No grupo de empresários bem-sucedidos que entra na política para colaborar com a melhoria da gestão pública, o deputado estadual Milton Hobus (PSD) teve um 2019 desafiador como vice-presidente da Comissão de Finanças e Tributação da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc). A decisão do novo governo estadual de cortar ou revisar incentivos fiscais colocou em risco a competitividade de setores e empresas da economia de SC, a mais equilibrada e uma das mais competitivas do Brasil.
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Por ser industrial, Hobus foi o parlamentar mais procurado por empresários para traduzir, principalmente em números, aos demais deputados e ao governo, os riscos que cada setor passou a correr com a mudança dos incentivos. Esse protagonismo do parlamentar permitiu acordos com a Secretaria de Estado da Fazenda e decisões equilibradas para a reinstituição de incentivos e, assim, garantiu que os setores sigam competitivos em SC.
Apesar dessa correria no parlamento, Hobus continuou na presidência da indústria Royal Ciclo, de Rio do Sul, da qual é empreendedor e tem um sócio italiano. Descendente de alemães, Hobus perdeu o pai aos 5 anos e teve que trabalhar muito cedo. Aos 13 anos conseguiu emprego numa indústria de caldeiras e, mais tarde, comprou a indústria de peças para bicicletas na qual seu pai trabalhou, a Metalciclo.
Com visão estratégica, investe alto em tecnologia e automação, o que tornou a empresa a mais competitiva do mundo em pedais para bicicletas. Ele prevê “anos de ouro” para o setor porque a bicicleta é um dos veículos mais ecológicos num mercado que precisa preservar o meio ambiente.
Entre os cotados para candidato a governador em 2022, Hobus, que acaba de assumir a presidência do PSD em SC, diz que o seu compromisso, agora, é fortalecer o partido para que consiga cargos eletivos e faça gestão de excelência. O político acumula na carreira dois mandatos como prefeito de Rio do Sul (2005-2008 e 2009- 2012) e foi secretário de Estado da Defesa Civil a partir de 2013, no governo de Raimundo Colombo.
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Depois de liderar o partido até a próxima eleição estadual, ele diz ter planos para dar mais atenção à gestão da empresa e quer descansar um pouco. Mas, considerando o ritmo atual do empresário-político, tudo indica que é só “um pouco”. Isso porque de terça a quinta-feira ele trabalha como parlamentar, nas segundas e sextas toma decisões na empresa e nos fins de semana aproveita a sintonia com o seu negócio e pedala com amigos. Não raras vezes, o grupo percorre entre 40 quilômetros e 70 quilômetros em apenas um único dia, afinal, andar de bicicleta dá uma grande sensação de liberdade. Leia a entrevista a seguir:
O ano de 2019 foi atípico para o parlamento e para o setor produtivo de Santa Catarina em função das mudanças nos incentivos fiscais. Por que o senhor acabou sendo protagonista de negociações sobre o tema?
O presidente da Assembleia Legislativa, Júlio Garcia, nos deu essa incumbência, até por saber do nosso perfil e que tínhamos competência para promover o diálogo para que chegássemos a esse consenso positivo a que chegamos. E o jeito que a gente usa para fazer tudo na vida é o consenso. Eu nunca gostei de nada na vida por imposição. Toda imposição é ruim.
O grande mérito que a Assembleia teve e nós colaboramos muito foi promover o diálogo e o consenso com dados concretos que estavam acima de qualquer interesse de um lado ou de outro. Trabalhamos pelo que era correto.
Muitos diziam que as empresas tinham vantagens, muito lucro, mas os dados mostraram que não era bem assim. O senhor pode dar um exemplo?
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Tivemos um caso bem interessante do setor de fiação de Santa Catarina. Usei como exemplo muitas vezes. O empresário esteve aqui na Assembleia e mostrou que o benefício que a empresa deles tinha era fundamental para a sobrevivência de um setor que enfrenta concorrência tão forte do exterior e que tem poucas empresas no Brasil.
A indústria é a Fiação São Bento, de São Bento do Sul. Ela provou aqui que aquele incentivo que ela tinha era muito próximo que todos os demais do setor têxtil tinham, que era o recolhimento do ICMS de 3% sobre o valor da venda. Dava muito próximo disso. E como a empresa de fiação tem um consumo de energia muito grande, ela pagava ainda mais ICMS sobre o consumo de energia que dava duas vezes aquele valor do imposto. E se mudasse a base de cálculo, inviabilizaria a empresa. Ele demonstrou com dados.
