Descendente de imigrantes alemães, nascido em Brusque, então pequena cidade no interior do estado de Santa Catarina, Sul do Brasil, Walter Orthmann conquistou “medalha de ouro” inédita no mundo, a de ser o trabalhador mais longevo em uma única empresa: 86 anos na indústria de tecidos RenauxView. Neste sábado (03-08), familiares e SC se despedem desse ilustre empregado, que faleceu ontem (02-08), aos 102 anos, de causas naturais, em casa.
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– Eu me sinto feliz. O trabalho é a minha vida. É muito gostoso trabalhar – me respondeu Walter Othmann, em entrevista sobre trabalho em 2018, quando entrou para o Guinness Book e falou sobre como era a vida que levava. (Leia a íntegra da entrevista no final desta matéria)
Mas o que permitiu a Walter Orthmann alcançar esse recorde como o trabalhador mais longevo do mundo na mesma empresa? Foi um conjunto de fatores como amor pelo trabalho, talento como vendedor, simpatia, vida leve, saúde e habilidade para construir conexões.
Nesses 86 anos de empresa, ela mudou de dono, de marca, mas ele foi mantido no emprego e se tornou um embaixador da companhia. Em 2006, a empresa, até então denominada Textil Renaux S.A. foi adquirida pelo empresário Armando Hess, ex-presidente da Dudalina, e sócios. Eles mudaram a marca para RenauxView, reforçaram o foco em moda, mas mantiveram o longevo gerente de vendas Walter Orthmann.
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– Quando assumimos a empresa, em 2006, eu perguntei para o seu Walter se ele topava trabalhar conosco com contrato de 15 anos, com um detalhe: renovável por mais 15 anos. Ele disse sim. No ano passado, foram completados os 15 anos. Disse a ele que o contrato foi renovado automaticamente e ele concordou – revelou Armando Hess de Souza, presidente da RenauxView, na festa dos 100 anos do trabalhador, em 19 de abril de 2022.
Veja mais imagens sobre os últimos anos de Walter Orthmann:
Walter Orthmann não era apenas grande em altura, talvez mais de 1,90m. Ele era uma pessoa simpática, acessível, aberta a desafios e disciplinado. A exemplo da grande maioria das crianças da idade dele, enfrentou as dificuldades de família com pouca renda.
Teve que estudar em alemão, trabalhava à tarde na casa do professor porque os pais não tinham condições de pagar a mensalidade da escola (não tinha ensino público onde ele residia), ia para a aula de pés descalços no meio da geada. Assim, conseguiu finalizar os estudos básicos.
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Conseguiu o primeiro emprego, onde permaneceu a vida toda, aos 15 anos, em 17 de janeiro de 1938, como assistente de empacotamento de tecidos. Atuou em várias áreas, foi da área financeira e se destacou como vendedor, tendo atuado em todo o Brasil nessa função, que ocupou até no final do ano passado (2023), antes de se afastar por problemas de visão.
A trajetória brilhante de Walter Orthmann na RenauxView resultou das características pessoais dele, como determinação pelo trabalho e, também, dos sócios da empresa, que sempre viram nele um grande valor, tanto como vendedor, quanto como embaixador, sendo o trabalhador mais longevo do mundo. Ele também teve uma vida familiar equilibrada, com dois casamentos. No primeiro, teve cinco filhos. Ficou viúvo e casou três anos depois, quando teve mais três filhos.
Walter Orthmann deixa como legado uma trajetória inspiradora não só para trabalhadores que atuam como empregados, mas também para empresários e a todos que buscam uma vida produtiva, mas com leveza.
Leia a seguir a íntegra da entrevista que Walter Orthmann me concedeu em janeiro de 2018:
Catarinense vai para o Guinness por trabalhar 80 anos na mesma empresa
No dia 17 deste mês o catarinense Walter Orthmann, 95 anos, entra para a história mundial como o trabalhador que atua há mais tempo na mesma empresa. Ele completará 80 anos na RenauxView, indústria de tecidos para moda de Brusque, Santa Catarina. Por isso entrará para o livro dos recordes, o Guinness Book. Ele já é o empregado mais longevo do Brasil há 10 anos, quando completou 70 anos de casa. Seu primeiro salário na carteira assinada em 17 de janeiro de 1938 era de 200 mil réis. Nessas oito décadas, viu mais sete moedas, 18 zeros cortados em função da inflação, várias crises econômicas e transformações tecnológicas. Hoje gestor de vendas, quando questionado sobre a razão de manter o emprego por tanto tempo, ele diz: “o trabalho é a minha vida”. Seu Walter é uma celebridade, tem contrato até 2021 podendo ser renovado e o seu recorde será comemorado com duas festas pela empresa.
