Nesta quarta-feira (2), às 21h30min, o Criciúma entra em campo contra o América (MG) em jogo de ida da terceira fase da Copa do Brasil. Há exatas três décadas, às 18h de um domingo, 2 de junho de 1991, o Criciúma pisava o gramado do Heriberto Hülse para a partida mais importante da sua história.

Continua depois da publicidade

Receba as principais notícias de Santa Catarina pelo Whatsapp

Trata-se da mesma competição, mas de cenários muito diferentes. O Criciúma de 91 vinha imbatível. E assim foi de novo, escrevendo uma história eterna naquela noite. O 0 a 0 diante do Grêmio valeu a taça mais valiosa que um clube de Santa Catarina poderia ter conquistado. O Criciúma de hoje ainda chora um inédito rebaixamento no Campeonato Catarinense e, a duras penas, encara uma Série C de Campeonato Brasileiro. Fora que na Copa do Brasil é azarão contra o América, adversário de Série A.

Os segredos contados pelo capitão

E como muito já foi contado daquela história incrível de dez jogos, nenhuma derrota e faixa no peito, um papo com Antônio Luiz Sartoretto serviu para refrescar a memória e trazer à tona alguns dos segredos daquele Tigre campeão. Ele é o capitão Itá, que como muitos daquele elenco ainda vive por Criciúma.

Os campeões recebendo as faixas de 1991
Os campeões recebendo as faixas de 1991 (Foto: Criciúma EC / Divulgação)

– Se nós tivéssemos hoje um time que nem aquele nosso, o Criciúma nunca teria saído da Série A, nunca cairia, nunca estaria na situação de agora – lembra, com vigor e uma certa dose de saudosismo. Itá era o capitão do time com propriedade. Dono do discurso, aglomerava em seu entorno, brigava com a direção por melhores salários e peitava técnicos, adversários e quem mais viesse pela frente.

Continua depois da publicidade

Família Criciúma e Felipão desconhecido

– Éramos uma família. Se o Felipão (Luiz Felipe Scolari, técnico campeão no Criciúma) dissesse que fez uma família no Criciúma, não, ele fez família na Seleção. No Criciúma ele entrou para a nossa família. Já éramos uma família, e quem não se adaptasse a ela, ficava de fora – conta Itá, sem esconder o orgulho.

Felipão chegou no Criciúma na segunda fase daquela Copa do Brasil. Na primeira etapa, com Luiz Gonzaga Milioli como técnico, o Tigre havia despachado o Ubiratan, do Mato Grosso do Sul. – Se o Gonzaga tivesse ficado, o Criciúma seria campeão igual – não cansa de repetir Itá. Essa tese ele defende desde aquela época. – Nosso time jogava por música. O Felipão não fez nada de diferente, só tocou o que a gente já fazia antes. A diferença foi que ele inchou a nossa cabeça de tanto treinar escanteio – conta. Era um pouco da preocupação defensiva de Felipão: tirar as bolas aéreas da área do Tigre.

Felipão e os seus jogadores em dia de treino no Heriberto Hülse
Felipão e os seus jogadores em dia de treino no Heriberto Hülse (Foto: Luiz Machado / Agência RBS)

Itá reconhece que, quando aquele novo técnico chegou, ele e os demais atletas não faziam ideia de quem se tratava. – Que nada, a gente não conhecia o Felipão. Ele parou de jogar antes de a gente começar. Ele era um desconhecido, surgiu para o futebol de verdade aqui no Criciúma – recorda. – Mas ele nos ajudou, se integrou muito bem ao grupo. A nossa relação era muito boa – reforça Itá. Eram comuns e famosas as mateadas de fim de tarde no pátio do Heriberto Hülse, com Felipão e alguns jogadores passando a cuia de chimarrão de mão em mão. Torcedores também participavam.

Eles brigavam. E muito

Mas nem tudo era alegria no ambiente daquele Criciúma campeão. – A gente brigava muito também – revela Itá. Mas não era no braço. Era no verbo mesmo. – Dentro de campo, se um errava, o outro cobrava muito. A gente era movido a cobrança, por isso funcionava – destaca. O próprio Itá era o campeão nesse quesito. – Se o Soares perdia um gol feito, na mesma hora eu dava uma bronca danada nele. E o pau pegava no vestiário no intervalo. Mas assim a gente arrumava a casa e vendia caro qualquer derrota – salienta o capitão de 91.

Continua depois da publicidade

Daquela trajetória de dez partidas contra cinco diferentes adversários, que deu ao Tigre o título, Itá elege dois confrontos como os mais complicados. – Todos foram difíceis, mas os jogos com o Atlético Mineiro foram muito equilibrados, eles nunca imaginaram que seriam eliminados pelo Criciúma. E o Grêmio. A final foi muito nervosa, tanto lá quanto aqui – reconhece. – Tinha gente em Porto Alegre achando que nos goleariam lá. Quando fizemos 1 a 0 e eles sofreram para empatar, daí viram que não seriam bem assim – relata.

Mais de 20 mil torcedores assistiram aquela final no Heriberto Hülse
Mais de 20 mil torcedores assistiram aquela final no Heriberto Hülse (Foto: Criciúma EC / Divulgação)

Treinos e mais treinos

Uma virtude daquele Criciúma, segundo Itá, que pesou muito para o resultado final, foi a persistência nos treinamentos. – A gente treinava demais. Os coletivos duravam até duas horas, e os aprontos sempre foram no Heriberto Hülse. A gente conhecia tudo do gramado, ali treinava as jogadas, os lances. Isso contava muito – garante. 

