Até o dia 24 deste mês, a Assembleia Legislativa precisa aprovar a reforma da Previdência para os servidores públicos do Estado. A princípio, se esperava que o executivo estadual enviasse uma proposta semelhante a aprovada em nível federal, mas as alterações sugeridas são bem mais brandas para os servidores do Estado, que resultarão em economia de apenas R$ 900 milhões em 10 anos frente a um déficit de R$ 4,5 bilhões para 2020.
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Para garantir uma reforma mais efetiva, com economia próxima de R$ 7 bilhões em 10 anos, o deputado estadual Bruno Souza (Partido Novo) apresentou quatro emendas ao projeto do govereno, entre as quais uma que prevê isenção somente a inativos que recebem até um salário mínimo.
O Partido dos Trabalhadores (PT) apresentou 21 emendas para manter boa parte dos direitos que os servidores têm hoje. Souza alerta que, se for aprovada a reforma como está, em cinco anos o Estado estará em situação fiscal semelhante às de Minas e Rio. O parlamentar está fazendo visitas aos colegas alertando sobre os riscos de o Estado não conseguir cobrir os custos previdenciários no futuro. Na manhã desta quinta-feira, a partir das 9h30min, haverá na Assembleia Legislativa audiência pública sobre a reforma. Confira a entrevista de Souza a seguir:
O senhor é o único deputado que apresentou emendas para ampliar a economia prevista no projeto da reforma da Previdência estadual. São quatro emendas. O Partido dos Trabalhadores (PT) apesentou 21 emendas em favor dos servidores públicos. Como avalia esse cenário?
De 31 artigos o PT quer suprimir 17. Então eles têm uma intenção de destruir qualquer tentativa de reforma. Primeiro, me parece um risco chamar isso de reforma. Chamar de reforma passa uma impressão errada para a população de que algo está sendo feito e o problema está sendo resolvido. Isso é muito perigoso porque fazendo isso, em breve vamos ter que discutir esse assunto de novo e o argumento que vai surgir é que foi reformado em 2020. Isso não é verdade. O que foi enviado para cá foi uma reforminha.
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Por que considera a proposta do governo uma reforminha?
Pelo impacto. A economia prevista é de 2% do déficit de 2020. Eu fico imaginando que o processo todo começou um pouco errado. Se constituiu uma comissão com integrantes de cada um dos poderes atingidos pela suposta reforma. Aí pegaram a reforma nacional e viram o que eles aceitavam disso. Então, a reforma que veio para a gente foi o que esses representantes aceitavam e não o que o Estado necessitava. O governador recomenda formar uma comissão pelos atingidos pela reforma. Resultado: chegou um projeto de reforma desidratada na Assembleia.
Quando o Paulo Guedes enviou a reforma para o Congresso Nacional, ele colocou dois ou três bodes na sala para serem retirados no Congresso. Aí passou a reforma em novembro passado. O governo catarinense pegou essa reforma nacional que saiu, já sem margem nenhuma para negociação, enviou para essa comissão que alterou um pouquinho, mudou a regra de transição e enviou para a Assembleia, que é um triturador natural de propostas. É lógico que chegando aqui, seria alterada, receberia emenda. O resultado disso é que a projeção de economia da reforma é de R$ 900 milhões em 10 anos.
O fato é que R$ 900 milhões para um Estado com um déficit anual de R$ 4,5 bilhões não é nada. A única coisa enviada que de fato faz diferença é uma idade mínima que não vai valer para os servidores que estão hoje, só para o futuro, por causa da regra de transição.
A regra de transição sugerida não é a mesma da reforma nacional?
Ela é a mesma, o que muda é o valor do benefício. No governo federal, o benefício é calculado considerando 60% da média aritmética de todas as contribuições, mais 2 pontos percentuais para cada ano excedente dos 20 anos mínimos de contribuição. Assim, homens deverão contribuir por 40 anos e mulheres por 35 para o benefício alcançar os 100%. Aqui, pela proposta que está na Assembleia, não é assim. O cálculo vai considerar 60% da média aritmética das contribuições, mais 1 ponto percentual para cada ano de contribuição.
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Então, apesar de o tempo para alcançar os 100% ser o mesmo, um servidor homem que opte por se aposentar com 25 anos de contribuição aqui em SC receberá 85% da média das contribuições, contra 70% que seria na regra federal. Só essa regra que eles mudaram custará R$1,37 bilhões de reais aos cofres catarinenses em 10 anos.
