Criciúma e o meio ambiente historicamente vivem às turras. O modelo de desenvolvimento da maior cidade do Sul de Santa Catarina, implantado ao sabor de uma descoberta ocasional na última década do século 19, agrediu violentamente o solo e os recursos vegetais e hídricos. Foi de alguns anos para cá, quando as jazidas de carvão já estavam esgotadas na cidade, que um molde mais moderno e sustentável para a extração do minério entrou em vigor.

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Logo, toda e qualquer pauta ambiental mexe não somente com os ânimos, mas com um fantasma do passado que assombra os criciumenses. E divide opiniões também. O papel estratégico que a mineração teve no desenvolvimento local – Criciúma já ostentou, com orgulho, o título de Capital Nacional do Carvão – encontra justificada defesa. Mas o estrago feito acirra, já que o rio que dá nome ao município tornou-se um valo sepultado sob o concreto e, dizem os ambientalistas, a cidade mantém hoje apenas 2% da cobertura vegetal original, aquela encontrada pelos colonizadores alguns anos antes da descoberta do carvão no subsolo do ex-distrito de Araranguá.

Episódios recentes estão trazendo à tona o debate. Há poucos dias, a prefeitura reconheceu a existência de um projeto que extingue a Fundação Municipal de Meio Ambiente (Famcri). Mas minimiza, esclarecendo que será sucedida pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Agricultura e Sustentabilidade. Em fevereiro, o Executivo fez aprovar na Câmara o projeto que extingue o Parque Municipal do Morro do Céu, uma ampla área verde de mais de 85 hectares circundada por um cinturão de concreto entre os bairros Ceará, São Cristóvão, Comerciário e São Luiz. O argumento: ficou inviável para o município indenizar os proprietários das áreas desapropriadas em 2008 para a criação do parque, algo em torno de R$ 150 milhões.

O mapa do parque: em verde, a chamada zona de amortecimento
O mapa do parque: em verde, a chamada zona de amortecimento (Foto: Famcri / Divulgação)

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Manifestantes vaiam prefeito

Na última sexta-feira (26), o prefeito Clésio Salvaro (PSDB) foi até a Praça do Congresso abrir a programação de Natal. Ele foi surpreendido por um protesto enquanto discursava. Ambientalistas foram até diante do palco e abriram uma faixa na qual se lia “Salve o Morro do Céu”. É o nome do movimento criado a partir da decisão de extinção do parque.

Entre aplausos e vaias, Salvaro não escondeu o desconforto com o protesto. – Salve o Morro do Céu. Fora Salvaro – gritaram uns. – É um governo que defende a cidade de Criciúma. O que vale é a vida das pessoas, a educação que promovemos – respondeu o prefeito de pronto, ensaiando uma imediata resposta.

Faixa estendida diante do prefeito durante o evento de sexta-feira
Faixa estendida diante do prefeito durante o evento de sexta-feira (Foto: Jornal Livre / Reprodução)

Sobre as pautas ambientais recentes, Salvaro tem sido firme no seu discurso. A respeito da extinção da Famcri, defende que a nova secretaria será um instrumento ágil, que manterá políticas ambientais e fiscalização. A respeito da extinção do parque municipal, argumenta que não há condições de arcar com o custo de uma desapropriação feita sem previsão orçamentária há vários anos e que, em contrapartida, o município está criando outra unidade, o Parque Municipal do Mirante, em uma área entre os bairros Mina Brasil e Cruzeiro do Sul.

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As diferenças entre os parques

O primeiro aspecto que inquieta os ambientalistas é a diferença de tamanho entre os parques. O do Morro do Céu tem 85,58 hectares. O do Mirante, 7,2. Os que reclamam – tanto da extinção do parque quanto da Famcri – mencionam, ainda, a falta de consulta à população. E há quem aponte, também, inconstitucionalidade na decisão, principalmente da referente à supressão da área de preservação.

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– O projeto (de extinção do parque) não era urgente. A emergência climática é urgente, a falta de arborização e o respeito aos recursos hídricos são urgentes – apontou a vereadora Giovana Mondardo (PCdoB). Ela foi um dos quatro votos contrários ao projeto de extinção do Parque do Morro do Céu em votação em fevereiro na Câmara de Criciúma. Os outros foram Júlio Kaminski (PSL), Manoel Rozeng (DEM) e Paulo Ferrarezi (MDB). Os demais votaram com a prefeitura, pelo fim do parque.

