimed Mercosul, que reunia as Unimeds do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Me candidatei e fui eleito também. Resolvi, então, me candidatar a presidente da Unimed Brasil, o que seria o ápice da minha carreira. Não fui eleito, mas acabei sendo vice-presidente.
Uma trajetória e tanto doutor…
– Então, tinha uma vida estabilizada, família, estava financeiramente feliz, tinha poder, essas coisas que estimulam o ser humano, né? Eu até quis comprar um sítio, mas a minha mulher queria montar uma academia de ginástica. Montamos a academia. Daí, há alguns anos, fui passar as férias na Praia da Enseada, em São Francisco do Sul (no litoral de Santa Catarina) e comecei a sentir uma dor no peito à noite, quando dormia. Umas três noites seguidas.
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Daí liguei para doutor Adrian (Schner), cirurgião torácico em Joinville. Ele me disse, vem aí, vamos fazer uma tomografia. E nessa tomografia de tórax, ele cortou um pouco mais abaixo, apareceram uns nódulos no pâncreas. Daí ele pediu para fazer uma ressonância no outro dia, e veio o diagnóstico de câncer de cabeça do pâncreas.
A gente fica sem chão com uma notícia dessas, porque (em casos de) câncer de pâncreas a sobrevida das pessoas é de seis meses. E aí pensei: meu Deus do céu, o que houve comigo, por que agora? Fui a Curitiba, muitos amigos, professores, e logo marcaram uma endoscopia. Operei logo em seguida, 14 dias de hospital, todas complicações possíveis, mas depois saí do hospital e fui para casa.
E aí eu fiquei matutando sobre algo que uma pessoa que havia trabalhado comigo disse para mim. Ela contou que havia sonhado com anjos e eles a informaram que eu tinha ainda dois propósitos na vida. O primeiro seria utilizar o poder que eu tinha, como presidente da Unimed SC, para fazer com que as pessoas possam ser felizes, possam ser cuidadas e tratadas com o respeito que elas precisam. O segundo seria criar uma mensagem que tocasse o coração das pessoas. Foi aí que tive a ideia de criar o programa “De repente câncer”.
E no que consiste esse programa?
– Fazer pelas pessoas o que fizeram por mim. Eu precisei de um exame, no outro dia estava pronto. Eu precisei de uma ressonância, no outro dia estava marcada. Fizeram tudo isso por mim, um cuidar, um proteger, um acolher. E eu pensei: isso precisa ser compartilhado com as pessoas. Não importa quanto custa.
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Daí contratamos oncologista, um enfermeiro oncologista, um psicólogo, um assistente social, e montamos uma baita equipe para que ela cuidasse de quem tivesse precisando. Minha biópsia levou dois dias para sair o resultado, e normalmente as pessoas levam semanas para marcar uma consulta. E o sofrimento das pessoas esperando por isso? Em casos de câncer de mama, esse tempo pode significar vida e morte.
Isso foi em que ano?
– Foi em 2021, no ano que descobri o câncer. Essa foi a primeira missão. E a segunda missão, de levar uma mensagem para o mundo, a mulher até me recomendou gravar uns vídeos no Reels. Eu nem sabia o que era isso. Mas daí comecei a dar palestras. A primeira foi sobre “A força do propósito”, contar esse caminho que eu tracei. Juntamos fotos, para falar algo que as pessoas gostassem de ouvir.
Falar que a minha vida agora tem um outro propósito, diferente do que ela tinha. Foi muito bonito, as pessoas se encantaram com a ideia. Me convidaram para dar essa palestra em Concórdia, mas no mesmo dia tinha uma convenção da Unimed em Gramado. Fiz questão de ir, era outubro do ano passado, mas foi bem nessa época que começaram as dores fortes.
Eu iria de carro, seriam sete horas de viagem. Senti que não iria conseguir, e até pensei em ligar para cancelar a minha presença. Mas meus amigos se juntaram e fretaram um avião que me levou de Gramado até Concórdia, com médico e tudo junto.
