O industrial Mario Cezar de Aguiar foi reeleito por unanimidade, sexta-feira, para mais um mandato de três anos à frente da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), entidade empresarial mais influente do Estado. Não são poucas as prioridades do setor que está enfrentando a pandemia, investindo em digitalização na chamada indústria 4.0, disputando mercados no Brasil e no mundo e enfrentando uma série de dificuldades, muitas das quais resultantes de problemas do setor público.
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Com a experiência de três anos como presidente da Fiesc, Aguiar avalia que a entidade está ajudando a indústria no avanço à inovação, mas cobra do setor público federal e estadual melhor ambiente de negócios para a continuidade de investimentos. Nisso, a federação também faz a sua parte: elaborou o Programa Travessia para acelerar a economia do Estado e está investindo R$ 500 milhões na modernização da estrutura do Senai e do Sesi.
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Nascido em Joinville e graduado em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Aguiar é sócio das empresas Vectra Participações e Construções, Vectrapar Construções e Êxito Construções. Paralelamente à atividade industrial, sempre participou do associativismo.
Antes de assumir a Fiesc, foi presidente do Sinduscon e da Associação Empresarial de Joinville (Acij). Além da Fiesc, preside os conselhos regionais do Sesi e do Senai, a Câmara de Transporte e Logística da Fiesc e o Conselho Estratégico para Infraestrutura de Transporte e a Logística Catarinense. A posse da diretoria da Fiesc será dia 12 de agosto. Confira a entrevista de Aguiar, a seguir:
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Quais serão as prioridades do seu novo mandato à frente da Fiesc?
O nosso mandato é de continuidade. Evidentemente, teremos outras prioridades. Com a experiência de três anos da nossa gestão, identificamos várias questões que são fundamentais para que o Estado continue sendo promissor. Estamos baseados em uma indústria bastante diversificada, bastante competente, estamos trabalhando para que ela tenha uma participação ainda melhor na produção de riquezas e geração de empregos em SC. A indústria tem a capacidade de desenvolver também os setores de serviços e de comércio, o que faz com que ela tenha uma importância fundamental para que o Estado possa se destacar em termos de desempenho econômico e desenvolvimento social. O nosso trabalho é incrementar a participação da indústria na produção de riquezas, além de buscar a melhoria de infraestrutura, da internacionalização do setor, da inclusão. Esses são trabalhos que já fizemos no primeiro mandato e vamos continuar.
Qual é o orçamento da Fiesc e quanto a entidade está investindo?
O nosso orçamento anual é de R$ 1,3 bilhão. Desse total, 40% são recursos compulsórios e 60% são recursos próprios. Estamos desenvolvendo um programa de investimento de R$ 500 milhões em quatro anos. Um dos projetos é o do Moinho, no Centro de Joinville, onde vamos instalar uma escola “S”. Todos os investimentos no município somarão R$ 128 milhões. Adquirimos o Moinho (antigo) por R$ 12 milhões. Foi um achado. Em Itajaí, adquirimos um prédio por R$ 17 milhões e em Pomerode compramos um terreno para fazer uma nova sede. Vamos investir em vários municípios, entre os quais Criciúma, Jaraguá do Sul e Luzerna. Nós visitamos todos os ambientes do sistema S no Estado, avaliamos as condições e estabelecemos uma matriz com três critérios para as decisões: gravidade, urgência e tendência, com notas. A partir dessas notas, decidimos os investimentos.
Como a indústria de SC enfrentou a pandemia até agora, e quais são os desafios para os próximos meses?
A indústria de SC se posicionou rapidamente tão logo se iniciou a pandemia, mostrando ao governo a importância da sua continuidade para que não houvesse grandes prejuízos em termos de desemprego, o que geraria um caos social no Estado. Felizmente, o governo do Estado, junto com o Ministério Público e a Assembleia Legislativa, entendeu a importância de se fazer os protocolos de segurança e de continuar com a atividade econômica. Nessa questão, a Fiesc teve uma participação fundamental, junto com o governo, na elaboração dos protocolos de segurança para que a atividade industrial pudesse continuar, mesmo com algumas restrições. Não houve paralisação ou fechamento da atividade industrial do Estado, o que fez com que SC fosse um dos primeiros a se recuperar economicamente, e, também, ter a menor taxa de desemprego.