Salvaro em visita ao local onde está sendo construído um mirante, em área do futuro parque municipal
Salvaro em visita ao local onde está sendo construído um mirante, em área do futuro parque municipal (Foto: Jhulian Pereira / Divulgação)

A vereadora Giovana promoveu, na última quarta-feira (24), uma audiência pública que discutiu o tema. Os participantes acusaram o Executivo de “conduzir a extinção do parque à toque de caixa”. – Conseguimos, na época, adiar a votação por uma semana. Foi o tempo que o projeto ficou na Câmara, sem análise nem debate – comentou a parlamentar.

Da audiência, foram retiradas sete demandas: a criação da Frente Parlamentar Ambientalista em Criciúma; apoio a projetos de agroecologia e produção orgânica; criação de lei para instrumentalizar consultas públicas para gestão de parques; levar o caso ao Ministério Público Federal (MPF); cobrar implementação de planos de arborização e de recursos hídricos; manutenção da Fundação de Meio Ambiente mediante plebiscito; e a sugestão que promete maior repercussão política: solicitar ao Conselho Estadual de Meio Ambiente e à Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa (Alesc) que o Parque do Morro do Céu seja estadualizado, retirando a gestão da área do município, para evitar a extinção do mesmo.

Vereadora Giovana em audiência pública na Câmara
Vereadora Giovana em audiência pública na Câmara (Foto: Clara Fernandes / Câmara de Vereadores Criciúma)

Vizinho do parque reclama: “não fomos ouvidos”

– É com tristeza que nós, moradores dos arredores do parque, acompanhamos essa situação – afirmou o assistente administrativo Jurandir Bittencourt, vizinho do Morro do Céu. – Ninguém dorme e acorda querendo revogar a existência de um parque ou querendo extinguir a Fundação de Meio Ambiente. Isso só acontece pois não há transparência nas ações do Executivo – disparou.

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Bittencourt, que preside a Associação de Moradores do Bairro Ceará, reclamou que a população não foi ouvida. – O Morro do Céu é uma extensão dos nossos quintais, o amanhecer com o cantar da passarinhada, o frescor nos dias de calor, por tudo isso vamos lutar até o fim para que a lei de revogação do Morro do Céu seja extinta – destacou.

Líder comunitário contou a experiência de ser vizinho do parque
Líder comunitário contou a experiência de ser vizinho do parque (Foto: Clara Fernandes / Câmara de Vereadores de Criciúma)

O professor José Carlos Virtuoso pontuou que Criciúma não pode abrir mão de uma área verde tão significativa. – A nossa cidade tem menos de 2% da cobertura vegetal original, temos alguns remanescentes florestais como o Morro do Céu, e no contexto atual jamais poderia prescindir dessa área – referiu.

Ele frisou, ainda, que os espaços verdes contribuem para a drenagem da cidade, outro problema recorrente de Criciúma, que sofre com cheias. 

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Vereador de Florianópolis no debate

O vereador Marcos José de Abreu, o Marquito (PSOL), de Florianópolis, participou do debate em Criciúma como coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista de Vereadores do Brasil. Ele lembrou que a Constituição garante a manutenção de espaços verdes. – É inaceitável que tenhamos um retrocesso como esse, perdendo uma área protegida dentro da cidade – registrou.

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Marquito sugeriu denunciar o caso ao MPF. – Temos um sistema, o Sistema Nacional de Meio Ambiente, que garante que esse tipo de retrocesso não deveria acontecer. Pelo contrário, a recomendação é que se aumentem as áreas protegidas, e que quando elas não estejam adequadas, façam uma adequação a partir de uma provocação de Executivo ou Legislativo – relatou.

Integrante da Frente Salve o Morro do Céu e do Fórum Popular da Natureza da Região Sul, Erick Cardoso mencionou, na audiência pública, os riscos do aquecimento global resultante dos desmatamentos. 

Para Erick, Criciúma está na contramão do desenvolvimento sustentável
Para Erick, Criciúma está na contramão do desenvolvimento sustentável (Foto: Clara Fernandes / Câmara de Vereadores de Criciúma)

– A extinção do Parque Morro do Céu destoa das três bases do desenvolvimento sustentável, não estamos sendo socialmente justos já que não consultamos a população, não é viável economicamente já que nem os proprietários dos terrenos aceitam os terrenos de volta e não estamos sendo ecologicamente corretos, pois estamos tirando a responsabilidade do poder pública da manutenção de uma das mais importantes áreas verdes da região – criticou.