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E ali eu percebi que as pessoas haviam entendido que esse era o meu propósito. Também dei uma palestra num evento do Cepon em Florianópolis, só para médicos e enfermeiros oncológicos. Foi incrível. Me abraçaram no final, foi muito emocionante.
O senhor precisou interromper as palestras por causa da doença?
– Sim, a doença agravou e precisei dar uma parada, até porque eu precisava ficar de pé, e tinha que fazer muito esforço. Eu não conseguia mais. Daí teve a Convenção da Unimed no Costão (do Santinho, em março deste ano de 2023), e eu tive que fazer o discurso de abertura. E eu sempre dei muita atenção para isso, porque discurso tem que ser algo que as pessoas queiram ouvir. Eu não consegui terminar, fiz o início e o meio, e deixei o fim em aberto, seja o que Deus quiser.
Coloquei apenas uma palavra: Responsabilidade. E vários itens, responsabilidade social, responsabilidade médica e responsabilidade para com Deus. Foi a primeira vez que coloquei Deus numa palestra. E aí, no final, quando cheguei nessa parte, eu senti que era a hora de falar sobre isso, sobre o valor que a gente precisa dar para as pequenas coisas, tomar um banho sem ter uma bolsa pendurada na barriga, sem ter dor, ser capaz de deitar e dormir à noite, sem ficar perambulando pelo quarto com insônia.
Eu não tinha nenhum objetivo além de falar para as pessoas que estavam ali, só que minha filha gravou e mandou para a minha mãe. Ela queria assistir, coisa de família. E minha mãe gostou. Minha mãe mostrou para a diarista, e ela disse: dona Eloá, posso publicar isso? Minha mãe perguntou se ela podia, eu disse que se fosse só o finalzinho, tudo bem. Ela cortou o vídeo e publicou, e a coisa estourou.
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O vídeo viralizou, então, como dizem.
– No final, eu terminava dizendo que eu vivia um grande paradoxo na minha vida, entre a Fé e a Razão. Ser médico me confronta com uma realidade, uma realidade dura, porque a ciência me diz que eu não tenho mais perspectiva de vida. Mas, por outro lado, a fé me motiva muito forte e diz que, claro, que eu tenho que acreditar que vai dar certo, que eu preciso ter fé, e foi nisso que eu me apeguei.
E eu dizia: garanto para vocês que, daqui um ano, eu vou estar aqui fazendo esse discurso de abertura novamente, se Ele (Deus) quiser. Isso foi o fechamento. Ficou bom e isso impactou as pessoas e fez viralizar. E daí Brasil para fora, os próximos dias foram uma loucura. Ainda hoje médicos me ligam dizendo que viram o vídeo (teve 89 mil visualizações no Instagram e 42 mil no Facebook). Recebi mensagem do Jayme Monjardim e do Ricardo Amorim, dizendo que compartilharam o meu vídeo. O Tom Cavalcante mandou o vídeo para a Preta Gil, que também está enfrentando um câncer. E isso tudo me fez perceber que a minha mensagem estava sendo recebida.
E como é que evoluiu o programa “De repente câncer”?
– É engraçado, porque ao mesmo tempo em que tem muita gente puxando a favor, tem muita gente lutando contra. Agora, recentemente, numa viagem de São Paulo a Curitiba, eu fiz uma convulsão dentro do avião. E eu já sei, isso só podia ser metástase cerebral. E aí eu entendi que eu tinha mais pressa para fazer isso acontecer.
Então eu cheguei na Federação, chamei a equipe que cuida disso e falei: gente, sei que cada um tem a sua velocidade, mas esse projeto tem que acelerar, o meu tempo está curto.
