No seleto grupo das empresas centenárias de Santa Catarina e do Brasil, a Döhler, de Joinville, do setor têxtil de cama, mesa, banho e decoração, celebra 140 anos nesta segunda-feira, voltada para o futuro. Está investindo R$ 120 milhões no período 2021-2022 e seguirá essa média nos próximos anos para acelerar crescimento e dobrar de tamanho em sete ano, o que significa dobrar a receita. A informação é do presidente do conselho da companhia, Udo Döhler.

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Além da modernização do parque fabril em Joinville, a estratégia envolve avanço no varejo, com o lançamento de uma nova plataforma de e-commerce em outubro do ano que vem, além de 12 lojas físicas em outros estados.

Fundada em 6 de dezembro de 1881 pelo imigrante alemão Carl Gottilieb Döhler na antiga Colônia Dona Francisca, a empresa conseguiu superar diversos desafios em quase 150 anos. Um deles foi a falta de energia, conta o presidente do conselho que é descendente do fundador.

Atualmente, a Döhler é uma empresa competitiva no seu setor, com exportações para mais de 40 países. Encerrou 2020 com receita líquida de vendas de R$ 522 milhões, oferece 3 mil empregos diretos, produz 12 mil itens diferentes e processa 1.400 toneladas de tecidos por mês e, além disso, conta com 300 mil metros quadrados de reserva arborizada.

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Paralelamente a essa trajetória, a Döhler sempre esteve envolvida no associativismo empresarial e trabalhos voluntários no município. Saiba mais sobre a companhia na entrevista de Udo Döhler, a seguir.

Udo Döhler, presidente do conselho da companhia
Udo Döhler, presidente do conselho da companhia (Foto: Jakson Zanco, PMF, Divulgação)

Como foi o início da trajetória da Döhler?

– A Döhler nasceu ligada à história de Joinville porque ela foi fundada em 1881. A intenção do fundador da companhia era de trabalhar a terra, mas como o solo tinha características difíceis e ele era oficial têxtil, tinha sua própria oficina na Saxônia, Alemanha, montou um tear de madeira e começou a produzir para atender a Colônia Dona Francisca.

O tempo foi passando, ele avançou nessa habilidade, aí ele começou a atender a região toda, não só Joinville, mas também subiu a serra para atender São Bento do Sul e Campo Alegre. Anos mais tarde, já trouxe um tear importado e, dali para a frente, a Döhler se transformou na empresa que é hoje. Passou a oferecer produtos de cama, mesa e banho e outros.

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Desde a fundação, a Döhler oferecia produtos diversificados. Atualmente, temos linhas de cama, mesa, banho, copa, decoração e outra linha que atende a indústria moveleira, calçadista e a de colchões.

Entre as razões da longevidade da companhia, qual o senhor destaca?

A companhia sempre procurou ter um quadro de funcionários qualificados. Desde a fase inicial tinha programas de treinamento. À medida que o tempo foi passando, deu aos funcionários a oportunidade de buscar uma formação melhor. O turnover da empresa sempre foi muito baixo. Isso ajudou a companhia a atravessar tantas crises quanto o país já passou.

Qual foi o período mais difícil da trajetória?

Se voltarmos a umas quatro ou cinco décadas, um problema crucial para a empresa foi a falta de energia elétrica. A cidade não dispunha de oferta suficiente e as empresas tiveram que crescer produzindo sua própria energia. A Döhler não foi uma exceção. Teve que adquirir geradores a óleo combustível. Esse problema se estendeu por um longo período. A logística era complexa. No que diz respeito à matéria básica, o algodão, sempre foi produção nacional. Em 2010 mudou a produção, caiu em função do avanço da soja e o milho e a empresa passou a importar algodão. Isso mudou e, hoje, o Brasil é um dos grandes produtores mundiais. O algodão, hoje, representa 70% da matéria-prima da Döhler.

E qual foi a fase melhor da empresa, com melhores resultados?

Eu diria que a partir de 2008 a companhia teve anos muito bons. Ela se consolidou no mercado. Constituiu um parque fabril bem equipado, absorveu novas tecnologias. Isso permitiu com que a empresa ganhasse o mercado mundial, embora as exportações tenham recuado muito e a Döhler venda mais para o mercado doméstico em função da política cambial do país totalmente equivocada. Nos últimos três anos, a empresa não precisou mais se preocupar com a concorrência predatória do Leste Europeu, tendo a China na parte inicial. Hoje, independente da política cambial, a Döhler passa ao largo desses momentos. 