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Quais são os próximos desafios agora? É a vacinação?
Agora está permitida a vacinação dos trabalhadores, inclusive disponibilizamos toda a nossa estrutura do Sesi para auxiliar o governo do Estado na aplicação dessas vacinas. Entendemos que é extremamente importante a vacinação dos trabalhadores, um elo importante na cadeia produtiva. Isso dará estabilidade social e econômica para SC.
Logo que surgiu a Covid, a Fiesc elaborou o Plano Travessia, para acelerar a economia do Estado. O que foi possível executar desse plano e o que continua sendo prioritário?
A pandemia impôs uma mudança de comportamento muito forte na sociedade. Houve mudança no consumo das pessoas, isso obrigou as empresas a modificarem a programação de produção. Então, nesse aspecto, nós conversamos com grandes lideranças de setores importante do Brasil. Nós fizemos uma videoconferência onde questionamos quais seriam os desafios e quais seriam as novas tendências. Baseado nisso, elaboramos o Projeto Travessia, que hoje se transformou no Programa Travessia. Em linhas gerais, ele busca a reinvenção da economia de SC, e a criação de um ambiente favorável ao desenvolvimento de negócios. Daí entram infraestrutura, a questão de financiamento para o setor produtivo…É um programa bastante intenso, muito bem elaborado, que mostra a realidade e prepara o futuro de SC.

Uma de suas prioridades na primeira gestão foi a internacionalização. Foi possível fazer avanços?
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SC tem uma cultura e uma participação importante na corrente internacional de comércio. Nós somos uma plataforma logística fundamental para o Brasil, respondemos por 20% ou 22% na movimentação dos contêineres brasileiros. Isso traz um desempenho econômico importante para o Estado. Então, essa cultura tem que ser preservada e fomentada.
Criamos na Fiesc o nosso departamento de internacionalização, mecanismo para incrementar a participação da indústria na corrente de comércio internacional. Entendemos que é importante para o desenvolvimento. Empresas internacionalizadas têm produtos com maior qualidade e são mais competitivas. Isso, certamente, traz benefícios também para o mercado interno, mostrando que SC, além de ter essa cultura, tem a estrutura necessária, em termos de portos, para favorecer a nossa internacionalização. Por isso acreditamos que é fundamental mostrar para o mundo as potencialidades em termos de indústria, em termos de turismo, para que possamos incrementar e inserir cada vez mais SC no cenário internacional.
A Fiesc tem cobrado soluções de infraestrutura há muito tempo, principalmente em rodovias. O que é prioritário agora?
Esse é o grande gargalo do Estado. Quando a gente olha o custo logístico de Santa Catarina, verifica que é maior do que os dos nossos concorrentes. Essa questão é incrementada pela precariedade da infraestrutura. Então, em todos os modais de SC em termos de transportes são necessários investimentos e planejamentos de médio e longo prazo, mas eu diria que a primeira prioridade é exatamente melhorarmos nossa estrutura de transporte rodoviário, que é o mais fácil e mais rápido de ser implementado. Mas nós defendemos, desde o início, uma visão da macrologística e, para isso, seria importante um estudo de intermodalidade, em que há a interferência e participação de todos os modais de transportes em SC.
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Temos deficiências no transporte rodoviário, mas também enfrentamos uma falta muito grande de ferrovias. Já tivemos uma malha ferroviária maior do que hoje. Estamos num trabalho de convencimento junto ao Ministério de Infraestrutura de que implantar ferrovias em SC é algo viável levanto em conta o número de cargas com valor agregado que temos.
Também precisamos melhorar nossos aeroportos. Felizmente fomos contemplados agora com duas concessões. Além disso, precisamos melhorar, urgentemente, os acessos aos nossos portos. Santa Catarina é uma plataforma logística importante por conta da eficiência dos nossos portos, mas o setor precisa de investimentos robustos porque a tendência, no Brasil, é cada vez mais recebermos navios de maior porte.
Esses navios necessitam de uma bacia de evolução melhor no Porto de Itajaí, na foz do Rio Itajaí, e de uma melhora do canal de acesso à Baia de Babitonga. São investimentos bastante robustos, que precisam ser contemplados para que nós possamos não perder essa condição de ser uma plataforma logística para o Brasil.