No balanço de 2018 a empresa teve pouco mais de 4% de lucro. Esse resultado positivo se transformaria em prejuízo se fossem aplicadas as novas regras que o Estado queria adotar.
Isso foi demonstrado cara a cara com o secretário da Fazenda, Paulo Eli, juntamente com os deputados. O seu Horst Maul, fundador da empresa, com 90 anos de idade disse: Eu não gostaria, no fim da minha vida, ter que fechar a empresa e ir para o Espírito Santo ou vê-la quebrar. É uma empresa histórica em São Bento do Sul. Aí eu perguntei ao secretário de Estado da Fazenda, Paulo Eli, que estavam na mesma audiência na Assembleia: O senhor vai deixar a empresa morrer ou vai resolver. Ele disse: Vamos resolver. O diálogo provocou essa sensibilidade. Se fez justiça tributária, se fez o correto.
O senhor entrou na política após construir uma importante trajetória empresarial. Como começou a carreira no setor privado e se tornou um industrial?
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Sou natural de Rio do Sul. Perdi meu pai com 5 anos de idade. Daí fui para a roça. Nós éramos pobres e meu pai foi operário de fábrica. Quando morreu atuava na produção de uma fábrica. Aí a minha mãe, com três filhos, tinha que se virar. Nós fomos morar com os nossos avós, pais dela. Quando eu tinha 13 anos, estudava e trabalhava na roça, pedi para o meu avô arrumar para mim um emprego na empresa da frente de onde morávamos, a H.Bremer, que começava a fabricar caldeiras. Ele falou com o Horst Bremer para eu trabalhar meio período porque à tarde eu ia para a aula.
Aí comecei de manhã como faxineiro, fazendo todo tipo de trabalho. Após seis meses, fui promovido a primeiro funcionário de escritório da empresa, que ainda era muito pequena. Saí de lá quando eu era diretor e ela havia se tornado uma grande caldeiraria. Fui montar meus negócios, entre eles, a aquisição da Metalciclo, indústria de peças para bicicletas onde o meu pai trabalhou como operário de fábrica. Ela estava num processo falimentar e foi um grande desafio.
De uma indústria que estava falida, produzindo peças quase obsoletas para o mercado, transformamos na quinta maior fábrica de pedal do mundo. Depois, em 2005, fizemos uma joint venture com um grupo italiano, o Selle Royal, e trouxemos a produção de selins (assentos) para cá, em Rio do Sul, duplicamos a empresa e assim constituímos uma empresa que hoje é a maior fábrica de componentes de bicicleta da América Latina.
O senhor pode informar alguns números da empresa?
Temos 230 colaboradores, produzimos neste de 2019 mais de 6,3 milhões de pares de pedal, mais de 4,2 milhões selins, mais de 1,6 milhão de pedivelas (engrenagens para girar a correia da bike) e mais de 600 mil descansos para pés. São todos números muito grandes.
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O faturamento de 2019 superou R$ 90 milhões, um crescimento próximo de 8% frente a 2018.
Quem são os clientes da empresa?
Os nossos clientes são todas as montadoras de bicicletas. Em Santa Catarina fornecemos para a Nathor, de Blumenau, que é a maior fábrica de bicicleta infantil do Brasil e vai entrar no segmento para adultos. Também somos líderes no mercado de reposição e exportamos alguma coisa para a América do Sul e para o México.
Como vê essa onda que reconhece a bicicleta como transporte saudável e ecológico?
A bicicleta vai ver uma década de ouro no mundo inteiro. No mínimo uma década. Está mudando muito o perfil do usuário e também as tecnologias da bicicleta. Hoje, existem bicicletas elétricas assistidas, nas quais o motor só funciona e ajuda o ciclista se ele pedalar. Se não pedalar, não funciona.
E se o ciclista necessitar de uma ajuda do motor elétrico para se deslocar?
Ele vai pedalar bem levinho. Mas ele tem que pedalar. Na subida, ele coloca um pouco mais de energia e consegue fazer o trajeto. Esse é o grande suprassumo do mundo. E o uso esportivo da bicicleta.
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Criou-se um novo mercado de bicicletas, com produtos caríssimos. Existem bicicletas de alta performance que custam de R$ 40 mil a R$ 70 mil.