Os outros Estados estão aprovando alíquota de 14% aos servidores, algo que SC já adotou em 2015. Seria por isso a baixa economia prevista com a reforma em SC?
Essa alíquota de 14% ajudou em 2016, só que o nosso grande problema previdenciário é a paridade e integralidade porque o governo deu muitos aumentos para os ativos e a inatividade levou. E outro problema é a idade muito baixa para a aposentadoria dos nossos servidores: 54 anos. Isso não é idade para se aposentar. A média, em geral, em todos os Estados, não foge disso. Mas só que em Santa Catarina temos a segunda maior taxa de sobrevida após os 60 anos, atrás apenas do Espírito Santo.
Em SC, quem chega aos 60 anos vive até 84,1 anos de idade. No Espírito Santo, até 84,4 anos. Quem se aposentar aos 54 anos vai viver, em média, até os 84 anos. Então, temos 30 anos de inatividade para o Estado pagar. Além disso, em muitos casos tem o pensionista.
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Então, alguém contribuiu por 25 ou 30 anos e pode receber por 40 anos ou mais, considerando 30 de aposentadoria mais 10 anos ou 15 anos de pensão. No caso dos salários mais altos no Brasil, a média de sobrevida das pessoas é escandinava, chega a 90 anos.
Como o rombo da Previdência impactou no Estado ano passado?
Considerando a receita corrente líquida do Estado, que é tudo o que se arrecada, 27,5% foram para a Previdência,16,8% para educação (significa que a gente investe 1,6 mais em previdência do que em educação) e investe 1,9 a mais na Previdência do que a gente investe em segurança. Ai, agricultura e transporte nem se fala.
Hoje a gente investe em transporte a metade do que se investia em 2014, enquanto a conta da Previdência estadual cresceu 57% desde 2014. A projeção do déficit previdenciário estadual para 2020 é R$ 4,5 bilhão. Só o déficit é um valor maior do que todos os demais investimentos do Estado.
Tem muito servidor se aposentando?
Sim. Temos cerca de 320 servidores que vão para a inatividade todo mês. É bastante gente. Como se aposentam cedo, hoje temos 1,25 inativo para cada ativo. Como ativos e inativos fazem parte do gasto com pessoal, significa que temos cada vez menos espaço para investir em ativos, que são aqueles que atendem a população.
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O que mais leva o senhor a concluir que será uma reforminha?
Se a gente considerar a economia de R$ 910 milhões em 10 anos, a proposta de reforma prevê economia de R$ 91 milhões por ano. Isso é apenas cerca de 2% do déficit do Estado previsto para este ano que será de R$ 4,5 bilhões. Não é nada. Enquanto Santa Catarina vai economizar R$ 910 milhões, o Rio Grande do Sul vai economizar quase R$ 14 bilhões em 10 anos. Per capita, isso dá uma diferença de 10 vezes. Enquanto SC vai economizar R$ 124, o Rio Grande do Sul vai economizar R$ 1.224.
Que outro ponto preocupa na proposta do governo?
A escolha do governador Moisés foi não tributar inativos. Temos em SC uma faixa de isenção que vai até o limite do INSS, que dá cerca de R$ 6 mil. Quem recebe aposentadoria até esse valor é isento em SC. No Rio Grande do Sul, a faixa de isenção é até um salário mínimo. No Paraná, eles foram mais elásticos e colocaram isenção até 3 salários mínimos, o que já é errado. Aqui em Santa Catarina, a proposta do governo não mexeu. Aí dá uma diferença de aproximadamente R$ 5 bilhões em 10 anos.
No RS, a isenção é somente para quem ganha um salário mínimo. Isso é justo porque esses servidores fazem parte do sistema. SC não incluiu essa tributação e, além disso, não tributamos quem tem paridade e integralidade. Não faz sentido isso. O trabalhador ganha contribuição de R$ 25 mil ou R$ 30 mil. Aí a cetegoria na ativa contribui e recebe um aumento, mas o aposentado recebe um aumento e não contribui sobre a paridade e integralidade. Ele deveria ter uma tributação maior, proporcional ao seu aumento na inatividade também.
O que o senhor está propondo em emendas à reforma?
Estou propondo na reforma diminuir a faixa de isenção para um salário mínimo, igual ao Rio Grande do Sul, sem nenhum mistério, nada demais. Só isso vai aumentar a economia em R$ 5 bilhões. Estou propondo também fazer a mesma regra de transição do federal, o que é mais do que justo. Além disso, estou propondo tributar a paridade e a integralidade de forma escalonada. Quem ganha mais, vai contribuir com 1% ou 2% mais do que os outros, afinal, tudo sai do bolso dos pagadores de impostos.
