O presidente Jair Bolsonaro tentou dar um verniz de coerência à saída de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde, um mês atrás. Trocou um médico bem articulado, que vinha tirando as asinhas de fora no quesito popularidade, por outro menos à vontade nos anúncios oficiais e mais submisso. Na prática, porém, Nelson Teich apresentou a mesma falha para o presidente da República: insistiu na ciência.
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O que deveria ser qualidade em um ministro, para Bolsonaro é um terrível defeito. Médicos alinhados a qualquer espectro político, da esquerda à direita, fazem um juramento que coloca a vida em primeiro lugar. E isso torna o embarque nos disparates negacionistas do governo em relação ao novo coronavírus uma aventura com consequências morais e éticas, difícil de engolir.
O resultado é que, em meio à maior crise sanitária da história mundial recente, o Brasil vive um novo sacode político com mais uma troca ministerial. Um mês atrás, escrevi que Bolsonaro, ao forçar a saída de Mandetta, provocou uma troca de motorista com o carro em alta velocidade. Faz o mesmo, agora, em relação a Teich. Com o agravante de que o número de mortos no país já chegou aos 800 em um único dia. Uma tragédia.
Não havia mais clima para Teich se submeter ao escracho público. A expressão do ex-ministro ao saber pela imprensa, em meio a uma coletiva, que o presidente da República havia liberado atividades sem consultá-lo, esta semana, indica que a demissão era questão de tempo. O ultimato foi o “pito”, também público, por falta de apoio à cruzada presidencial pelo uso da cloroquina. Sobrou ao médico a porta dos fundos.
O país afunda na pandemia com um presidente obcecado por teorias conspiratórias, que nos coloca em um seleto e abjeto grupo de países liderados por negacionistas do isolamento social: a Nicarágua do autocrata Daniel Ortega, El Salvador de Nayib Bukele, o ditador do Turquemenistão, Gurbanguly Berdymukhamedov, e o Brasil de Jair Bolsonaro. Os números da pandemia agravam, e o presidente insiste em permanecer na contramão.
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No episódio da substituição de Mandetta por Teich, houve quem defendesse Bolsonaro porque a estrela do ministro brilhou demais. As primeiras análises eram de que a vaidade do presidente falava mais alto. Pois esta nova crise aponta que o problema é mais grave.
Quem aceitar embarcar no governo para administrar a Saúde neste contexto terá que aceitar, obrigatoriamente, remar uma canoa furada. Precisará apoiar medidas que colocam as vidas de milhões de brasileiros em risco, a despeito das orientações das autoridades de saúde, e do exemplo que vem do resto do mundo civilizado.
Em última medida, será também corresponsável pelo agravamento da crise econômica, já que a postura do Brasil em relação à pandemia coloca o risco do país nas alturas e provocará um estrago maior do que os lockdowns.
Nenhuma biografia resistirá ao choque de realidade de uma pandemia que colocou de joelhos, e dentro de casa, até as maiores economias do mundo. Exceto as que já estão manchadas pela descrença em dados científicos e pela insistência em difundir a desinformação. E é aí que mora o perigo.
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O popular Mandetta, que pulou fora a tempo de evitar dano maior ao próprio currículo, fez uma previsão sombria para o futuro esta semana. Entrevistado pela CNN internacional, relatou o desgaste de trabalhar para um presidente que empurra os brasileiros para fora do isolamento social e das medidas que podem poupar a vida de milhares de pessoas. A história, alertou o ex-ministro, vai dizer quem estava certo e quem estava errado.
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