É inegável que o frio carrega consigo um fascínio. Os campos esbranquiçados, as vegetações congeladas, a geada, a neve. É fato que há uma indústria que sobrevive disso, que relaciona o direito ao entretenimento e o consumo relacionado ao turismo dessa época. Tudo muito positivo. Que assim continue.
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Mas é preciso lembrar, no rigor do frio, daqueles que pouco tem. Fato que existem inúmeras campanhas por aí, que somos convidados a revisar nossos guarda-roupas e compartilhar os excessos. Tudo muito bom. Mas são paliativos.
Vivemos tempos de humanismo um pouco fora de moda. A empatia até surgiu com maior força nas buscas de dicionários online ultimamente, as pessoas começaram a tentar praticar esse gesto tão importante de se colocar no lugar do outro, mas e na hora do frio? Já pensaram como estão aqueles trabalhadores que se esforçam durante o dia para ter o que dar de comer às suas famílias à noite? Essas pessoas, certamente, estão passando muito frio em suas casinhas modestas, e não veem romantismo na ausência do calor, já que não possuem condições de se abrigar melhor, nem de partir para refúgios encantadores cercados por geada e neve.
Culpa de quem tem essa condição? Jamais. Quem tem, tem o direito de usufruir. Mas não podemos, enquanto sociedade, esquecer de quem não tem. Principalmente desses que batalham para possuir, mas que seus salários mal permitem priorizar o prioritário, que é comer e educar os filhos. Nesses tempos de preços nas alturas, vestir-se melhor tornou-se quase secundário. Infelizmente.
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E há a efetiva tragédia humana daqueles que, mesmo diante do frio, estão nas ruas. Mas é preciso, naturalmente, separar essas pessoas desprovidas de teto em duas classes muito claras: os que não têm outro jeito e os que querem estar lá. E usamos dois exemplos das últimas horas aqui, de Criciúma, para ilustrar isso.
Equipes da Secretaria de Assistência Social e da Defesa Civil saem às ruas, geralmente a partir das 21 horas, para abordar quem anda vagando por aí. Nas duas noites passadas, até 1h da madrugada, encontraram 26 pessoas sem abrigo. Desses, 9 aceitaram o socorro da Casa de Passagem, que oferece cama, cobertor, roupa limpa, banho e refeição. Mas 17 não quiseram.
Começamos pelos que aceitaram a ajuda. Houve um caso, de um cidadão de Tubarão, que veio pedalando até Criciúma. Com sua bicicleta, persegue por aqui alguma oportunidade na vida. Ao observar o comboio social que se aproximava, ele implorou por ajuda. Contou que seus dedos estavam congelando. Aceitou, de pronto, o auxílio da Casa de Passagem. Para lá foi levado. Tomou banho, trocou de roupa, dormiu e, hoje cedo, embarcou na sua bike em busca de chances por aí. Que tenha sorte.

O outro lado. No começo da noite desta quinta-feira (29), um sujeito foi localizado na Praça Maria Rodrigues, no Centro de Criciúma, abrigado em uma bag de nylon. São aquelas bolsas grandes. Essa, em especial, utilizada para armazenar descartáveis. O homem a apanhou, sabe-se lá onde, e com ela improvisou um saco de dormir. Ele estava ali, na praça, dentro daquela bag, tornozelos aparecendo, dando a impressão, que depois da abordagem tornou-se certeza, de que estava mal vestido. Assim preferiu ficar. Proferiu xingamentos contra a equipe que tentou demove-lo da ideia de encarar a noite gelada naquele estado. Para tentar atenuar o desconforto, lhe cederam um cobertor. Ao que se tem notícia, conseguiu sobreviver à madrugada que chegou a acusar 1 grau negativo em Criciúma, e segue sua vida errante.
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Conclusão: há os que vivem nas ruas por opção e os que passam pelas ruas por falta de opções. Mas são todos seres humanos, certo? Logo, em algum momento, enquanto sociedade, falhamos. Falhamos ao abrir a porta para esse tipo de negligência. Por mais que a pobreza seja um resultado particular das suas lutas e conquistas, ou falta delas, a exclusão tem raiz social. Em algum momento, seja na educação, seja na orientação, alguém falhou. Como não temos, individualmente, solução para tudo isso, que fiquemos com a reflexão, objetivo dessas linhas aqui traçadas. E que, de alguma forma, alcancemos apoio a quem precisa. E lembremos: cada um que treme de frio, deveria nos fazer tremer também. Em um mundo ideal, claro.
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