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O momento atual, apesar de a política atrapalhar um pouco, a empresa tem planos para crescer e tem expectativa de dobrar de tamanho nos próximos sete ano. Nos últimos anos, os resultados têm sido bons. O resultado deste ano de 2021 será idêntico ao de 2020. O primeiro ano da Covid não prejudicou a companhia. No ano que vem a empresa deve crescer cerca de 15%. Será um ano eleitoral, o governo está atrapalhado com as suas contas, a carga tributária continua elevada, isso fez com que a economia do país passasse a crescer menos.

Como a pandemia impactou a empresa?

A Covid-19 não atrapalhou as vendas. Logo no começo, a Döhler implementou um programa muito cuidadoso para que a pandemia tivesse um impacto baixo na companhia. Isso foi altamente eficiente. Num quadro de 3 mil funcionários, no pico tínhamos uma média/dia de 30 pessoas contaminadas e pouco mais de 100 afastadas. Com o programa da assistência social, a empresa afastava quem tivesse contato com a pessoa contaminada e as famílias eram acompanhadas. 

Então, a nossa média de pessoas afastadas foi sensivelmente menor do que a da cidade e a do país. Hoje, a Döhler, por exemplo, a empresa tem cerca de duas pessoas contaminadas e cerca de 12 ou 15 afastadas. Assim, passou praticamente ao largo da Covid. É claro que no primeiro trimestre da pandemia, o mercado como um todo encolheu. A empresa teve que reduzir sua jornada em 50% por período curto. Mas o mercado se normalizou, tanto que o ano de 2020 foi bom para a companhia.

Quanto a Döhler investiu este ano e quanto investirá no ano que vem?

A empresa investiu R$ 60 milhões em 2021 e vai investir mais R$ 60 milhões no ano que vem e para os anos vindouros. É claro que estamos entrando num ano eleitoral, ninguém sabe o que vai acontecer com esse país. Temos uma carga tributária perversa, que faz com que a gente tenha uma desigualdade muito forte de renda. 

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E se nós não melhorarmos a qualidade de vida da população de baixa renda, vamos ter um custo gigantesco para atender a população. Basta ver o que acontece no momento. São cestas básicas e o auxílio emergencial que mantém o país em pé. Se nós não melhorarmos a qualidade de vida da população, teremos mais dificuldades maiores num futuro muito próximo.

A Döhler atua em vários segmentos do mercado. O que a empresa está programando para o futuro?

A empresa atua em todos os segmentos. Contratamos uma consultoria e, por volta de outubro do ano que vem, vamos lançar uma nova plataforma de e-commerce que oferecerá uma linha premium, que se diferencia da linha normal de produtos. Contratamos especialistas que estão desenvolvendo produtos que estarão prontos para essa fase de lançamento do e-commerce, no ano que vem.

Uma das novidades da empresa é o uso de estamparia digital, que praticamente não usa água. Como está o foco ambiental da companhia?

O compromisso da Döhler com a ESG, a governança sócioambiental é para valer. A empresa que não se preparar para esse novo momento, vai ficar fora do mercado. O comércio digital vai permitir com que o consumidor consiga ficar cada vez mais próximo do produtor. Tanto assim, que estamos prevendo também a abertura de 12 lojas físicas no país. Temos o modelo âncora no Centro de Joinville, uma loja de referência da região. 

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Nessa loja, vamos acrescentar um espaço virtual, o mesmo que faremos em outros estados. Nesse espaço virtual, o consumidor vai enxergar a empresa, como o produto é processado, quais os cuidados que a empresa tem com o uso de insumos.Hoje, a Döhler tem a sua própria captação de água e reaproveita no processo produtivo 30% da água. Também começamos a produzir a nossa própria energia elétrica fotovoltaica. A oferta de energia elétrica é uma grande interrogação. 

Com as adversidades climáticas, a água começa a faltar, as usinas hidrelétricas não podem produzir com capacidade plena, a geração eólica e fotovoltaica não vai poder atender toda a demanda e, além de tudo, vai faltar espaço físico para a geração dessa nova energia. Tanto que a eólica está procurando espaço no mar. Os sítios fotovoltaicos não têm como invadir áreas agrícolas. Uma das saídas é a energia nuclear. A quarta usina, que será entregue em cerca de dois anos, é moderna. É mais uma alternativa, mas estamos atentos a essa questão.

Como é o projeto de usina fotovoltaica?

Estamos instalando painéis solares sobre o telhado da empresa. É uma experiência inicial. Está gerando 1,5% da energia do nosso consumo de energia. Está dando muito certo. Depois, vamos expandir. Temos uma área coberta de 200 mil metros quadrados. Toda essa área pode receber painéis solares. Isso vai nos permitir gerar nossa própria energia até e torno de 20% a 22% do que consumimos.

