O caminho que levou Santa Catarina a ter um governador afastado pela segunda vez, em cinco meses, passa por um projeto de poder que foi movido sem sutilezas em 2020 pela Assembleia Legislativa. Um movimento que ruiu pelo voto dissidente do deputado Sargento Lima (PSL), no julgamento do primeiro impeachment em outubro do ano passado.
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Um governo fraco, politicamente inábil e acuado por uma compra fraudulenta criou a janela de oportunidade para que o então presidente da Alesc, deputado Julio Garcia (PSD) – hoje afastado e licenciado – vislumbrasse a cadeira de governador. É no âmbito desse projeto que a crise política de Santa Catarina se constrói.
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A Alesc acuou o governo com não apenas um, mas dois processos paralelos de impeachment. Necessário pontuar que o impedimento é um instrumento democrático constitucional e legítimo. Nem por isso, deixa de chamar atenção a agilidade – e, por vezes, o pouco verniz republicano – com que os processos foram conduzidos pelo parlamentar que estava na linha direta de sucessão e andava às voltas com problemas na Justiça decorrentes da Operação Alcatraz.
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O projeto de ascensão do Legislativo ao Governo do Estado atropelou Moisés até o julgamento do primeiro impeachment, em outubro do ano passado, quando Sargento Lima livrou Daniela Reinehr (sem partido) do processo e afetou os planos sucessórios. Surpreendido pelo governo indesejado da vice, o Parlamento operaou a guinada que ficaria conhecida como ‘operação salva Moisés’. Se antes o projeto passava pela destituição do governador, agora consistia em resgatá-lo.
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Moisés retornou ao poder em um custoso acordo de paz. O novo governo nasceu mais político, mais aberto, mas também mais receoso com a hipótese de desagradar os novos aliados. Uma conjunção de fatores que empurrou Santa Catarina para uma gestão negligente da mais grave crise sanitária que o Estado já enfrentou. Para salvar a pele, Moisés escolheu não governar.
O novo afastamento do governador ocorre num momento delicado, em que o Estado enfrenta recorde de mortes e casos de Covid-19. Nesse contexto, coube ao desembargador Luiz Antônio Fornerolli, o último membro do TJSC a se manifestar no Tribunal de Impeachment, já quase na madrugada de sábado, apontar para o elefante na sala. O magistrado ressaltou que o processo de impedimento, que os deputados tentavam arquivar, foi gestado pela própria Assembleia Legislativa e aceito com ampla maioria no ano passado – com 36 votos, dos 40 possíveis.
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O governador pode retornar ao cargo quando o processo de impeachment chegar à próxima fase. Para ser derrubado em definitivo são necessários sete votos de dez, que hoje o Tribunal de Julgamento não tem. Mas, mesmo que retorne, o processo o desgasta ainda mais politicamente e terá efeito em 2022, quando os catarinenses voltarão às urnas. Neste momento, os planos de reeleição que Moisés começou a acalentar quando se livrou do primeiro impeachment, no âmbito da ‘operação salvamento’, soam improváveis.
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Nos próximos dias, o Estado terá uma nova governadora. Entrave ao projeto de poder nascido na Alesc, Daniela Reinerh (sem partido) assume em meio ao período mais grave da pandemia, com catarinenses morrendo na fila de espera por um leito de UTI. A nova governadora é mais alinhada ao governo federal, que também vive uma fase de transição no Ministério da Saúde – o que faz da condução da crise um incômodo ponto de interrogação.
O Estado que sairá dessa sucessão de crises políticas, em meio a uma crise sanitária sem precedentes, ainda é uma incógnita. No momento, Santa Catarina experimenta as consequências imprevisíveis de um projeto mal ajambrado que ruiu, forçou a Alesc a uma guinada política e a sustentar um esforço de salvamento sobre o qual os parlamentares não têm mais controle. É o que os cientistas chamam de teoria do caos.
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