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A riqueza ambiental do Morro do Céu

A bióloga Betina Emerick Pereira enumerou a riqueza ambiental do Parque Morro do Céu para justificar a preservação do espaço. Citou que algumas das espécies correm, inclusive, riscos de extinção. Ela mencionou que, no atual parque, vivem mais de 20 espécies de répteis e anfíbios, 75 espécies de aves, seis espécies de mamíferos e mais de 30 de abelhas.

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– Argumentar a ausência de interesse público nessa área tão importante, como a prefeitura argumentou, é para nós, no mínimo, incoerente. Tirar o Morro do Céu da sua proteção integral é entrega-lo, de bandeja, à especulação imobiliária – denunciou a bióloga. – Queremos o parque em sua totalidade. Não menos que isso. Queremos isto sim corredores ecológicos, que o conecte com as APAs vizinhas – frisou. 

Ela defendeu, também, a transferência da gestão do Morro do Céu do município para o Estado.

Morro do Céu se destaca pela fauna e flora diversificadas
Morro do Céu se destaca pela fauna e flora diversificadas (Foto: Famcri / Divulgação)

Advogada do movimento Salve o Morro do Céu, Rita de Cássia Oliveira defende a inconstitucionalidade da lei 7.844/2021, que revogou a criação do parque. – Por falta de de audiências públicas que discutissem essa questão, por falta de estudos técnicos que ferem lei federal – apontou.

Ela sublinhou a drástica redução da área de proteção ambiental de criação com a substituição do parque do Morro do Céu pelo do Mirante. – O segundo tem menos de 10% da área do primeiro – calculou. Rita relacionou os investimentos já feitos pela prefeitura no parque, que vão desde estudos de demarcação, cercamento e inscrição no cadastro nacional de unidades de conservação. – Onde o parque segue inscrito, prova que nem a prefeitura acredita que essa extinção seja viável – refletiu.

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Os direitos dos donos das terras do parque

Advogado dos proprietários das terras do parque, Pierre Vanderlinde lamentou a falta de uma ampla discussão. – A gente vê que falta transparência – opinou. – O projeto foi trazido e feita apenas uma reunião, no mesmo dia da reunião foi pautado para ser votado com dispensa de pareceres, tudo a toque de caixa, sem a sociedade ser ouvida – emendou.

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Vanderlinde observou que “muitos dos proprietários já tiveram seus processos encerrados, já foi reconhecido o direito de indenização, perderam suas propriedades por um bem de todos, mas estão privados do uso das suas propriedades”. O advogado lembrou que a criação do parque remonta a um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) de 2001, na gestão do então prefeito Décio Góes (PT). O TAC foi efetivamente firmado em 2004 e o parque instalado em 2008, pelo prefeito Anderlei Antonelli (MDB).

Advogado levou versão dos donos das terras à audiência pública
Advogado levou versão dos donos das terras à audiência pública (Foto: Clara Fernandes / Câmara de Vereadores de Criciúma)

O advogado criticou a falta de ação dos órgãos de controle desde a revogação da lei. – Foi instaurado inquérito civil mas até o último julgamento no TJSC, soube pela procuradora que o MPSC estaria aceitando a modificação do TAC firmado há 20 anos para que houvesse essa substituição do Parque Morro do Céu pelo do Mirante – disse.

A área de mais de 85 hectares do Morro do Céu tem 30% pertencentes ao município de Criciúma e os demais 70% a 25 proprietários, envolvendo 33 lotes. – Os proprietários, grande parte deles, cresceram naquelas terras, plantavam banana, criavam gado há muito tempo, quem arbitrou o valor da indenização não foram os proprietários, foi uma perícia judicial homologada também pelo TJSC – argumentou Vanderlinde. – Quem busca fazer essa especulação imobiliária são os proprietários de imóveis no entorno. Se manter a extinção do parque, não existirá mais zona de amortecimento. Tem vários imóveis, de propriedade de construtoras, que passarão a ser liberados para construções – apontou o advogado.

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Prefeitura defende devolução das terras

A Procuradoria do Município e a Famcri foram convidadas para a audiência pública, mas não enviaram representantes nem responderam aos convites. Em entrevistas nos últimos meses, a procuradora Ana Cristina Yousseff vem defendendo que a prefeitura tem o direito de dissolver o parque e devolver as terras aos seus donos.

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– O que a jurisprudência tem apontado é que, uma vez devolvido o imóvel tal qual se encontrava no momento da desapropriação, não haveria momento de indenização. Os imóveis continuam com as mesmas delimitações e possibilidades de construções – diz a procuradora. 

Ativistas têm promovido campanha de defesa do parque nos últimos meses
Ativistas têm promovido campanha de defesa do parque nos últimos meses (Foto: Divulgação)

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