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E esse projeto, para acelerar, precisa ter o apoio das entidades. Então disse que havia um caminho mais complexo, mas totalmente factível, desde que as pessoas envolvidas acreditassem nele. Então, quem sabe a gente chama a Secretária de Saúde, Carmen Zanotto. Conheço ela, vou explicar para ela e motivá-la a entrar nessa com a gente. A gente pode fazer isso para o público.
Existem três pilares: diagnosticar, acolher e tratar. A ideia é fazer com que o Sistema Catarinense de Saúde dê um exemplo para o país de que quando a gente se une é possível fazer a diferença. Vamos chamar a Secretaria, a Rede Feminina de Combate ao Câncer, alguém da área de saúde privada, a Unimed, alguém da TV, para ajudar a divulgar, todos os que acreditam que é possível implantar esse projeto.
Nosso estado, hoje, tem o menor índice de diagnóstico precoce. Proporcionalmente à população, nós somos o que mais tem câncer de mama. E somos o estado com o maior número de mamógrafos. Nós temos instrumentos, mas há pouca procura, por falta de comunicação eficiente, falta de educação em saúde que conscientize as mulheres, principalmente as do interior, da importância do exame preventivo.
Estamos nessa fase, a gente consegue falar com a Secretaria da Saúde, aí eles conseguem fazer o diagnóstico. E feito o diagnóstico, você vai dar para a pessoa um carimbo: você está com câncer. E aí, o que você faz para essa pessoa? O governo do Estado vai acelerar, conseguir marcar uma consulta, fazer uma biópsia, ou vai deixar essa pessoa com a bomba na mão para ela ir na imprensa ou nas redes sociais dizer que o Estado não faz nada por ela?
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Então, estamos nessa fase, de juntar pessoas para pensar a melhor estratégia de fazer isso acontecer. Nós, como Unimed, podemos fazer isso sozinhos, mas eu entendo que não é esse o objetivo.
Mas vocês vão fazer isso para o público em geral?
– A Unimed, como federação, ela é operadora. Mas ela não tem um número tão grande de clientes. Nós temos 300 pessoas sendo monitoradas pelo programa “De repente câncer”, que começaram desde o diagnóstico a ter todo esse acompanhamento, e o índice de aprovação chega a 100%. Todo mundo adora o programa, mas eles são clientes da Unimed. Mas eu tenho pressa, eu quero mais. Esse programa precisa ter maior alcance. Estender esses benefícios a mais pessoas.
E como o câncer de mama é um problema em Santa Catarina, seria melhor começara a fazer o rastreamento da doença aqui no Estado. Fizemos a parceria com a Rede Feminina e a Unoesc, que tem expertise em coleta de dados e, também, em campanhas de educação.
Reunimos também duas startups, que vão fazer programas para realizar esse rastreamento, porque a secretária mesmo fala que a dificuldade que ela tem é saber o que foi feito aqui, não há ligação entre os procedimentos.
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A Unimed entraria com o conhecimento que ela já tem com o “De repente câncer”. Nós nos reunimos com a secretária, minha equipe foi até ela e eu falei online, para saber como a Saúde do Estado poderia se juntar ao projeto. A secretária Carmen ficou muito impressionada com o projeto e determinou que o Eduardo Macário, que é o Coordenador da Sala de Situação de Saúde em Santa Catarina, se reúne novamente com a gente para definir como o Estado pode participar do projeto.
E o que vocês pretendem fazer, logo de início, se o Estado participar também?
– A nossa meta é alcançar pelo menos 70% das mulheres, de 50 anos para cima, com o exame de mamografia. Se chegar a 70%, o Estado ficaria em segundo lugar, atrás somente de São Paulo, que tem 75%.
Isso pode ser feito sem muito custo. E a Carmen Zanotto é a autora da Lei dos 60 Dias (Lei 12.732/2012, que garante ao paciente com câncer o direito de iniciar o tratamento pelo SUS em, no máximo, 60 dias após o diagnóstico). Então, nós estamos com todos os agentes que precisamos na hora certa.