Criciúma não tem pista sintética para os praticantes do atletismo. Quem quiser treinar, a melhor alternativa é o terreno de chão que circunda um gramado no campus da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc). Foi ali que a jovem Ana Cláudia Lemos começou uma trajetória que a fez alçar voos altos e que a levaram a disputar, há poucos dias, os Jogos Olímpicos de Tóquio. Como já esteve antes, também, em Londres e Pequim.
Continua depois da publicidade
> Receba as principais notícias de Santa Catarina pelo Whatsapp
Descoberta nas corridas das aulas de Educação Física da professora Sabrina Cassol na Escola São Cristóvão, e depois em um festival de atletismo da Fundação Municipal de Esportes (FME) de Criciúma, Ana, então com 19 anos, viveu uma emoção inesquecível naquele 2008. Dona do quarto melhor tempo do Brasil, e treinada em Criciúma pelo ex-atleta Roberto Bortoloto, ela foi convocada pela Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) para compor o time que cruzaria o mundo para disputar os Jogos Olímpicos de Pequim. – Foi tanta emoção – recorda hoje, já portadora de um vasto currículo.
Ana Cláudia foi reserva da equipe brasileira medalha de bronze no 4×100 em Pequim, em 2008. Quatro anos depois, ela já era titular da equipe que foi à final e terminou na sétima posição. Convocada para os Jogos Rio 2016, a atleta sofreu uma lesão perto das disputas, e teve que ser cortada. Em Tóquio, integrou o time que acabou em décimo primeiro.

> Governadores chamam Bolsonaro para reunião sobre democracia
Continua depois da publicidade
Em Criciúma, com a família
Mas como boa atleta que é, mesmo vivendo o topo do atletismo mundial na condição de uma das referências da modalidade no Brasil, Ana Cláudia não esquece as origens. E sempre que pode, visita Criciúma, sua terra adotiva desde muito criança quando a família deixou Jaguaretama, no Ceará, para ganhar a vida no Sul de Santa Catarina. – Eu treinava em pista de carvão, enquanto minhas concorrentes já trabalhavam em pistas mais avançadas – contava, na época.
E nessa de não esquecer as origens, Ana Cláudia passou por Criciúma na última semana. Não poucas vezes, ela foi questionada sobre o desempenho em Tóquio, onde a equipe brasileira terminou o revezamento 4×100 metros em décimo primeiro lugar. – Fica um gosto de quero mais e, ao mesmo tempo, feliz por ter ido a Tóquio. Infelizmente não deu para ir à final – lamentou.

Mas Ana Cláudia não perde tempo, e passados os poucos dias para curtir familiares em Criciúma, ela já está de volta aos treinamentos em São Paulo. O foco: 2024. – Meu objetivo nesse novo ciclo é melhorar meus resultados individuais e ir a Paris tentar uma final individual. É a minha grande meta depois de quatro Olimpíadas. Vamos seguir trabalhando para chegar melhor em Paris – revelou.
> Estados prometem polícias nos limites da legalidade
Quer fazer história em Paris
Logo, Ana Cláudia tem por meta representar o Brasil nas disputas individuais de velocidade nos próximos Jogos Olímpicos. Ela entende que é hora de, pela primeira vez na história, uma atleta sul americana chegar numa final olímpica em provas como os 100, 200 e 400 metros rasos. – Nas provas de velocidade nunca tivemos uma brasileira ou velocista da América do Sul em finais femininas. Tivemos um colombiano agora que foi prata nos 400 metros, mas mulher nunca tivemos finalista individual. Seria um grande feito, já que temos Estados Unidos e Jamaica que dominam as provas de velocidade – comentou.
Continua depois da publicidade
Embora pareça muito tempo, esses 3 anos do mais curto dos ciclos olímpicos, de Tóquio para Paris, impõe um desafio. – São 3 anos, parece um período longo mas passa voando. Tenho que aproveitar – registrou a atleta. E o maior dos desafios está na conquista de um tempo para chegar numa final olímpica nas provas almejadas. – Se esse ano eu tivesse repetido meu melhor resultado nos 100 metros, que é 11seg01, eu teria ido para a final dos 100 metros, pois a oitava correu 11seg02 para ir à final. Se eu melhorar um pouco, eu consigo atingir a final em Paris, o que seria um grande feito para a velocidade e para mim, obviamente – sublinhou Ana Cláudia.

> Fumaça de queimadas de outras áreas avança sobre Santa Catarina
Ela é jovem ainda. Está com 32 anos. Em Paris, terá 35. – Hoje a idade deixou de ser um fator principal. Há uns anos a gente falava que nessas provas de velocidade, 30 anos já era idade um pouco mais avançada. Hoje temos exemplos, como a vice-campeã olímpica com 35 anos – observou.