A rede de lojas físicas vai ser em sintonia com o avanço no digital?

Nossa ideia é criarmos uma excelência de transformação digital, que cuida não só do e-commerce, mas de todo esse processo de mudança, dentro da ESG. Isso passa por outras mudanças, como a da robotização. Estamos com alguns robôs já funcionando. Independente disso, vamos ter novas plataformas. Estamos também profissionalizando mais a companhia, buscando no mercado pessoas que possam nos atender na área de inovação. E como a empresa tem esse plano de dobrar de tamanho, ela vai mais ao mercado.

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Vista aérea do parque fabril da Döhler, em Joinville
Vista aérea do parque fabril da Döhler, em Joinville (Foto: Döhler, Divulgação)

Com o plano de dobrar de tamanho, a empresa vai gerar mais empregos ou poderá crescer com a mesma equipe?

Boa pergunta. No mundo digital a empresa cresce, mas o número de vagas não avança na mesma proporção. Não significa que a empresa vai dobrar o número de funcionários. Ele vai crescer num percentual menor. Não significa, também, que a área física vai dobrar de tamanho. Hoje, com as novas tecnologias e equipamentos, dentro do espaço disponível atual temos condições de dobrar de tamanho. Os investimentos de R$ 120 milhões são iniciais nesse processo de buscar o dobro de tamanho.

Por que a decisão de seguir investindo em Joinville na área fabril ao invés de abrir unidade em outra região?

A Döhler depende de cuidados ambientais muito importantes em função desse modelo de indústria têxtil. Nós temos o próprio suprimento de água, por exemplo. Não dependemos do setor público. Temos nosso próprio tratamento de resíduos industriais, estamos investindo fortemente na geração da nossa própria energia elétrica, e estamos trabalhando para reduzir reduzindo os impactos ambientais. Por isso a Döhler, dentro do setor têxtil, ocupa uma posição de liderança na área ambiental. Um dos prémios de sustentabilidade que recebemos recentemente foi do Lide SC.

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A Döhler está na bolsa de valores, mas não tem comercialização intensiva de ações. Isso pode mudar?

A Döhler caminha para a profissionalização, o que vem acontecendo de uma maneira geral nos últimos dois anos. E vai para o mercado (de ações) nos próximos dois anos. Embora seja uma empresa de capital aberto, suas ações estão muito concentradas atualmente. Mas em 2024, a empresa estará mais avançada no plano de dobrar o tamanho e essa mudança de escala será essencial para competir no mercado virtual. 

A Covid aumentou a velocidade do e-commerce, mas isso ainda é uma bolha. Assim que a pandemia arrefecer, o mercado de lojas físicas voltará a crescer. Somente lá adiante, com uma mudança efetiva da mobilidade, uso diferente do automóvel, as vendas poderão ser mais virtuais. Por enquanto, as vendas físicas seguirão importantes porque as pessoas vão querer sair de casa, tanto para frequentar restaurantes, quanto lojas e outros serviços.

Nessa entrevista, o senhor fez várias críticas à política econômica. De que forma o setor público mais impacta negativamente as empresas?

É com a carga tributária excessivamente elevada. A indústria, no Brasil como um todo, não cresce junto com a economia. Já a agroindústria cresce. A alta carga tributária tira nossa capacidade de exportar. Exportamos minério de ferro e importamos o trilho. Não existe absurdo pior do que esse. Por que isso acontece? Temos um imposto em cima do outro, a máquina pública brasileira é muito cara. É o preço do barril de petróleo que dobrou? Isso é conversa fiada. 

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Como vou explicar que um botijão de gás que custava R$ 40 hoje custa R$ 117. Como explicar que a energia elétrica subiu da mesma forma. No custo da energia, só de ICMS são 25%. Se o governo não desinchar sua máquina, vamos passar por momentos difíceis. O programa de privatização só está avançando no país, funcionando, porque o poder público está quebrado.

O senhor foi prefeito de Joinville por dois mandatos, encerrados em 2020. Que aprendizados levou do setor público para a empresa?

Em setembro do ano passado, um secretário nosso me perguntou: o senhor está arrependido de ter passado oito anos na prefeitura? Eu disse para ele: arrependimento nenhum. A recompensa foi a resiliência. Isso a gente só adquire com essa densidade do poder público poque a máquina pública apodreceu. Ficamos há oito anos convivendo com isso. Não cometemos atos de improbidade. 

Quando assumimos, o município tinha um passivo de R$ 300 milhões e conseguimos entregar para o nosso sucessor com cerca de R$ 1 bilhão para investir. O que vale para o setor público, vale para o setor privado. A diferença é que cidades e países não quebram. Uma empresa, se não for bem, quebra.

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