Reconhecida como essencial para não parar durante a pandemia do novo coronavírus, a construção civil seguiu atividades em obras já iniciadas e avançou nas reformas residenciais e comerciais. O auxílio emergencial e o trabalho em home office motivaram obras em casa e em escritórios. O que ninguém esperava era que o setor de materiais de construção aproveitasse essa fase de crise enfrentada pelo país para elevar preços de forma quase generalizada muito acima da inflação. A maioria dos itens teve alta de até 10%, segundo levantamento feito pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) junto à sua base de empresas associadas.
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Cinco razões que mostram a falta de eficácia dos decretos contra o coronavírus em SC
O presidente da Câmara de Desenvolvimento da Indústria da Construção da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), Paulo Obenaus, avalia que num momento de crise sem precedentes como o atual não é hora de elevar preços. No Estado, as altas acompanharam a média nacional, a maioria até 10%. O empresário avalia que frente a uma inflação no primeiro semestre que subiu apenas 0,10% e no ano está prevista para 1,6%, os preços dos materiais quase quintuplicaram essa variação inflacionária.
– É completamente descabido no momento em que toda a sociedade foi chamada a se unir em prol da saúde, todo mundo ajudando, doando cestas básicas para as pessoas mais necessitadas, as empresas reduzindo salário e jornada de trabalho, um setor elevar preços muito acima da inflação. Não pegou bem isso – lamentou Obenaus.
A sondagem, realizada de 16 a 21 de julho, questionou 462 empresas de 25 estados sobre altas de preços realizadas no período da pandemia, de março a julho. Apurou, por exemplo, que no caso do cimento, 59% dos entrevistados do país informaram que enfrentaram aumento de até 10% e 36% registraram alta superior a 10%. No caso do aço, 55% enfrentaram reajuste de até 10% e 32% acima de 10%. O dólar quase não variou no período para levar a culpa por tantos reajustes. No acumulado até julho teve alta de 30%, mas que já tinha acontecido no primeiro trimestre.
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Em Santa Catarina, essa inflação nos preços de materiais de construção também está pesando. No Estado, 56% das empresas ouvidas na pesquisa reportaram alta de até 10%, e 28% tiveram reajuste acima de 10% no caso do aço. Os cabos elétricos subiram até 10% para 61% e acima disso para 33% das empresas.
Ainda em SC, 78% informaram ter registrado alta de até 10% nos preços de cimento, 61% tiveram esse aumento nos preços de concreto, 31% na areia, 50% na brita, 39% no bloco de concreto, 50% nas esquadrias, 67% nas louças sanitárias, 28% em revestimentos cerâmicos, 50% em tintas e misturas e 44% registraram aumento nos preços de conexões e PVC.
Essa sucessão de aumentos aconteceu ao mesmo tempo em que indústrias de construção, apesar de estarem com atividades de volta e saldo de emprego positivo, tiveram que renegociar prestações ou até postergar porque clientes que haviam comprado imóveis perderam emprego ou tiveram redução de renda. Quem aluga imóvel também teve que renegociar ou postergar porque empresas não estão podendo faturar e pagar. Quando os aumentos de preços de materiais de construção começaram a acontecer lentamente, a indústria da construção foi aceitando. Mas no fim de quatro meses levou um susto com os reajustes acumulados, observou Obenaus.
Esse custo maior aparece justamente numa fase em que as pessoas de classe média ou de renda menor que compram imóveis estão postergando decisão de compra porque não sabem o futuro de seu emprego, destacou o presidente da Câmara da Construção. Além disso, esse consumo menor, causado pelas reformas, não é sustentável. Logo vai parar, mas a inflação incluída nos preços dos materiais fará parte do Custo Unitário Básico (CUB) da construção e vai pesar no preço dos imóveis novos.
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A cultura da indexação
Os setores da indústria e comércio de materiais de construção, ao aumentar os preços em plena pandemia do novo coronavírus, além de mostrar insensibilidade com o momento de crise econômica e perda de vidas enfrentadas pelo país, confirmam que a cultura da indexação no Brasil é muito forte, apesar de a inflação estar relativamente controlada desde 1994, com a implantação do Plano Real.
Preocupa também o fato de ser justamente no setor que mais pesa no custo das famílias porque a casa própria é o bem mais caro adquirido pelas pessoas. O alto custo reduz o acesso das pessoas mais pobres ao imóvel próprio e também limita reformas que fazem nos seus imóveis que conseguem ter diante da situação econômica desfavorável.