– Se você se cuidou, vai ter uma vida atlética maior, como é o meu caso. Se eu não tivesse me cuidado fora, alimentação, eu não bebo nem fumo, odeio bebida e cigarro, que não condiz com atleta. Bem por isso estou tendo uma vida atlética um pouco maior, estou com 32 anos e até os 35 anos teremos a Ana Cláudia nas pistas. Depois a gente avalia – completou.
Continua depois da publicidade
> Justiça decreta falência da Carbonífera Criciúma
Precisa de apoio não só nas Olimpíadas
Os brasileiros se mobilizaram durante os Jogos Olímpicos. Torceram diante da TV e manifestaram, pelas redes sociais, um apoio incondicional, como nunca. Mas Ana Cláudia pondera que o esporte não pode ser esquecido até os próximos Jogos. – A gente percebeu que teve muito carinho e atenção, a visibilidade aumentou, com certeza. A gente só gostaria que isso se repetisse todos os anos, não a cada quatro anos que o atleta é lembrado. A gente não treina de ciclo em ciclo, a gente treina 4 anos para chegar na Olimpíada e fazer o melhor – ponderou. – Precisamos de mais apoio, de mais investimento no esporte, a gente se sustenta com os resultados. Às vezes somos esquecidos, e só somos lembrados nos Jogos Olímpicos – refletiu a corredora.
Ana Cláudia visitou uma escola na região de Criciúma durante a sua estada no Sul. Foi em Nova Veneza, acompanhada de seu primeiro treinador, Roberto Bortolotto. Ela aproveitou para conversar com os jovens sobre esporte e lembrou a importância de as escolas oferecerem esse tipo de orientação, como faz a escola do Bairro Bortolotto, onde o técnico que iniciou Ana Cláudia trabalha.

> Município do Sul contrata projeto para extensão da Interpraias
– Na escola não se fala dos esportes em geral, vai morrendo esse sentimento de acompanhar o esporte, que é saúde, é educação, é transformador. Chega 4 anos depois se fala de esporte de novo, mas a gente vive isso todo dia, é nosso emprego, no meu caso é o atletismo – destacou, preocupada.
Continua depois da publicidade
A polêmica dos agasalhos
Foi assunto entre os atletas olímpicos do Brasil nas últimas semanas o comportamento do time de futebol masculino. Quando da entrega da medalha de ouro, eles não usaram o agasalho da fornecedora do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) mas sim a da parceira da CBF.

– A gente quando vai às Olimpíadas a gente tem o uniforme do Comitê Olímpico, que a gente usa para subir ao pódio. No atletismo a gente usa uma marca nas pistas e fora, pelo Comitê, a gente usa o uniforme do patrocinador do Comitê – pontuou Ana Cláudia. – Isso de trocar o agasalho na hora do pódio, no atletismo, não acontece – emendou.
Os atuais incentivos
Ana Cláudia Lemos é uma das atletas brasileiras apoiadas pelo programa Bolsa Atleta na categoria olímpica. São recursos que colaboram para a experiência profissional da corredora, para se dedicar aos treinos e ter um sustento garantido.
– Eu faço parte do Bolsa Atleta na categoria olímpica, tem um patamar mais alto, para os medalhistas olímpicos. Eu sou olímpica pois participei dos Jogos de 2016. Tem várias categorias, é preciso se enquadrar nos critérios – citou. – Claro que a gente gostaria de ter mais apoio. E isso vai melhorar quando o esporte for plenamente visto como transformador de vidas para esse investimento melhorar não só na Olimpíada, mas sempre – detalhou.
Continua depois da publicidade
Filiada à Sociedade Recreativa Mampituba, de Criciúma, Ana Cláudia visitou o clube, onde conversou com a diretoria e com outros atletas. A atleta mantém uma rigorosa rotina diária de treinamentos, que concilia com suas atividades de dona de casa. – Sim, eu cuido da casa também – contou.

> Brasileiros, mexicano e boliviano são presos por furtar avião
E sobre o futuro? Ana Cláudia reconhece que ainda não tem claro o que fará depois da carreira nas pistas. – Eu ainda não me descobri em outra área. Até fiz Educação Física por um tempo mas não me vejo trabalhando com isso. Eu sou do esporte mas não consigo me ver dando aula como professora, eu não tenho essa habilidade de ser uma professora. Eu estou me descobrindo para fazer algo quando terminar minha carreira atlética – disse.
Cautelosa com a Covid
Ana Cláudia Lemos já tomou as duas doses da vacina contra a Covid-19. E evitou aglomerações em sua passagem por Criciúma. – Não vi muita gente, eu tenho medo, em respeito a mim e às pessoas. Fui uma vez em Nova Veneza visitar a escola e em Criciúma fui no clube – confirmou.
Continua depois da publicidade
Mas em um dos momentos, uma conversa em grupo foi inevitável. No Mampituba, com todos os cuidados respeitados, Ana Cláudia conversou com cerca de 30 crianças e adolescentes de diversas modalidades esportivas mantidas pelo clube. Ela contou sua trajetória no esporte, as passagens pelos Jogos Olímpicos de Pequim, Londres e Tóquio e tirou dúvidas.

– O sonho não para. O trabalho também. Tirar férias é bom, mas retomei os treinos com foco no Pan Americano, no Mundial e nas próximas Olimpíadas – finalizou.
Leia também:
> Eduardo Moreira pede união do MDB depois das prévias
> Investimento vai dar cara nova à Rodovia Alexandre Beloli, em Criciúma