Como o senhor se sente trabalhando aos 95 anos?
Eu me sinto feliz. O trabalho é a minha vida. É muito gostoso trabalhar.
Se tivesse que ficar em casa, aposentado?
Eu não aguento ficar em casa. A minha vida foi trabalho e o trabalho me faz bem. Tenho saúde com o trabalho.
O que o senhor tem a dizer sobre quem não gosta de trabalhar?
Quem não gosta de trabalhar é doente. Não sabe o que fazer. Trabalhar é saúde, trabalhar é vida. Nascemos para trabalhar.
Para que região o senhor vende produtos atualmente?
Agora fico na sede da empresa, em Brusque. Atendo clientes aí.
Quando era vendedor externo, o senhor viajou muito pelo Brasil?
Trabalhei por mais de 60 anos viajando. Primeiro, o Brasil todo. Depois, somente para o Nordeste.
Como o senhor está vendo os empregos do futuro?
Quanto mais moderna a empresa, menos empregos tem. Então, temos que inventar mais empresas. Em Brusque, por exemplo, temos a Havan que já emprega 13 mil pessoas. O Luciano Hang (dono da Havan) é meu amigo. É preciso abrir novos empregos. Mas hoje está difícil conseguir trabalhador. Você precisa de um empregado e não encontra. Ninguém mais quer trabalhar e está caro contratar. As coisas mudaram. A minha faxineira, por exemplo, vem de carro e a mulher que passa roupas lá em casa também. No meu tempo, fui a pé trabalhar durante três anos. Hoje, as pessoas não andam um quilômetro para ir à escola. Na minha vida, sempre fui na escola descalço. Mesmo no meio da geada. Só aos 14 anos, quando fiz a primeira-comunhão, ganhei o primeiro sapato. Tudo era difícil. Aos 13 anos, meu pai queria me tirar da escola para trabalhar na fábrica. Aí a professora pediu para ele deixar eu estudar mais um ano para melhorar no estudo. Era só em alemão. Para pagar os 7 mil réis da escola, eu tinha que trabalhar na casa do professor à tarde.
O senhor usou bastante bicicleta também?
Muito! Eu trabalhava no escritório e tinha que buscar o Correio de bicicleta. Aí fui subindo na empresa, fui para o setor de faturamento e depois, de vendas. Fui o primeiro do Brasil a viajar para conhecer clientes. Em 1975 não tinha avião. Eu ia de ônibus. Ai depois, quando ampliaram a oferta de aviões, comecei a viajar até o Norte e o Nordeste do Brasil. Eu conheço todas as capitais, de Porto Alegre a Manaus. Acho que a volta do uso de bicicleta é saudável. Hoje as pessoas ficam muito tempo no computador na empresa e em casa. Isso faz mal. Eu tenho tablet, mas uso só na fábrica. Saio de lá, acabou! Não atendo mais ninguém. Uso só para os serviços da empresa. Tudo o que eu preciso para vendas está lá dentro. Não consigo atender todos que me ligam. Sou conhecido no Brasil todo.
O que gosta de fazer quando está de folga?
Gosto muito de esporte. De ver notícias sobre esporte. Quando jovem eu jogava basquetebol, voleibol, fazia ginástica em aparelhos, jogava boliche, bolão. Hoje eu assisto mais esporte. Mas todo dia eu faço, sozinho, 40 minutos de exercícios. Sou bem disciplinado.
Que outros conselhos o senhor dá sobre a vida e cuidados com a saúde?
O principal é saber viver. Não ficar zangado por qualquer coisa, estar sempre alegre e tomar bastante água. É preciso tomar dois litros por dia. Um carro sem gasolina não vai. O corpo é a mesma coisa. Sem água não funciona. Sou muito cuidadoso com minha saúde. Não tomo refrigerante nenhum há mais de 30 anos. Não tomo café, prefiro chá de camomila. Ao meio-dia e à noite, tomo água sem gás ou uma taça de vinho tinto seco. No caso de frutas, opto por aquelas que não me causam problemas. Tenho potássio alto, por isso não posso comer certas frutas.
Gosta de ler? O que costuma ler?
Eu estudei até a sétima série, mas sempre gostei de ler. Leio a bíblia todas as noites. Sou evangélico Luterano.
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