E os jogadores faziam hora extra sem se incomodar. – Uma hora depois do treino e a gente ainda estava lá, batendo falta, posicionando, cobrando escanteio, chutando, repetindo. Se fosse hoje, na estrutura que o Criciúma tem, eu treinaria 300 cruzamentos para o Soares – brinca. Com essa aplicação toda, o time tinha uma jogada ensaiada que ajudava muito. – É, era a triangulação. A gente triangulava muito, de um lado, a virada para outro, não tinha marcação que nos acompanhasse. Não tinha essa de treino em espaço curto que os técnicos fazem hoje – observa, aproveitando para deixar uma crítica ao futebol dos tempos atuais.

Com Moacir Fernandes, a grana era curta

Por ser o capitão do time, cabia a Itá os conhecidos embates com o presidente Moacir Fernandes. Negociar salários e premiações com o presidente não era fácil. – O Moacir era jogo duro, muito mão fechada, mão de vaca mesmo – recorda. – A cada conversa, ele saía roxo, parecia um pimentão, muito bravo – emenda.

Continua depois da publicidade

Ainda assim, Itá estava entre os salários mais altos do início dos anos 90 no futebol catarinense. – Eu fui, junto com o Nardela do Joinville, o jogador mais bem pago de Santa Catarina entre 1990 e 92. A gente ganhava 15 salários mínimos na época – relembra. Levando-se em conta que o mínimo naqueles tempos girava em torno de 17 mil cruzeiros, estava longe de ser um salário alto para a atualidade. – Hoje qualquer jogador do júnior ganha isso. A gente ganhava muito pouco – reclama. – Daquele nosso time, o Vanderlei ganhava um pouco menos que eu, e tinha Sarandi, Evandro, Vilmar, Altair, Cavalo, Gelson, Grizzo, Jairo Lenzi, esses ganhavam uns 12 salários mínimos. O resto, era menos ainda – sublinha.

Como aquele time foi montado

Mas a austeridade do presidente e o faro dele para contratações foram outros segredos do sucesso daquele Criciúma. – O Moacir era um dos grandes dirigentes do nosso futebol. Sabia tudo e fazia tudo naquele Criciúma. Esse time campeão de 91 começou a ser montado em 1986. E o Moacir se cercou de gente que entende para garimpar bons jogadores em Santa Catarina. Daí buscou o Gelson e o Jairo Lenzi no Marcílio Dias, me buscou na Chapecoense, o Altair em Tubarão – relaciona. E vai além. – O Moacir tinha relações fora do estado, daí contratou com salários em conta. Foi no Grêmio e trouxe o Zé Roberto. Do Colorado de Curitiba, veio o Grizzo. Do Atlético do Paraná, o Roberto Cavalo. Do Cruzeiro ele buscou o Vilmar e o Evandro. Em São Paulo contratou o Alexandre e o Soares. Pronto, estava montada a nossa base, um timaço para a época – enaltece o antigo campeão.

Quando questionado sobre as razões para o Criciúma nunca mais ter montado um time daquele nível, Itá pondera. – Em 2002 tivemos um time parecido, aquele que foi campeão da Série B com o Paulo Baier, o Luciano Almeida, o Delmer – salienta. – Mas depois que veio a Lei Pelé, clubes do porte do Criciúma ficaram muito sufocados no mercado. O jogador se destaca e vai embora logo, os empresários mandam no futebol. E o dinheiro também. Na época, a gente chegava para jogar e ser campeão, sonhava com taça. Hoje em dia, eles querem é dinheiro na conta – critica.

Felipão está em faixa recente da torcida do Criciúma
Felipão está em faixa recente da torcida do Criciúma (Foto: Caio Marcelo / Agência RBS)

Os campeões que ficaram na cidade

Mas Itá foi daqueles muitos que fez de Criciúma a sua terra. Constituiu família, tem a sua turma de amigos e não arreda pé da cidade. Seguiu o caminho de muitos outros que, vez por outra, se encontram, como Sarandi, Vanderlei, Vilmar, Grizzo e Wilson. Do elenco campeão, já partiram e deixaram muitas saudades os atacantes Adilson Gomes e Soares e o goleiro Alexandre.

Continua depois da publicidade

Olhando o presente, Itá vê com otimismo a retomada que o Criciúma busca. – O clube fez um grande acerto agora, contratando o Paulo Baier. É o melhor técnico para o momento do Criciúma. Tem identidade, conhece o clube e a cidade, e vai fazer um bom trabalho, como já fez no Próspera – aponta. E deixa um conselho: – muito treino, persistência, muito trabalho – finaliza.

Uma vitória animadora para o Criciúma

É movido por todas essas lembranças, de tempos de glória, que o Criciúma tenta, na noite desta quarta, dar um passo rumo à reconstrução. A batalha é dura. Mas a camisa tricolor tem história. E que história!

Leia também:

Bolsonaro confirma sedes da Copa América. Sul fica de fora

O que está proibido e liberado com novo decreto em SC

SC tem 14 concursos abertos; salários chegam a R$ 15 mil