Qual é a importância da inovação para o setor e como a Federação colabora para a indústria avançar nisso?
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Nós temos uma diretoria específica de inovação, que criamos na nossa gestão. Também temos, aqui em SC, no Senai, três importantes institutos de inovação. Nós entendemos que a indústria que não inovar está fadada ao insucesso. Então, a nossa participação é fundamental no auxílio das empresas para que elas estejam inovando cada vez mais. Temos em Joinville os institutos Senai de Inovação em Manufatura e em Processamento a Laser e, em Florianópolis, o Instituto de Inovação em Sistemas Embarcados. Temos diversos institutos de tecnologia no Estado. Então, a federação está apta a ajudar nossas empresas a inovarem cada vez mais.
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Como o senhor avalia o processo de indústria 4.0 e a importância do 5G?
A digitalização é uma realidade mundial e o Estado não pode ficar fora disso. A indústria 4.0 é uma nova tendência, ela não é aplicada apenas para grandes empresas, como algumas pessoas pensam. Nós temos aqui no Estado exemplos de pequenas empresas que já estão com o conceito de indústria 4.0. E para que essa indústria seja cada vez mais presente no Estado, a implantação da tecnologia 5G é fundamental. A digitalização é irreversível e a implantação da tecnologia 5G é fundamental para que o Estado esteja inserido nessa nova tecnologia mundial.
Quais são os impactos dessa automação industrial para o trabalhador da indústria?
O impacto é que cada vez mais teremos que ter trabalhadores mais capacitados. Nesse aspecto, o nosso Senai está preparado para atender essa nova demanda, mas isso parte desde uma educação, que vem do ensino fundamental, até a capacitação profissional. Nós estamos com a nossa escola “S”, integrada ao ensino profissionalizante, preparando os nossos catarinenses para ter essa formação para atuar numa indústria cada vez mais automatizada. Não há a preocupação de a automação retirar empregos. O que há é uma transferência de empregos para outros setores, o que nos obrigada a ter, cada vez mais, trabalhadores capacitados. Esse é o papel que o Senai vem desempenhando no Estado e está se preparando cada vez mais para poder atender a demanda da indústria catarinense.
Essa qualificação depende, também, do ensino público, do ensino privado?
A educação tem se mostrado como elemento primordial e necessário para que o país possa se desenvolver. Singapura e Coréia do Sul são exemplos recentes de países que investiram em educação e tiveram desenvolvimento social e econômico bastante significativo. Não será diferente aqui em SC, tanto a nossa atividade do Senai e Sesi, quanto o próprio sistema de educação do Estado têm uma responsabilidade grande na preparação dessas pessoas, na qualificação. O nosso papel é estar integrado com o governo do estado, com os municípios. Temos várias parcerias na questão da qualificação das pessoas, na melhoria da educação da nossa população.
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A indústria tem cobrado dos políticos federais a realização das reformas, principalmente administrativa e tributária. O que essas reformas devem priorizar, na sua avaliação?
Infelizmente o Brasil não tem um ambiente favorável para o desenvolvimento dos negócios. Você citou algumas questões, como a reforma administrativa, reforma tributária. Nós temos aí reconhecido uma legislação bastante complexa, bastante onerosa, ela agrega custo, não agrega valor à nossa produção. Nós temos um Estado muito inchado, oneroso, obeso, nós precisamos discutir isso. A reforma administrativa está sendo discutida no Congresso Nacional. Ela é necessária, urgente, para que tenhamos um Estado mais ágil e menos oneroso.
Da mesma forma, a nossa carga tributária é extremante elevada, com uma legislação extremamente complexa. Então há todo um pacote de modernização na estrutura do país, para que a gente possa ter exatamente um ambiente favorável, que o país possa ser um país competitivo. Da maneira como está é muito difícil e muito caro produzir no Brasil hoje. Há uma globalização da economia, nós competimos com países que têm estruturas muito mais simples, menos onerosas. Isso é realmente uma dificuldade para nós que temos um setor industrial que precisa ser mais competitivo em nível mundial. Então, essas reformas são extremamente importantes.
Acredito que temos um Congresso reformista, que nossos parlamentares têm essa visão da necessidade de se fazer a reforma administrativa, a tributária e até melhorem a reforma trabalhista para que tenhamos um melhor ambiente para negócios.