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Essas são as minhas propostas básicas. São só quatro emendas, mas isso vai dar uma reforma mais de 10 vezes maior do que a enviada para a Alesc.
Quanto as suas propostas, se aprovadas, vão permitir economizar?
Não temos um número exato porque o Instituto de Previdência do Estado, o Iprev, está fazendo os cálculos para nós. Cálculo atuarial é algo bem complicado de se fazer. Segundo os dados que eles tinham, foram feitas as projeções que dão uma ideia de como vai ficar. A mudança na regra de transição dará uma economia de R$ 1,370 bilhão. A redução da faixa de isenção dará uma economia de R$ 5,1 bilhões. Não temos ainda a economia que poderá vir da cobrança sobre paridade e integralidade. O Iprev está calculando isso. Se a gente somar só as duas primeiras, dá quase R$ 7 bilhões.
Então, os mais ricos deverão contribuir mais?
Sim. Quem ganha acima de R$ 5 mil está entre os mais ricos da população brasileira. Quem ganha acima de 10 mil está dentro do 1% e quem ganha R$ 30 mil é a elite da elite do Brasil. Às vezes, a gente perde a noção de referência. Não é justo o trabalhador que ganha um salário mínimo ficar contribuindo para cobrir esse déficit.
Sobre a Previdência do governo estadual, o que me sensibiliza muito é que nós temos o maior gasto, quase 30% de toda a receita corrente líquida é para pagar contribuição previdenciária para 70 mil pessoas. Esse é o maior gasto do Estado. Enquanto saúde ou educação, que são para todos os mais de 7 milhões de catarinenses, não chega a esse valor.
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O Estado é uma grande máquina de transferência de renda. A gente cobra pesado na cesta básica, para tirar 30% de todo o imposto arrecadado para pagar a apenas 70 mil pessoas. Outro fato que me sensibiliza muito é curioso: a constituição fala que todos somos iguais perante a lei, mas para a Previdência cria um regime geral e um regime próprio, esse último aos servidores públicos.
O regime próprio paga bem mais às pessoas beneficiadas. O que a gente está tentando fazer é reduzir um pouco do regime próprio para deixar mais para o regime geral. Mas esse pessoal aqui (do regime próprio) diz que não. Eu não consigo entender. Deveria ser todos os brasileiros sob o mesmo regime. O dinheiro sai da mesma conta, dos pagadores de impostos.
É a pressão das corporações?
Sim. Tanto que nos discursos no plenário ninguém traz números. É só uma pressão para manter benefícios. Eu coloquei uma placa na porta do meu gabinete dizendo que estou aberto para discutir a reforma da Previdência, mas com base em números, ninguém apareceu. No RGPS, o regime geral dos trabalhadores do INSS, o benefício médio é de R$ 1.300 e no RPPS, o regime próprio dos servidores públicos, o benefício médio é de R$ 6.400 em Santa Catarina. Não faz sentido isso.

O senhor conhece regimes de outros países? São mais igualitários?
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Comparado com outros países como Japão, Bélgica e Noruega. Temos uma população com 12% de idosos e gastamos muito mais do que eles, hoje, com uma população muito maior de idosos. O Japão é o país com o maior percentual de idosos, 28,4%. A gente gasta o mesmo que o Japão em aposentadorias (percentual do PIB). Eles têm regras mais conscientes. A idade média de aposentadoria no Brasil é gritante. Enquanto em outros países as pessoas se aposentam com idades entre 64 e 67 anos, no Brasil é com 54 ou 56 anos.
E o que acha da idade mínima menor para mulheres?
Não faz sentido. A mulher tem uma sobrevida maior que a do homem. Deveria ser a mesma idade. Se existe o argumento da dupla jornada, usado para conceder a diferença, é um problema que deveria ser resolvido no tempo de atividade e não no período inativo. Esse argumento fazia sentido na década de 60, quando as famílias tinham muitos filhos e a mulher ficava em casa para cuidar de todos. Agora, no Brasil, temos menos de dois filhos por família. O perfil das famílias mudou muito.
Como analisa essa decisão do governo de enviar uma proposta fraca de reforma?
