A presidente da Câmara de Comércio Exterior da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), Maria Teresa Bustamante, que integrou a equipe brasileira de negociações do acordo Mercosul-União Europeia por 15 anos como representante do setor eletroeletrônico, diz que vale a pena celebrar. Apesar de ainda ser necessária a aprovação dos parlamentos de todos os países para as normas acertadas entrarem em vigor, o que vai demorar mais de dois anos, a presidente da câmara recomenda aos empresários já definirem seus investimentos e estratégias comerciais com base no novo acordo que formará o maior mercado do mundo – com 780 milhões de pessoas e 25% do PIB global.
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O que representa o fechamento do acordo Mercosul e União Europeia?
Vale a pena celebrar esse acordo político. Se ele for ratificado pelos países a partir do reconhecimento dos congressos de cada país – processo que deve demorar uns dois anos e meio – vai se converter num instrumento de negociação relevante. Mas a cautela é que ainda não se conhece o conteúdo do acordo. E esse conteúdo não é trivial. É um acordo de última geração. Trata de serviços, regras de origem, meio ambiente, aspectos trabalhistas, reduções tarifárias, cotas de produtos, exigências regulatórias, indicações geográficas. É importante celebrar, mas é preciso cautela para saber qual é o conteúdo.
A senhora acredita que será um bom acordo para o Brasil?
Eu acredito que sim. Não me parece que seria tão difícil aos governos se acertarem sobre uma cota. E tem que ter em mente o seguinte: negociação tem que ter um custo, alguém não vai conseguir tudo o que quer. Dá para celebrar o fato de terem chegado a um ponto final. Agora, o meu ponto de cautela é que quando submeterem aos legislativos virão pressões para que não assinem o acordo. Se não assinarem e não for publicado, o acordo não terá validade.
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Quais são as expectativas para Santa Catarina?
O Estado terá uma garantia de cotas, acesso para carnes bovina, suína e de frango. Todos os setores alimentares e também os industrializados serão beneficiados. Não dá para esquecer que a União Europeia tem um mercado de 27 países. É importante sinalizar que é um acordo atrativo para a indústria catarinense.
O que predomina nessas regras de negociação?
Elas são recíprocas. O que entra na União Europeia, entra no Mercosul. O que pode acontecer é um prazo diferente para reduzir as tarifas.
A adoção de alíquota zero para indústrias pode prejudicar o Brasil?
Aí é que podem entrar as pressões locais nos legislativos para que o acordo não seja ratificado. Então, não adianta soltar tanto rojão agora, porque serão necessários cerca de dois anos e meio até que os legislativos ratifiquem, tanto no Mercosul, quanto nos países da União Europeia. O acordo como ele vier assinado vale exatamente igual para todos os países. A lista assinada para o Mercosul é a mesma para os quatro países do bloco e a lista assinada para a União Europeia é igual para os 27 países europeus.
Então, os legislativos só vão dizer sim ou não?
Exatamente, porque os acordos não são passíveis de serem renegociados. Os legislativos só podem dizer sim (aprovam) ou não (rejeitam). Para se ter ideia de como é difícil, o congresso brasileiro, até agora, não conseguiu aprovar a entrada da Bolívia no Mercosul porque há pressões junto a deputados e senadores para que eles não levem o acordo para a mesa. Pode ser que fabricantes de quaisquer países que se sintam lesados vão fazer pressão política para que o acordo não seja ratificado.
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Como será esse processo de aprovação?
Cada país tem que aprovar e, depois, encaminhar a decisão para o Parlamento Europeu e ao Conselho Europeu. Quando o conselho reconhecer o acordo válido para cada um dos 27 países é que ele entrará em vigor.
A Venezuela também terá que aprovar o acordo?
Não. Aqui no Mercosul somente os parlamentos brasileiro, argentino, uruguaio e paraguaio vão aprovar.
A sua expectativa é de que o parlamento do Brasil será favorável?
Eu só posso dizer que vai aceitar quando eu tiver o acordo em mãos. Eu tenho dúvidas se o que foi definido é tão benéfico quanto a gente gostaria para carnes e para setores industriais, especialmente o automotivo.
O fato de o presidente dos EUA, Donald Trump, ter derrubado os acordos Transpacífico e EUA-União Europeia facilitou a aprovação desse do Mercosul com a UE?
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Acho que não. O efeito da decisão do Trump não deve ter colaborado. Esse acordo Mercosul-União Europeia foi aprovado porque interessa para ambas as partes. Quando entrar em vigor, será o maior acordo comercial do Planeta. Não há nenhum outro igual. Ele tem uma atratividade pelo tamanho dele. É extremamente relevante.
Qual será o efeito do anúncio desta sexta-feira considerando que o acordo entrará em vigor somente em cerca de dois anos e meio?
O acordo já negociado, assinado e publicado, vai permitir que investidores e empresários possam começar a fazer planejamento de acesso ao mercado a partir do que o acordo está sinalizando. Ele é um instrumento estratégico para os empresários. Por isso não deve-se olhar para o efeito imediato, mas no que ele colabora como instrumento estratégico para decidir onde serão feitos os investimentos, que tipo de produto será ofertado, de qual cadeia global de valor a empresa vai participar, quais são os serviços que vai prestar. O tempo de implantação do acordo será importante para as empresas fazerem o planejamento necessário.