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E o que o governo do Estado deve priorizar para atender as necessidades da indústria?
O que nós defendemos do Estado, é que deve reduzir o custo da máquina pública, evidentemente, melhorar a sua eficiência, mas ter uma visão de médio e longo prazo. Então, o Estado precisa se planejar para uma nova realidade, ter esse planejamento muito bem elaborado, discutido com a sociedade. Ver qual é o caminho que a sociedade quer que o governo siga. Então, é fundamental esse planejamento de médio e longo prazo para direcionar investimentos, para atrair mais investimentos para SC, além de manter as atividades que são desenvolvidas aqui. Se não tivermos ambiente favorável, nossas empresas buscarão outras alternativas, porque é preciso ser competitivo, sob pena de desaparecer.
Então, o Estado tem que verificar essa construção de condições favoráveis ao desenvolvimento de negócios com uma política fiscal adequada, um infraestrutura adequada. Isso é fundamental para que nós tenhamos uma manutenção e o incremento da atividade econômica em SC. Uma outra questão é o turismo. Nossas belezas naturais têm atraído os turistas de várias regiões do país e do mundo. Podemos potencializar essa questão turística que Santa Catarina tem muito forte, mas que precisa de condições mais adequadas para atração de visitantes.
Nós temos um novo problema no Brasil que é a falta de chuvas e o risco de um racionamento de energia. Como a indústria vê isso?
Nosso modelo é baseado em geração hidrelétrica e temos conhecimento da falta de chuvas em regiões importantes do Brasil. Há o risco de falta de energia e, e tivermos racionamento, haverá um prejuízo enorme para a economia do país. Hoje, estamos substituindo essa matriz energética para outras fontes como a solar e eólica. É importante que haja uma redistribuição nessa questão para que não tenhamos essas dificuldades com falta de energia quando é baseada somente num modelo. SC tem uma questão específica que é a termelétrica a carvão Jorge Lacerda, que tem uma participação importante na geração do Estado e está sendo desativada. É uma preocupação que o governo do Estado e federal precisam ver se teremos continuidade ou não dessa usina.
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Além disso, o Estado enfrenta problemas na oferta de energia e água…
O fornecimento de energia é fundamental, esse é um insumo extremamente importante para nossa economia. Nós somos um Estado industrializado, altamente dependente da energia, tanto a elétrica, quanto a térmica, através do gás. Felizmente, tivemos agora a possibilidade de implantação de uma usina de regaseificação na Baia da Babitonga, o que vai permitir exportar gás para outros estados. Mas nós temos evidenciado o problema no fornecimento de energia elétrica. Algumas cidades têm falta de energia. Recentemente, tivemos a questão de Caçador, com paralisação de 96 horas de fornecimento para toda aquela importante região de SC.
Outra questão é a falta de água em algumas regiões. Nós temos tido eventos climáticos bastante fortes, de secas prolongadas na região Oeste e tradicionalmente temos a água em excesso no litoral. Então, é importante verificarmos como estão as contenções, principalmente no Vale do Itajaí, para as enchentes. Esses são fenômenos recorrentes, que devem ter as prevenções mitigatórias, sempre sendo avaliadas e atualizadas pela defesa civil, para que o Estado não seja surpreendido novamente com essas cheias, que têm gerado grandes prejuízos para SC.
Há, também, uma questão do saneamento. O Estado tem uma situação bastante vergonhosa, que não condiz com a nossa potencialidade. Nós somos um dos piores estados na oferta de saneamento. Então, é fundamental que essas questões estruturais em SC sejam resolvidas e possam permitir o desenvolvimento.
Temos a tendência ESG no mundo, que consiste em desenvolvimento social, ambiental e governança. A indústria catarinense pode se inserir naturalmente nisso?
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Não só pode, como deve. É uma tendência mundial, muitos países já exigem que a política industrial seja baseada nessas três letras. Então, é fundamental para a nossa indústria aderir a isso. Mas nós temos uma realidade em Santa Catarina: a grande maioria das nossas empresas são micro e pequenas, que são um pouco mais resistentes à aplicação de novas tendências. Nós temos trabalhado muito em parceria com o Sebrae, no sentido de levar a elas essas novas tendências. Isso (ESG) já é uma realidade nas grandes empresas catarinenses, que são players mundiais.