O governador mandou uma proposta de reforma que vai provocar um desgaste aos deputados que são a favor de mudanças e não vai resolver o problema do Estado. Se era para enviar algo para cá, que mandasse algo que tivesse um resultado efetivo. Ele poderia ter enviado uma proposta mais ambiciosa para ser um pouco desidratada pelo legislativo, mas que fosse aprovado algo que faça a diferença.
Mesmo para uma proposta de reforma fraca, o PT apresentou 21 emendas em defesa dos servidores. Como analisa essa postura do partido que sempre se colocou a favor dos mais pobres, mas articula para manter benefícios a categorias que ganham mais?
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Essa atitude do PT não me surpreende. É isso o que eu esperava do partido. Ele não é o partido dos mais pobres. É o partido das corporações. Se fosse o partido que se preocupa com os mais pobres, deveria estar preocupado com a queda dos investimentos em saúde e educação. O problema é que eles pregam algo que eu chamo de matemágica.
Outro dia, um deputado do partido afirmou que é preciso aumentar os investimentos em educação, não reformar a Previdência e não aumentar tributos. Isso é matemágica, não existe no mundo real. Contraria as leis da aritmética. Eu tenho uma despesa que suga as outras. Acho que não tenho que reformar e não quero aumentar impostos. Esse é um discurso descomprometido com a responsabilidade social do Estado. O economista americano Thomas Sowell dizia que quem quer ajudar a si mesmo, fala o que os outros querem ouvir, e quem quer ajudar os outros, fala a verdade.
Qual é a sua expectativa para a reforma? Acredita que vai convencer mais deputados a aprovar mudanças que permitam economizar mais?
Eu vou fazer a minha parte. Estou sensibilizando as bancadas, informando os dados.
Muitos deputados têm se mostrado surpresos quando apresento os dados que apuramos. Muitos têm essa vontade de fazer algo mais resolutivo. Mas precisamos de 24 votos. É bastante voto. Sem uma participação efetiva da população, é muito provável que tenhamos uma reforminha. Enquanto eu sou sozinho visitando os gabinetes, os sindicatos estão em peso aqui visitando os mesmos gabinetes.
Como a população pode participar?
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As pessoas podem participar falando com os deputados, tentando entender os números. Eu não tenho dúvidas que esse é o maior desafio para Santa Catarina hoje. Minas Gerais ou o Rio de Janeiro é o que Santa Catarina pode ser daqui a cinco anos se a gente não lidar, de forma séria, com o nosso problema previdenciário. Não tem mistério. É número. A gente está na beira do abismo escolhendo dar um passo à frente. O mais impressionante é que ninguém dá bola para isso. É impressionante. É como se o govenador tivesse enviado para cá e o problema está resolvido. Ninguém se importa em ver que reforma é essa.
Pelas emendas apresentadas, dá para concluir que o senhor é o mais liberal parlamentar da Alesc…
Eu preferia ver a aprovação de uma reforma melhor, mais resolutiva, sem eu ter que me envolver tanto assim. Faço isso porque não adianta a gente fazer projeções para o futuro se não houver políticas, se não houver uma Santa Catarina para amanhã. Criar o caos não é bom para ninguém. Esse é um momento que permite ao parlamentar seguir mais a sua história.
Se for aprovada a proposta do governo atendendo também as flexibilidades de setores, quando SC terá que fazer nova reforma previdenciária, na sua opinião?
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Se a gente considerar a média federal, temos uma alteração previdenciária a cada seis anos. Só que isso foi numa outra época. Isso está se acelerando porque a despesa está crescendo mais rápido, ela não é constante. Se a gente aprovar essa proposta de reforma que está na Alesc, no máximo em cinco anos teremos que conversar de novo sobre Previdência. Na verdade, esse é um setor que precisa mudar constantemente porque temos mudanças importantes, como o aumento da média de vida das pessoas.
Professores da Singularity University, conhecida como Universidade da Nasa no Vale do Silício, dizem que em cerca de 20 anos alguém vai inventar o fim da morte. Se isso ocorrer, como ficará a Previdência?
Aí a gente terá que inventar o fim da Previdência também (risos). No Brasil, a gente só resolveria a Previdência com a adoção do sistema de capitalização. O sistema atual, de repartição, é insustentável. Quem está na ativa, sustenta quem está na inatividade. Quando a gente tinha 10 trabalhadores ativos para um ou dois inativos, isso funcionava melhor. Só que hoje você tem seis ativos para cada inativo. Essa é uma pirâmide insustentável no longo prazo.