A morte do garoto de 19 anos que morava no bairro Ingleses, em Florianópolis, que estava brincando com uma arma de plástico no quintal e foi surpreendido com uma abordagem policial que lhe tirou a vida, me foi dada como missão de cobertura para o Jornal do Almoço. Confesso a vocês que me reportar àquela família tomada pelo sofrimento, a vizinhança confusa sem entender o porquê de um rapaz tão bom ter sua vida ceifada, me fez ter o pior dia de minha vida.

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Vitor Rodrigues Xavier da Silva, filho da Dona Vilma, era um moleque do bem, cheio de sonhos. Entre os principais, entrar para as Forças Armadas, servir seu país e, consequentemente, ajudar sua mãe, que veio para a Capital catarinense há 10 anos, juntou um dinheirinho e o trouxe da Bahia junto da irmã para, então, tentar em família uma vida melhor.

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O quintal de poucos metros era o lugar da brincadeira. Conhecido na vizinhança como o "menino do cachorro", ele tinha o hábito de atirar em latinhas com sua arma de plástico, aquelas que têm a ponta laranja para serem identificadas como brinquedo. A cada “tiro” o pequeno Bob, o pincher companheiro inseparável, latia numa festança só. Assim, sem oferecer qualquer risco a terceiros, o xodó da família passava suas tardes depois de ajudar na limpeza da casa.

Na última quinta-feira (18), Vitor deu aquela ajeitadinha na casa conjugada que morava na Servidão Netuno, pegou seu cachorrinho e foi fazer o que mais gostava: "acertar as latinhas com as esferas de plástico que eram usadas para municiar seu brinquedo". Foi a última vez que ele atravessou a porta de casa com vida.

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Dizem por aí que alguém fez uma denúncia anônima, relatando que um homem estava armado naquele endereço e que, com "pistola" em punho, apontava aos que passavam. Foi aí que uma viatura com dois servidores do Estado se empenhou em averiguar os fatos e constatou que realmente Vitor estava lá dando tiros a esmo.

A partir daí, segundo relatos da vizinhança e dos familiares, a viatura teve o tempo de passar em frente à casa, fazer a volta e ainda assim, sem notar que se tratava de um brinquedo. Segundo o relatório policial, Vitor teria apontado pros dois policiais que, para preservar sua integridade e segurança, dispararam suas armas (letais) na direção do suposto "contraventor".

Cinco tiros atingiram o menino de pele negra, pobre e suspeito. O baiano que veio pra Floripa, como a maioria dos imigrantes, não teve a chance de mostrar ao mundo que tinha a capacidade e o potencial de qualquer outro cidadão de bem. Quando cheguei lá para iniciar a reportagem, fui tomado por abraços carregados de tristeza, revolta e pesar.

Na boa, vejo que o ocorrido é resultado de um certo despreparo daqueles que foram atender a "ocorrência". Que tudo poderia ser revolvido com o aquele famoso e temido (para os jovens de favela): "Mãos na cabeça! Larga a arma! Deite no chão!". Mas, não. O estereótipo do então meliante fez com que o conceito antecipado puxasse gatilhos, de novo.

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Essa nota não é contra policiais ou as corporações. É sim um convite à reflexão, principalmente daqueles que sobem morros, descem ladeiras, invadem barracos e lutam contra o tráfico. Já que os homens fardados são o único braço governamental que "interage" com as comunidades, precisamos que sejam, no mínimo, coerentes e íntegros.

Esta nota foi escrita com base nos relatos ouvidos de parentes, amigos e vizinhos do menino morto. Também usei informações dadas pelo comando geral da PM. Já o depoimento dado pelo delegado da Delegacia de Homicídios ao Jornal do Almoço, prefiro não comentar.

Descanse em paz, Vitor.