Dois episódios dos últimos dias mostram que há algo confuso no conceito de democracia pairando no ar. O primeiro deles foi a reportagem do site Metrópoles, que divulgou conversas de um grupo fechado de empresários – entre eles, catarinenses – defendendo um golpe. O segundo, post do colega Renato Igor que mostrou em sua coluna que a Associação Empresarial de Florianópolis (Acif) excluiu partidos de esquerda de seu “diálogo com os candidatos”.
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No caso da Acif, a justificativa da entidade é que não poderia ouvir candidatos que não estejam alinhados a seus princípios e valores. Alguém bem intencionado pode dizer que uma entidade pode chamar quem quiser à sua “casa”. É verdade. Mas excluir todo um espectro político do debate não é democrático. Pelo contrário, trata-se de um grave ataque à liberdade de expressão.
Décio Lima, candidato ao governo pelo PT, chamou de “inimaginável” a postura da entidade e disse estranhar que outros candidatos não tenham se manifestado para repudiar a atitude. E ele está certo. Uma entidade de classe deveria dialogar com todos os setores da sociedade. Aliás, será que todos os associados concordam com o cerceamento do debate? Em que não ouvir a esquerda beneficiará os empresários de Florianópolis?
No caso das falas privadas no grupo de empresários, revelado pelo Metrópoles, os dois catarinenses que participam da conversa se manifestaram ao longo da semana. Luciano Hang, da Havan, disse à Folha de S. Paulo que pouco fala no grupo de onde saíram as conversas reproduzidas pela reportagem.
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“Vejo que meu nome vende jornal e gera cliques. Me envolvem em toda polêmica possível, mesmo eu não tendo nada a ver com a história”. “Sou pela democracia, liberdade, ordem e progresso”, afirmou.
Responsável por algumas das falas de maior repercussão divulgadas pelo Metrópoles, Marco Aurélio Raymundo, o Morongo, da Mormaii, foi procurado pela coluna e disse que não falará sobre o assunto por enquanto. “Após o termino destas narrativas analisaremos e daremos talvez alguma resposta”, afirmou. Nas as conversas divulgadas, ele diz que “Se for vencedor o lado que defendemos, o sangue das vítimas se tornam [sic] sangue de heróis! A espécie humana SEMPRE foi muito violenta. Os ‘bonzinhos’ sempre foram dominados… É uma utopia pensar que sempre as coisas se resolvem ‘na boa’”.
Ao UOL, Morongo disse que usou figuras de linguagem:
“Não apoiei, não apoio e não apoiarei qualquer ato ilegítimo, ilegal ou violento, e destaco que uso de figuras de linguagem que não representam a conotação sugerida”.
Os dois episódios se aproximam pelo conceito enviesado do que é democracia – e pela falta de compreensão de que, para existir, ela pressupõe discordância, dissidência, e respeito à vontade popular. Ainda que se discorde dela. É da diferença que se constrói uma sociedade politicamente madura e saudável. O que vivemos hoje, com a intolerância ao dissenso, é o sintoma da “democracia de rede social”, onde se fala e se ouve dentro da própria bolha.
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As duas situações vêm após um início de campanha que foi marcado, em Santa Catarina, por dois debates entre os candidatos a governador – um deles, promovido pela NSC – em que prevaleceu a batalha de ideias, sem excessos. Um bom exemplo.
Nesta segunda-feira, começa no Jornal Nacional a série de entrevistas com os candidatos à presidência. O primeiro a ser ouvido será o presidente Jair Bolsonaro (PL), e a ele se seguirão os demais candidatos competitivos. Será um espaço de fundamental importância para que os eleitores conheçam melhor os candidatos, fora do ambiente controlado das campanhas e das redes sociais, onde eles manejam o discurso. Um exercício de democracia, como ela deve ser.