A cura de doenças graves é foco de pesquisas que envolvem catarinenses. Um grupo de empreendedores do Estado se uniu para investir em startups de biotecnologia que buscam avançar no combate contra o câncer e o Alzheimer.

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— A gente sempre teve ideia de fazer algo com propósito. Demorou alguns anos, mas esse processo ocorreu naturalmente, meio que na marra, com a doença da nossa sobrinha. Decidimos que iríamos dedicar toda a nossa energia para resolver isso. Começamos a mergulhar nesse universo — conta o empresário Gabriel Bottós.

Ele e o irmão gêmeo Rafael são sócios da Vesper Ventures, fundo que investe em startups de biotecnologia no Brasil e nos Estados Unidos. Gabriel conta que ele e o irmão decidiram priorizar a área de biotecnologia em 2019, quando uma sobrinha, de quatro anos, teve um neuroblastoma em fase avançada — câncer que geralmente ocorre nas glândulas adrenais, próximo aos rins — e não havia uma cura convencional.

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A menina foi tratada durante dois anos na Espanha e retornou ao Brasil recentemente curada.

A partir daí eles decidiram pesquisar e investir. Uma das empresas que conta com investimento do fundo catarinense é a Aptah Biosciences, que desenvolveu um método com potencial de tratar diversos tipos de câncer e a doença de Alzheimer. A Aptah nasceu em Goiânia (GO) e já está instalada na Califórnia, nos EUA. Quem começou a Aptah em Goiânia foi o cientista e CSO da empresa, Caio Bruno. Hoje a empresa é presidida por Rafael e recebeu aporte de R$ 17 milhões de investidores brasileiros e suíços.

A tecnologia ainda está em fase de testes pré-clínicos e apresentou resultados promissores nos testes em células com Alzheimer e câncer, como o neuroblastoma, o mesmo que atingiu a sobrinha dos empresários. Eles pretendem batizar de Helena a molécula do tratamento de neuroblastoma, em homenagem à sobrinha.

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— O que a Aptah desenvolveu e já solicitou como patente nos EUA é uma fórmula revolucionária para resolver desordens genéticas, incluindo aquelas que não são herdadas pelos pais. Estamos criando algo inédito no mundo, que trará avanços significativos para tratamento de inúmeras doenças hoje sem cura –— afirma Gabriel Bottós.

A pesquisadora Carolini Kaid, com pós-doutorado pela Universidade de São Paulo, explica que as etapas da pesquisa da Aptah incluem primeiro testes em células, depois em camundongos e, então, com humanos. Apesar dos avanços até agora, não há garantia de que será encontrada a cura para o Alzheimer.

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— Eles estão fazendo os ensaios pré-clínicos ainda. Não chegaram em humanos, mas os resultados são bastante promissores. A ferramenta que usam, que tenta regular o spliceossomo é inédita em pesquisa de Alzheimer — observa Carolini.

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De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Alzheimer afeta 55 milhões de pessoas no mundo, sendo a sétima causa de mortes. As projeções são de que, em 2050, serão 139 milhões de doentes. O Brasil tem aproximadamente 1 milhão de pessoas com demência, a maioria com Alzheimer, apontou estudo divulgado em abril de 2021 por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade de Queensland, da Austrália.

Segundo Bottós, com o uso da molécula em laboratório foi possível fazer um neurônio de uma pessoa com Alzheimer voltar a ser como o de uma pessoa saudável. O próximo passo será testar em animais e, depois, em humanos. Agora, a Aptah está contratando empresas para validar a tecnologia. Participam da pesquisa laboratórios do Canadá, Alemanha, França e Japão. Segundo Bottós, cientistas canadenses, que trabalham com pesquisa de Alzheimer há 25 anos, afirmaram que a molécula é a coisa mais moderna que viram até hoje para a doença.

O empresário explica que, considerando o atual estágio, entre três e quatro anos a pesquisa poderá chegar à fase dois, com testes em humanos. Depois, se o resultado para um tratamento for positivo, uma grande farmacêutica poderá licenciar a tecnologia.