Rio do Sul tem tradição na produção de peças de bicicleta. Há quanto tempo o senhor adquiriu a empresa?
A primeira empresa foi a Metalciclo. Ela começou há 60 anos ou mais. Nós a adquirimos há 35 anos, em 1985.
O senhor imaginava que a bicicleta teria essa virada favorável no mercado mundial?
Tudo o que eu faço, faço bem feito. É o meu jeito de ser na vida. Em 1985 nós entramos na fábrica, comecei a conhecer o mercado, viajei o Brasil para saber o que os clientes queriam. Por isso a definição de transformar numa fábrica de pedal, inicialmente. Em 1986 eu fiz a minha primeira viagem à Europa, onde tinha os grandes fabricantes de componentes de bicicletas. Os grandes players de pedal estavam na Europa e não na Ásia. Em 1988, começou a migração para os tigres asiáticos.
Naquele mesmo ano eu fui para Taiwan. Desde então, nunca deixei de ir um ano para a Ásia. Às vezes, ia duas vezes por ano para a Ásia porque as coisas começaram a acontecer lá.
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A nossa é a única fábrica de pedal em grande escala do mundo fora da Ásia. Os europeus e os americanos quebraram. Só sobrou eu.
Como o senhor sobreviveu a essa concorrência asiática?
Eu sobrevivi porque aprendi a conhecer meus concorrentes. Eu sabia o jeito que eles faziam, tinha informação sobre os custos deles. Isso me fez sempre criar, ser mais produtivo, criar conceito de qualidade para suplantar preço quando não conseguia concorrer em preço. Hoje, nós somos a fábrica mais produtiva do mundo em pedal de bicicleta e em pedivela também. Temos o menor índice na relação gente-produção.
A Royal Ciclo usa muita automação?
Muita automação! É cultural na nossa empresa do setor de bicicleta ter ISO. Somos a primeira empresa de peças de bicicleta a América Latina a ter a certificação ISO 9000 (hoje a ISSO 9001:2015). Nosso processo de Lean Manufacturing (modelo de produção enxuta da Toyota) nas nossas três fábricas tem mais de oito anos de implantação. Está consolidado. Nós sempre temos metas mais audaciosas, célula por célula das fábricas. É o que podemos melhorar. Aí vem a criatividade.
Vocês têm parcerias externas para pesquisa e desenvolvimento?
Nós procuramos isso, não parcerias formais. Mas como a gente construiu amizades com os nossos próprios competidores, nossos clientes, temos uma relação de confiança e amizade muito grande, a gente sabe tudo o que está acontecendo. Eu estive este ano em Taiwan numa visita a um concorrente meu que tem fábricas em Taiwan e na Indonésia e ele me mostrou toda a inovação que eles estão fazendo porque na China e em Taiwan existe um incentivo muito grande dos governos para a indústria 4.0, a automação, dinheiro barato, com prazo longo.
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Por isso todo mundo está investindo. Então eu mostrei, por exemplo, uma nova linha de pedal que nós criamos aqui. Procuramos projetistas e empresas da área de automação e fizemos um projeto que custou três anos e bastante dinheiro, mas está funcionando maravilhosamente.
Quando eu mostrei ele perguntou: você já fez isso? Estamos à frente deles. É isso que procuramos manter. É esse o nosso DNA, o que nos dá sobrevivência competitiva.
Nesse boom de bicicletas que o mundo promete, vocês vão crescer muito mais?
Vamos crescer bem mais.Nosso não fiscal é de junho a julho para ficar junto com o ano fiscal da Itália. Nosso budget (orçamento) para este ano é de faturamento superior a R$ 100 milhões. E a Selle Royal está num processo de abertura de capital, que vai acontecer em fevereiro, para fazer novas aquisições, novos produtos e muita coisa nova que vai vir. Existem mais de 80 fundos e empresas interessados em investir no negócio de bicicletas. Haverá um crescimento do grupo como um todo.
E nós, como estamos numa posição estratégica no mundo, melhorando o custo Brasil, dentro dessas oportunidades poderemos fazer muita coisa para exportação, não só para o mercado brasileiro. Para os próximos anos, a gente vê oportunidades de fazer muita coisa para exportação, não só para o mercado interno.
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Há quantos anos o senhor se dedica à política e quem cuida das empresas?
Primeiro: eu nunca saí das empresas. Para ser prefeito de Rio do Sul – fui eleito em 2004 e assumi em 2005 – na campanha eu já falava que, se fosse eleito, iria dividir meu tempo entre a prefeitura e a empresa porque meus filhos ainda eram pequenos.
