Um levantamento divulgado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) aponta que Santa Catarina é o segundo estado no país com mais registros de assédio judicial contra jornalistas, atrás apenas de São Paulo. São casos em que os processos judiciais são utilizados de forma abusiva para constranger, censurar ou ameaçar o direito da sociedade à informação. Nesta quarta-feira (22), o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para declarar inconstitucional esse tipo de constrangimento.
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Foram 76 casos em SC nos últimos anos, atrás apenas de São Paulo, que registrou 133. Os dados integram o Monitor de Assédio Judicial contra Jornalistas no Brasil, projeto da Abraji em parceria com a Unesco, que acompanha o avanço dos processos abusivos contra jornalistas no país.
O relatório explica que o assédio judicial não é uma busca de reparação pontual e proporcional pelo dano causado por um erro jornalístico ou uma reportagem mal feita – mas a utilização imprópria e abusiva do Judiciário “com o propósito, ou o efeito provável, de exaurir o jornalista processado – financeira, psicológica ou até fisicamente – e intimidar o livre exercício da produção e divulgação de informações de interesse público”. A prática atinge a própria democracia, que tem na liberdade da atividade jornalística um de seus princípios basilares.
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– Não se trata de dizer que as pessoas não podem recorrer a seus direitos, buscar o Judiciário para isso. Mas o que temos percebido é que muitas das ações propostas têm claramente a intenção de silenciar, de calar, de criar um constrangimento, uma intimidação, para que esse jornalista, esse profissional, pare de falar sobre aquela pessoa, ou pense duas, três vezes, antes de falar sobre um determinado assunto, uma determinada autoridade ou pessoa da sociedade que é alvo de alguma questão de interesse público – diz a presidente da Abraji, Kátia Brembatti.
A entidade é autora da ação contra o assédio judicial que está em debate no Supremo.
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Essa utilização abusiva do Judiciário pode ocorrer de diferentes formas. Em alguns casos, são abertos múltiplos processos por uma única reportagem, ou as ações são ajuizadas contra o jornalista ou a empresa jornalística em diferentes locais de forma simultânea, dificultando a defesa. Há ainda situações de utilização de recursos de forma desproporcional, o que transforma as ações em disputas desiguais, e outras em que jornalistas são punidos com altas indenizações ou mesmo com risco de prisão.
Foi o caso da jornalista catarinense Shirlei Alves, condenada em novembro do ano passado a prisão em regime aberto e a pagar R$ 400 mil em indenização por danos morais ao juiz e ao promotor do caso Mari Ferrer. A jornalista foi responsável por trazer à tona, no site The Intercept Brasil, as imagens da audiência do caso em que a Ferrer foi desqualificada pelo advogado do acusado, que foi inocentado. A pena escandalosa foi vista pelas entidades como um caso concreto de assédio judicial.
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A grande quantidade de ações em Santa Catarina é vista com preocupação pela Abraji. O Monitor identificou que o Estado tem dois dos maiores autores de processos contra jornalistas: o empresário Luciano Hang, que lidera o ranking nacional, e a deputada federal Julia Zanatta (PL), que está em quinto lugar.
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– A situação de SC chama muita atenção porque, proporcionalmente, não é o estado mais populoso, que deveria estar no topo do ranking. Fica muito clara uma animosidade, um tom mais combativo ao trabalho da imprensa. Isso se dá a partir de vários processos que foram movidos ou por empresários conhecidos da região, ou por políticos, que quando se sentem contestados, desagradados, recorrem amplamente ao Judiciário. Outro fator são determinados membros do Judiciário e do Ministério Público que processaram diversos jornalistas ao mesmo tempo, e isso fez com que aumentasse, inflasse o numero de casos. Para nós, a situação de SC é preocupante porque sentimos o tom bélico na relação com a imprensa. Gostaríamos de mostrar que prestamos um serviço à sociedade, que a gente erra, sim, e precisa se corrigir quando erra, mas o interesse público precisa vir em primeiro lugar – diz Brembatti.
A Abraji tem tentado sensibilizar o Judiciário para que adote o termo assédio judicial, que ainda não é usado no Brasil – o que deve mudar com a decisão do Supremo que torna a prática inconstitucional. De acordo com a entidade, uma Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) permite que os juízes rejeitem as ações quando identificarem que se trata de uma tentativa de intimidação.