Sempre acompanhando de perto a economia do setor público, o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, afirmou para a coluna que, mais do que detalhes técnicos, o que vai pesar para a aprovação da reforma da Previdência é a percepção política de que essa reforma precisa ser aprovada agora. Isto porque as finanças públicas estão à beira do precipício. Ele fez palestra quinta-feira, em Florianópolis, no 4º Fórum Liberdade e Democracia, promovido pelo Instituto de Formação de Líderes (IFL-SC).

Continua depois da publicidade

Qual é a sua expectativa sobre a meta de economia com a reforma da Previdência?

É difícil antecipar o quanto a reforma pode ser modificada na sua tramitação no Congresso. Eu estou otimista para que se mantenha o tamanho da economia prevista. Acho que foi uma estratégia inteligente de opinião pública da parte do governo colocar esse número. É R$ 1 trilhão para os próximos 10 anos e, salvo engano, mais R$ 3 trilhões ou R$ 4 trilhões para os próximos 20 anos. São números que tornam as finanças públicas brasileiras viáveis novamente. Se não for para fazer isso, o Congresso tem uma missão difícil que é dizer, então, o que fazer. Eu assisti, em outras ocasiões, imperativos econômicos para se fazer coisas impossíveis se tornarem realidade. O Plano Real é um exemplo disso. Agora, nós chegamos à beira do precipício, procrastinamos muito tempo esse assunto, um assunto difícil, complexo e técnico, mas está na hora.

Acredita que os parlamentares estão preparados tecnicamente para a melhor decisão?

Eu não sei se esse é o parâmetro. Como o tema é muito complexo, a maior parte dos parlamentares não conhece bem o assunto e tem uma impressão geral do tema. O clima político em torno do tema vai ser muito mais importante do que o detalhe, ou seja, vem uma medida legislativa que é grande. O próprio texto da emenda constitucional é grande, complexo. Poucos parlamentares e poucos economistas sabem destrinchar o que está ali escrito. Mas não acho que esse será o problema, não. O problema é a percepção política de que a reforma da Previdência virou um imperativo. Volto ao exemplo do Plano Real. Quando se introduziu a URV, pouca gente sabia como funcionava, mas o mecanismo se mostrou essencial e funcionou. No caso desta reforma eu acho que é um pouco da mesma coisa. O Congresso Nacional vai votar e as consequências devem ser positivas para o crescimento.

Continua depois da publicidade

Depois da reforma os investimentos serão retomados logo?

Calma. Esse é o começo de uma nova história, um capítulo importantíssimo que é o primeiro, mas não será o único. Este evento (o Fórum da Liberdade), que fala do custo Brasil, trará uma porção de outros temas, dentro desse guarda-chuva chamado reforma. Reforma é para fazer todo dia. Não é uma coisa que se faz uma vez na vida e nunca mais se faz de novo, voltando aos velhos hábitos.

Quais seriam as próximas reformas necessárias?

A tributária, orçamentária, trabalhista… A trabalhista só começou. Há muita coisa a ser feita na área trabalhista.

Como o senhor vê a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, de desvincular todas as receitas públicas?

É interessante como exercício analítico de diagnóstico para o problema. Mas no modo como ela se torna, na prática, um orçamento base zero acho difícil, irreal. Há outras estratégias melhores para melhorar o processo orçamentário brasileiro. Acho que esse é o nome do jogo. Como ele próprio explica, gostaria de ver o Congresso participando mais na definição de prioridades de despesas, receitas, diferente do que se faz hoje. O orçamento público deveria ser o coração da democracia e deveria ter uma participação mais ampla e profunda a cada ano.

Continua depois da publicidade

Qual é o país que tem melhor gestão de orçamento na sua avaliação?

A Inglaterra é exemplar nesse aspecto. Isso veio se desenvolvendo há muitos e muitos anos. Quando começa um ano fiscal há um caderninho com todas as despesas. Elas vão acontecer, são obrigatórias. Há todas as receitas firmes para alocar recursos, quanto vai se emitir de dívida caso necessário. Tudo é muito previsível. No Brasil, é preciso lutar para liberação de verba, ter influência política para a verba sair. Isso é próprio de um orçamento subdesenvolvido, cheio de clientelismo, de relações que não são as melhores entre executivo e legislativo no modo de executar.

O mundo digital permitiria uma transparência muito maior…

A tecnologia ajuda, sim. É interessante que, através dos sistemas que existem, qualquer cidadão pode acompanhar a execução de orçamento público no Brasil. Só que é um caminho difícil, apenas alguns especialistas sabem utilizar o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI), que é o sistema de orçamento brasileiro.