Quem acompanha de perto a política ambiental no Brasil sabe que as grandes inimigas da preservação são as entrelinhas. Temos uma legislação complexa, com uma margem bastante elástica para interpretações. Isso nos leva, por exemplo, a decisões judiciais que privilegiam o reflexo econômico imediato em detrimento do passivo ambiental a longo prazo.
Continua depois da publicidade
> Análise: Como o ‘estouro da boiada’ de Ricardo Salles afeta Santa Catarina
Resoluções como as que foram derrubadas esta semana, pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), servem como salvaguarda para os malabarismos interpretativos. Colocam freio em situações que não foram bem especificadas pela lei – como a faixa de restinga a ser protegida no Litoral brasileiro, por exemplo.
A coluna do colega Renato Igor, neste domingo, trata como “histeria coletiva” uma discussão complexa e abrangente, que poderá resultar em um avanço de setores da hotelaria e da construção civil sobre áreas, até então, protegidas pela resolução.
> Renato Igor: Histeria coletiva nas resoluções do Conama
Continua depois da publicidade
É evidente que mangues e restingas continuam atendidos pelo Código Florestal de 2012. E isso não foi omitido nas discussões a que assistimos ao longo da semana. Ocorre que a resolução derrubada especificava, por exemplo, que a área de restinga a ser protegida era de 300 metros a partir da linha da praia. Também preservava as dunas móveis, bem comuns em Florianópolis.
A lei é bem menos rigorosa e não inclui nem uma situação, nem a outra. Isso significa afrouxamento das normas.
A “histeria coletiva” a que se refere o colega é o alerta feito não apenas por instituições que atuam diretamente na preservação ambiental. Mas também por diferentes entidades de classe, como a dos Pescadores Artesanais do Brasil, e por órgãos como o Ministério Público. Será que promotores e procuradores que atuam diretamente na questão ambiental não conhecem o limite da lei?
Em entrevista à coluna, no início da semana, a procuradora Analucia Hartmann, do Ministério Público Federal (MPF), chamou atenção para o risco de abrir brechas para judicialização de questões que estavam pacificadas. E lembrou que algumas batalhas podem ser perdidas no meio do caminho.
Continua depois da publicidade
A promotora de Justiça Luciana Pilati Polli, coordenadora do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente do MPSC, escreveu a respeito: “Em Santa Catarina, não é de hoje que a cobiçada faixa litorânea sofre fortes pressões imobiliárias e econômicas. No MPSC, não faltam investigações e ações civis públicas para tentar impedir a destruição da natureza e garantir a sua recuperação. Se a luta pela preservação ambiental já é inglória com toda a legislação vigente, muito mais penosa se torna com as inconsequentes flexibilizações”.
É necessária uma boa dose de inocência para não supor que há interesse de determinados setores da economia nas regras menos restritivas. Ou um recorte ideológico.
No caso específico das restingas e manguezais, afrouxar a proteção traz o risco de afetar a filtragem natural dos oceanos e a oferta de peixes e crustáceos. Além de facilitar a erosão das praias, destituídas da vegetação original. E isso tem preço – que o diga Balneário Camboriú, que pagará R$ 66 milhões pela recomposição da faixa de areia.
Há uma visão enviesada em alguns setores no Brasil, que veem a proteção ambiental como entrave a um tipo questionável de desenvolvimento. Com um pouco de boa vontade, descobririam que o meio ambiente preservado é garantia de turismo sustentável, abastecimento, equilíbrio ambiental. Ativo econômico, portanto.
Continua depois da publicidade
O colega colunista classifica de “desonestidade intelectual e visão turva da realidade” a defesa das resoluções derrubadas pelo Conama. Eu chamaria de bom senso.
Participe do meu canal do Telegram e receba tudo o que sai aqui no blog. É só procurar por Dagmara Spautz – NSC Total ou acessar o link: https://t.me/dagmaraspautz