— Eles vão trabalhar sim, e quem não quiser trabalhar vai embora da Casa de Passagem —. Com essa e outras afirmações, o prefeito de Criciúma, Clésio Salvaro (PSDB), causou polêmica nesta segunda-feira (10), quando se referiu aos atendidos por casa de acolhida de necessitados que opera sob custeio do município. 

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— Aqui eles não ficam. Se quiser, leva pra tua casa — emendou, após mencionar “os direitos humanos” e chamar os assistidos de “malandros”. Salvaro citou “cerca de 20” que estavam tomando café na manhã desta segunda, quando ele passou pelo local.

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A Defensoria Pública da União (DPU) emitiu nota de repùdio à manifestação de Salvaro na noite desta segunda, assinada pela defensora pública-chefe federal da DPU em Criciúma, Mariana Pereira de Queiroz Carraro. No documento, a defensora conta que o órgão recebe denúncias referentes a irregularidades na gestão da Casa de Passagem desde 2017. 

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É citada, ainda, a Ação Civil Pública (ACP) ajuizada, na qual o município passou de réu a condenado em março, sendo citado em abril a pagar multa de R$ 200 mil. A municipalidade está, ainda, obrigada a reparar a plenitude das atividades do espaço, que conforme a denúncia oferece serviços parciais, tanto em horário de atendimento quanto em oferta de serviços e equipe de trabalho, nos últimos quatro anos.

Veja o vídeo do prefeito Clésio Salvaro:

https://www.facebook.com/100003268415618/videos/3878045755647667/

A Procuradoria da prefeitura de Criciúma informou que fará uso do prazo para recurso junto ao Tribunal Regional Federal (TRF), que se esgota em 25 de maio.

A nota da DPU refere, também, “que se mostra absolutamente ilegal a coação de acolhidos ao trabalho para que tenham acesso à Casa de Passagem”.

Confira abaixo a íntegra da nota de repúdio da DPU:

A Defensoria Pública da União (DPU) vem a público repudiar a manifestação do prefeito do Município de Criciúma, sr. Clésio Salvaro, divulgada em vídeo publicado no dia 10/05/2021, na página pessoal do prefeito no Instagram, no qual informa que o acolhimento de pessoas na Casa de Passagem de Criciúma está condicionado ao trabalho por parte do cidadão e que aquele que não obedecer à ordem municipal será expulso do local de acolhimento, sob argumento de que não lhe cabe “sustentar malandros”.

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Desde o ano de 2017, a DPU vem recebendo inúmeras denúncias por parte de brasileiros e de estrangeiros no sentido de que a Casa de Passagem estaria funcionando de forma irregular, sem o corpo de funcionários adequado, com o constrangimento de pessoas ao trabalho obrigatório junto ao Município para que pudessem ter o direito ao pernoite no local e com a expulsão dos migrantes estrangeiros que estivessem ali abrigados.

Em virtude das ilegalidades relatadas, a DPU ajuizou Ação Civil Pública requerendo o restabelecimento do serviço de proteção social, no formato previsto em norma federal, e a determinação de acolhimento da população vulnerável sem que esta fosse coagida a trabalhar gratuitamente para o Município em troca do serviço público que lhe era oferecido, bem como que os migrantes estrangeiros, em sua grande maioria africanos e haitianos, fossem abrigados sem qualquer discriminação de origem nacional ou de cor.

O Juízo da 4ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Criciúma, no julgamento da ação proposta, reconheceu que ficou provada “a séria violação dos direitos fundamentais da população vulnerável que depende do serviço público de abrigamento e fornecimento de refeições na Casa de Passagem São José” e afirmou, ainda, que “houve um manifesto desmonte da estrutura da Casa de Passagem pela municipalidade, inclusive com exclusão injustificada de estrangeiros lá abrigados”.

Com base nesses argumentos, o Juízo Federal determinou que o Município de Criciúma desse cumprimento integral à norma federal que regula o funcionamento da Casa de Passagem, bem como o condenou ao pagamento de indenização pelo dano moral coletivo, no montante de R$ 200.000,00.

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A Defensoria Pública da União esclarece que a Casa de Passagem foi criada para oferecer serviço essencial de abrigamento e de oferta de alimentação às pessoas em situação de vulnerabilidade social ou em situação de rua, extremamente fragilizadas pela miséria e pela exclusão que as levaram a contar com tal serviço de assistência social.

Ressalte-se que se mostra absolutamente ilegal a coação de acolhidos ao trabalho para que tenham acesso à Casa de Passagem, pois a oferta do abrigamento às pessoas carentes e necessitadas é um serviço público essencial e dever do Município, que é custeado por verba pública municipal e federal, advinda dos tributos pagos por toda a população.

Por fim, a Defensoria Pública da União manifesta seu compromisso com a garantia dos Direitos Fundamentais das pessoas carentes, especialmente fragilizadas pela fome e pela miséria que restou agravada no Brasil pela pandemia de covid-19, e informa que tomará todas as medidas judiciais cabíveis para o integral cumprimento da sentença proferida, a fim de que o Município de Criciúma ofereça à população os serviços da Casa de Passagem em conformidade com a norma federal que a criou, sem qualquer coação dos usuários e sem discriminação social, de cor ou de origem nacional dos acolhidos.

Mariana Pereira de Queiroz Carraro
Defensora Pública-Chefe Federal
Defensoria Pública da União em Criciúma (SC)

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