* Por Keli Magri, interina.

Com metade das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e Centrais de Geração Hidráulica (CGHs) em operação e aporte de R$ 134 milhões para financiamento de obras nos últimos dois anos, o Oeste de Santa Catarina aposta na geração de energia como novo vetor de desenvolvimento econômico. A região, que já é forte no agronegócio e em tecnologia e inovação, busca tirar proveito do relevo acidentado e da boa quantidade de água dos rios para suprir uma demanda nacional. E já começa em alta: conta com um terço dos recursos destinados para construção dos empreendimentos. O montante ajuda a destacar Santa Catarina no setor, que só perde para o Paraná, Minas Gerais e a região Amazônica na produção de energia elétrica no país. Aqui, 12,3% do recurso gerado vem de PCHs e CGHs.

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De olho no mercado que viu crescer a abertura de crédito para o setor e tornou mais ágeis as licenças ambientais, não faltam empreendedores. No município de Águas Frias, de apenas 2 mil habitantes, distante 50 quilômetros de Chapecó, um novo modelo de negócio busca encurtar caminhos para a construção das PCHs e CGHs. Um grupo de investidores criou uma Sociedade de Propósito Específico (SPE Brasil Sul Energia) para tornar os agricultores, donos das terras atingidas, sócios das centrais geradoras. A estratégia elimina uma das etapas mais conflitantes e caras do processo, a desapropriação, e, mesmo entre incertezas e garantias, tem ganhado adeptos.

Isso porque, com os donos dos pontos onde há a intenção de construir as obras juntos na sociedade, é mais fácil para SPE vencer a concorrência para explorar os locais. Por outro lado, é uma promessa de ganho financeiro a médio e longo prazo aos produtores.

– Quem apresentar mais áreas de terras no projeto à Aneel (Agência Reguladora de Energia Elétrica), leva, porque é um procedimento a menos. Também é uma forma de inclusão, não de imposição. Sinaliza interesse social, além do econômico – argumenta Rousty Rolim de Moura, presidente da Brasil Sul Energia, cujos pai, Rui, já falecido, e tio, Ricardo Rolim de Moura, foram precursores da modalidade no município em 2009.

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– Estudamos o negócio e adquirimos expertise por entender que o setor é a bola da vez. Não há desenvolvimento sem energia – projeta Rousty, que largou o Direito para administrar a SPE.

Quando Rui era prefeito do município, explica Ricardo, percebeu o mercado porque diversas usinas queriam se instalar na cidade.

– Pensamos: por que não trazermos o modelo para que as pessoas daqui possam investir? Aí o dinheiro gira aqui, o município e a região se desenvolvem – afirma Ricardo, que agora ocupa o cargo que era do irmão na prefeitura e conta com o retorno do Imposto Sobre Serviço (ISS) e Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) gerados pelas obras no município.

A Brasil Sul Energia, gerida por Rousty e pelo grupo de sócios, tem diretoria técnica, conselho administrativo e fiscal. Gerencia três subsidiárias na Bacia do Rio Burro Branco, que corta os municípios próximos, uma PCH e duas CGHs, que juntas somam investimento de R$ 83,5 milhões e capacidade de geração de 12,2 megawatts (MW).

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Há outras cinco PCHs na Bacia do Rio Chapecó que, junto às anteriores, totalizam 200 investidores (50 deles agricultores), R$ 665 milhões em investimentos e 134 MW gerados, suficiente para abastecer 156 mil unidades consumidoras por um mês. Apenas duas estão gerando energia. As demais têm prazo para começar até 2022.

Permuta de terras se torna investimento aos agricultores

O morador da Linha Suspiro, em Nova Erechim, produtor de leite e aves, Eraldo Piovesan, aguarda a licença ambiental da PCH Riu Chapecó para permutar os dois dos 14 hectares de terras atingidos pela barragem. Quando isso acontecer, ele se torna sócio com 0,5% das cotas do empreendimento, cujo custo é de R$ 130 milhões com capacidade estimada em 23 MW.

A PCH tem 118 investidores, 20 deles agricultores como Eraldo.

A promessa de ganho semestral de até 1,5% do valor investido motivou Eraldo a tornar-se sócio de outros sete empreendimentos com expectativa de ganhos de até 30 salários mínimos em 10 anos. Ele investe R$ 5 mil mensais em cotas à espera do retorno. Por enquanto, apenas uma das PCHs investidas está distribuindo lucros, a Pito de Campos Novos, que passou a gerar energia em 2016.

A distribuição é anual e pode se tornar semestral em três anos, de acordo com a Sociedade Brasil Sul Energia.

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– No ano passado, a Pito deu lucro de R$ 1 milhão, pagando o financiamento: R$ 400 mil foram rateados entre os investidores e R$ 600 mil destinados para fundo de reserva – destaca Eraldo, que diz ter recebido mais de quatro salários, valor ainda baixo devido à amortização dos juros do financiamento.

É que todos os empreendimentos têm 65% do custo financiado ao juro de 12,6% ao ano pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), via Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), com prazo de 20 anos para pagar, dos 30 da concessão.

– Os primeiros anos serão de menos lucros por isso. O retorno é gradativo e depois de quitado o financiamento chega a até 1,5% do valor investido – estima o presidente da Brasil Sul Energia, Rousty Rolim de Moura.

