Você, que é ou já foi adolescente, pode imaginar o quanto é constrangedor ser chamado pela direção da escola porque está vestindo uma roupa inadequada? Pior: imagine que a tal peça de roupa é um short, que você vestiu para enfrentar o dia mais quente do ano na abafada Blumenau.

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A polêmica orientação da diretoria de uma escola estadual teria como objetivo evitar casos de assédio. Um suposto cuidado, que carrega um problema conceitual. O fato de responsabilizar as meninas – e as roupas que vestem – por eventuais investidas dos garotos.

Culpar as vítimas de assédio sexual pelo comportamento violento ou inapropriado dos homens é uma questão cultural combatida pela ONU. E é o que faz as mulheres, no Brasil, viverem sob a sensação de constante ameaça. Uma rotina de preocupações e cuidados, para evitar o assédio, que retira das mulheres o bem mais caro ao ser humano: a liberdade.

Veja um exemplo. No ano passado, uma pesquisa dos institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, feita com apoio da Uber, mostrou que 97% das brasileiras com mais de 18 anos já passaram por situações de assédio sexual no transporte público, em táxis ou carros por aplicativo. Quase todas. E estamos falando somente do transporte.

O mundo não é seguro para as mulheres. Mas a escola, sim, deveria ser. E quando a escola opta por proibir as meninas de usar shorts acima do joelho, para prevenir o assédio, o recado que deixa às garotas é que, mais uma vez, a responsabilidade é só delas.

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Há outro aspecto nessa questão. Tal determinação também afeta os meninos. Afinal, se admitirmos que cabe às garotas cobrir as coxas, para se protegerem dos garotos, que juízo fazemos deles? Seres instintivos, incapazes de controlar impulsos?

Deixar para o mundo crianças e adolescentes que não reproduzam comportamentos misóginos e machistas é nossa obrigação. E a escola, depois da família, é o lugar certo para aprender, experimentar, debater. Para treinar a empatia e o respeito.

Meninos precisam aprender, desde cedo, que o corpo da mulher não é um objeto. E que uma peça de roupa não é um convite.

Se há casos de assédio na escola, a resposta deveria vir com um programa adequado de educação sexual, que discuta as relações entre os adolescentes – e os transforme para melhor. Sexo e gênero, palavra tão maltratada e mal compreendida, devem fazer parte da rotina escolar e do combate ao assédio. É precisamente para isso que servem.

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A reportagem do colega Lucas Paraizo ressalta que a escola onde ocorreu o problema é conhecida por ter uma visão avançada dos assuntos referentes à sexualidade. Enfrentou, em 2017, uma moção de repúdio da Câmara de Vereadores de Blumenau porque abriu espaço para uma discussão sobre diversidade sexual.

O episódio do short pode ter sido um lapso, um arranhão. Mas que pode ser revisto. O momento é de revisarmos e avaliarmos comportamentos arraigados, pensamentos retrógrados. Nunca é tarde demais.

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