Eu não iria querer nada da prefeitura, mas continuaria sendo empresário, fazendo viagens e indo para a fábrica todos os dias. E como deputado eu ainda faço isso.

Todas as segundas-feiras estou na fábrica. Todas as sextas-feiras estou na fábrica. Faço as viagens que preciso fazer pelo mundo. Visito meus clientes. Mas montamos um grupo bastante profissional na empresa, que é liderado na parte de gestão pelo meu filho Milton Jonathas, que em 31 anos e é meu braço direito. E a Karina, minha filha, está na parte de recursos humanos e financeiro para ter esse lado de cuidado com as pessoas.
Temos um grupo profissional que eu criei, peguei gente nova, lapidei, formei, pós-graduei. Mandei para a Itália se preparar. Hoje, temos uma equipe muito legal, muito profissional. E temos uma gestão de fábrica como poucas no mundo. No grupo Selle Royal nós estamos competitivos com a China na fabricação de selins porque o nosso custo de estrutura é muito menor do que lá.
Nós estamos num estágio de autogestão de fábrica. Todas as células com informação à vista, em tempo real do que precisam fazer, tudo é em tempo real.
Vocês usam inteligência artificial na empresa?
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Sim. A nossa meta é, em poucos anos, não precisar de chefe em lugar nenhum. Somente pessoas que trabalham e produzem. Um que gerencia, dá suporte. Vamos capacitar pessoas para usar as informações em tempo real para que todos sabem o que têm que fazer. Tudo é medido. Medimos eficiência de área num sistema. Temos um painel em cada unidade dizendo quando quanto foi produzido, qual era a meta e quanto teve de refrugo (peças irregulares).
Tudo está aí em tempo real. Se o trabalhador tem que fazer um lote ele vai no sistema, vê quanto tem de matéria prima, quantos dias dá. Os produtos são fabricados e já saem com código de barras. A caixa de embalagens está lá na frente, é lançada no estoque em tempo real. Temos tudo em tempo real. Poucas empresas tem isso. Estamos bem encaminhados para a indústria 4.0.
O senhor vai seguir na política?
Eu fiz um planejamento de vida que nunca incluiu política. A política foi mais uma forma de retribuir. Eu sou uma pessoa muito grata porque vindo de onde eu vim e ser o que a gente é, acho que tinha que contribuir. Não existe forma melhor de contribuir do que na política. Eu vi isso como prefeito de Rio do Sul. Quando você faz bem feito e mostra resultado, as pessoas dizem que você não pode parar, tem que continuar, ser mais isso, mais aquilo. Então, na política, dizem que você não sai porque os amigos querem mais ou você não sai porque os opositores instigam e você quer derrotá-los.
Esse é o grande problema da política. Mas eu quero terminar a minha contribuição para o Estado, por isso eu assumi a presidência do partido, o PSD, no Estado para a gente criar um debate construtivo, de identidade partidária, de princípios, de valores. Eu quero ajudar nesse processo eleitoral até 2022.
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Precisamos de pessoas com visão de gestão pública para mudar o status quo que está aí. Isso só vai acontecer através de pessoas preparadas, com princípios, com valores para que a gente consiga fazer isso. É essa contribuição que eu quero deixar. Mas estou me preparando para sair.
Mas falam que o senhor pode ser candidato a governador em 2022…
Não pretendo ser. Quero ganhar o governo do Estado porque acho que a gente pode contribuir muito com esses princípios que defendemos.
Mas eu acho que temos nomes à altura para cumprir essa missão porque eu tenho ainda muita coisa para fazer na empresa e na vida. Quero viver um pouco também.

Quem são os nomes fortes do partido?
Temos a figura do Napoleão Bernardes, ex-prefeito de Blumenau; e o presidente da Assembleia, Júlio Garcia, que é um grande articulador. Temos grandes prefeitos, alguns reeleitos com cases fantásticos que a gente quer difundir. Temos um ex-governador (Raimundo Colombo) que está ajudando nesse processo. Eu tenho certeza de que nessa caminhada vamos agregar mais gente com perfil para disputar eleições. A razão da existência de um partido político é disputar eleição, é governar.
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Nós queremos preparar o PSD para não ser bengala. Queremos preparar pessoas para disputar eleições e governar.