Para Piovesan, que com a esposa e o filho criam 10.500 frangos por lote e têm 30 vacas de leite, mesmo sem valor e prazos exatos de retorno, o investimento vale a pena:

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– Vejo uma possibilidade de se aposentar mais cedo, de conseguir uma renda extra, uma aposentadoria maior e vitalícia. Outra PCH, a Santo Antônio deve gerar lucro de R$ 5 milhões mensais. Um por centro disso dá R$ 50 mil por mês. O custo da cota é de R$ 250 mil. É uma ótima taxa de retorno.

O casal de agricultores de União do Oeste, Sidani Dalpiva e Sadi Dalpiva também permutou a área de terra para se tornar investidores. Eles venderam os três hectares para abrigar a Casa de Força da CGH Aparecida, construída no município vizinho Jardinópolis. Receberam R$ 78 mil em dinheiro e investiram os R$ 40 mil restantes nos nomes dos dois filhos. Sobraram ainda 4,5 alqueires que servem para criação de gado.

Os dois moram em União do Oeste e devem receber em fevereiro do ano que vem a primeira parcela da distribuição da CGH, que começou a gerar energia em novembro.

Nestes dois meses de operação, a PCH Aparecida gerou em média

R$ 241,9 mil de receita mensal. Cerca de 20% fica para despesas com operação, manutenção e financiamento.

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Fontes de financiamento incentivam setor

Há dois anos, o governo do Estado lançou o programa SC+Energia para incentivar os investimentos em geração de eletricidade de fontes limpas e renováveis e anunciou a contratação de 28 novos servidores na Fundação de Meio Ambiente (Fatma) para agilizar as licenças ambientais, além de crédito de R$ 1 bilhão do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) para financiamentos das obras. De acordo com a instituição, desde então, foram liberados R$ 195,5 milhões para construção de PCHS e CGHs no Estado em 19 contratos. Destes, 11 empreendimentos e

R$ 134 milhões foram para o Oeste.

Segundo Felipe Castro do Couto, gerente de planejamento do BRDE no Estado, a fonte dos recursos é o BNDES.

Já a Fatma, até 2015 tinha 400 pedidos de licenças para construção de PCHs e CGHs no Estado. De lá para cá, recebeu mais 61 requerimentos de Licença Ambiental Prévia (LAP), que é a primeira no processo de licenciamento.

De acordo com o órgão, o Estado tem 120 PCHs/CGHs com licenças válidas para operação, 63 para construção e sete para ampliação. Na fase de viabilidade (LAP), há 68 licenças.

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Segundo a diretora de licenciamento da Fatma, Ivana Becker, há uma demanda grande no Estado para construção de CGHs, pelo potencial hidrelétrico e por tamanho e impacto ambiental menores. Para agilizar as licenças, a Fatma descentralizou o processo de licenciamento para as coordenadorias regionais, com apoio da sede.

– Temos muitas demandas, mas procuramos dar atenção às licenças para PCHs/CGHs porque a geração de energia é importante para o Estado. A descentralização dos processos tem dado mais agilidade ao trabalho.

Impactos preocupam especialista

Enquanto a defesa dos investidores do Oeste está no menor impacto ambiental causado pelas PCHs/CGHs, na inclusão dos proprietários de terras e na promessa de desenvolvimento regional, o doutor em Ciências Sociais e professor da Universidade Fronteira Sul (UFFS), Humberto José da Rocha, defende que o assunto merece mais debate.

Segundo Rocha, que há 10 anos estuda os impactos da geração de energia no país, SC está entre os principais estados na geração de energia e se destaca como um dos maiores do país quando o assunto é PCHs, especialmente o Oeste. Pela geografia, relevo acidentado e quantidade de água.

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Rocha afirma que investir na construção de PCHS e CGHs virou tendência na região, pelo fato das usinas hidrelétricas já terem atingido a fronteira. Mas para ele, o real impacto, a inserção de agricultores e a promessa de desenvolvimento regional merecem melhor análise.

– Sob o aspecto ambiental, o rio Chapecó, por exemplo, tem capacidade para construir uma grande usina hidrelétrica, mas também tem para várias pequenas. Inclusive há projeto para a construção de nove PCHs só neste rio. A pergunta é: será que empilhar nove PCHs não é parecido com construir uma usina? Daqui a pouco teremos uma sucessão de lagos sem peixe.

É preocupante – alerta.

O questionamento se alinha à incerteza do desenvolvimento regional destacado pelo professor. Num dos estudos que o especialista desenvolveu, é comparado o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos municípios com usinas em relação aos que não têm nenhuma.

– O desenvolvimento é o mesmo, com ou sem usina, exceto nos municípios que recebem ICMS. Nos outros, o retorno não compensa o impacto da perda das terras. Ou seja, não há crescimento.

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Rocha recomenda verificar caso a caso e cautela na hora de avaliar vantagens e desvantagens do investimento dos agricultores, principalmente o custo e a forma de rateio do retorno financeiro:

– As grandes empresas geradoras de energia têm know-how, lobby político, dinheiro público para investir e produção já comprada. O agricultor tem o que eles não têm, o recurso natural, o rio. Essas empresas, tendo o dono, facilitam  sua entrada na região e pulam o processo de encarar as manifestações sociais diante das desapropriações. Vejo como estratégia para pular as indenizações.

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