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Startup usa zika vírus para tentar reverter tumor cerebral

O grupo investe em outras iniciativas de biotecnologia. Entre elas está a startup Vyro Biotherapeutics, que usa terapias com base no zika vírus geneticamente modificado para combater tumores cerebrais. Pesquisas anteriores mostram que esse método permite tratar animais em testes pré-clinicos, prolongando a expectativa de vida significativamente, informa Gabriel Bottós.

O empresário explica que os cientistas da Universidade de São Paulo (USP) implantaram o zika vírus em tumores cerebrais em camundongos. Em duas semanas, houve remissão total do câncer. A outra pesquisa foi com um cão que estava com tumor cerebral não operável e não conseguia caminhar. Com o tratamento, ele foi tratado e apresentou ótimos resultados.

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— Os cientistas descobriram que da mesma forma que o Zika ataca as células do cérebro de um feto, causando a micro encefalia, ele também possui a capacidade, sob condições controladas, de atacar células tumorais no cérebro de crianças e adultos. Um desafio no tratamento do cérebro é que ele tem uma barreira de proteção hematoencefálica que impede que agentes externos entrem no cérebro, para proteger, tanto coisas boas, quanto coisas ruins. O vírus Zika potencialmente poderá resolver isso — diz Bottós.

A cientista Carolini Kaid, que participou dessa pesquisa, destaca que nos testes com camundongos os tumores desapareceram por completo.

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— Os resultados que a gente obteve com a pesquisa foram publicados na revista Cancer Research, sendo a capa da publicação. Esse trabalho passou por revisão de três pesquisadores de fora, dos EUA e Europa, que avaliaram os resultados e validaram para a publicação — explica a pesquisadora.

De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), do Rio de Janeiro, os tumores que afetam o Sistema Nervoso Central (SNC), no cérebro e na medula espinhal, representam de 1,4% a 1,8% de todos os tumores malignos no mundo. E desses, 88% são no cérebro. A última estatística do Brasil é de 2020, quando foram registrados no país 11.090 casos.

A startup, que agora desenvolve uma nova série de zika vírus editado geneticamente para melhorar a segurança do potencial fármaco, crucial para que um dia essa solução possa se tornar realidade, será transferida para Boston, Estados Unidos, nos próximos anos. O desafio é avançar em pesquisas para descobrir a cura de câncer no cérebro, que se desenvolve muito frequentemente na infância e cerca de 75% dos doentes acabam morrendo.

Pedro Moura (E), Gabriel Bottós, Julio Moura, Jonas Sister e Rafael Bottós são sócios no fundo de investimentos, que está instalando um centro de pesquisa na SC-401, em Florianópolis
Pedro Moura (E), Gabriel Bottós, Julio Moura, Jonas Sister e Rafael Bottós são sócios no fundo de investimentos, que está instalando um centro de pesquisa na SC-401, em Florianópolis (Foto: Vesper Ventures / Divulgação)

Ligação de sócios com a medicina e tecnologia

A Vesper Ventures conta com R$ 130 milhões em ativos sob gestão e está instalando um centro de pesquisa de ponta em Florianópolis. O fundo está captando cerca de R$ 200 milhões para seguir investindo. Isso a consolidaria como o maior fundo de deep biotechs (pesquisas em biotecnologias disruptivas) no Brasil. O conjunto de empresas conta com o trabalho de cientistas, com destaque para mais de 30 doutores com formação nas melhores universidades do mundo.

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Os cinco sócios do fundo são os irmãos gêmeos Gabriel e Rafael Bottós, Julio Moura Neto, Pedro Moura e Jonas Sister. Todos têm formação em áreas técnicas e de gestão, complementar às competências dos cientistas fundadores das startups. Para os irmãos Rafael e Gabriel Bottós, graduados em engenharia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) com estágio no Instituto Fraunhofer de Aachen, na Alemanha, não foi difícil mergulhar nas leituras profundas sobre biotecnologia.

Além disso, são filhos de um casal de médicos da cidade de Brusque, no Vale do Itajaí – pai oftalmologista e mãe pediatra – e também têm duas irmãs gêmeas oftalmologistas.