Ildeu de Castro Moreira é um dos principais nomes do país em iniciação científica. Doutor em Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde é professor do Instituto de Física e do programa de pós-graduação em história das ciência, ele é o atual presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A entidade tem estado à frente de movimentos para o fortalecimento da ciência e pela manutenção de recursos importantes para o fomento da pesquisa no Brasil.

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Em Florianópolis nesta segunda-feira, onde participa do seminário "Escola é Lugar de Ciência”, na Assembleia Legislativa, ele concedeu entrevista exclusiva à coluna, em que fala sobre educação, o movimento que rejeita dados científicos e a importância da pesquisa brasileira para a economia do país.

Entrevista: Ildeu de Castro Moreira

Qual o papel que a escola deve ter nesse momento de questionamento da ciência?

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A escola deve ensinar ciência direito. Se a ciência foi ensinada através da investigação, do contexto em que ela atua, vai ser mais difícil propagar as visões anticientíficas. O problema é que às vezes o ensino de ciências é colocado de uma maneira muito dogmática, e a pessoa não tem a percepção clara de que é um processo de construção do conhecimento. Fica parecendo uma questão de opinião, apenas. É claro que isso não responde tudo, a sociedade é muito complexa. Mas a escola tem um papel central nisso.

A escola brasileira está em condições de entrar nesse debate de maneira adequada?

Ainda não. Infelizmente, a educação científica no Brasil deixa muito a desejar. Os indicadores que temos, um deles é o famoso teste do Pisa, internacional, mostra que o desempenho médio geral dos jovens brasileiros está muito aquém do razoável em ciência, matemática, leitura. Isso é um problema muito sério, precisamos fazer uma transformação radical na educação brasileira, em particular na educação em ciência, e isso se faz por várias maneiras. Se olha para os outros países, mas não se imita o essencial que eles fizeram. Uma das coisas é que os professores têm qualidade de vida, formação adequada, qualificada. Não adianta formar um professor mais ou menos e esperar que dê aula interessante e motivadora para os alunos. Grande parte dos professores de ciências do Brasil, e falo por exemplo da área de Física, não têm formação na disciplina. Isso é um problema sério, mas que pode ser atenuado de certa maneira com formação continuada de qualidade. Mas isso também não tem sido feito. Então temos um problema de falta de professores qualificados, em geral condições de trabalho muito precárias, não tem valorização dos laboratórios, da experimentação, da investigação, e portanto o aprendizado torna-se chato, monótono, ou uma questão de opinião, de decorar coisas. Não de convencimento, de investigar junto, de ver como se chega ao resultado científico. Esse processo é muito raro na escola brasileira.

Tivemos em SC as inscrições encerradas para o seminário na Alesc muito rapidamente. E a reunião anual da SBPC teve recorde de inscritos este ano. O que isso representa?

Tem um interesse grande da sociedade brasileira, entre professores, jovens, e a população brasileira em geral. Temos pesquisas recentes que mostram que o brasileiro tem interesse na ciência, porque ela é importante para ele no cotidiano. A maioria não tem conhecimento mais aprofundado, tem uma formação em ciências mais frágil ao longo da sua vida, mas tem celular no bolso, tem Iphone, vai aos hospitais. A ciência permeia toda a atividade cotidiana das pessoas. Também oferece atividades profissionais diferenciadas. Essa percepção de que ciência e tecnologia são importantes está disseminada, mas é difusa, porque não se escora em educação de qualidade para a maioria das pessoas. O desafio que temos é melhorar a qualidade da educação básica.

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Qual o cenário da ciência no Brasil?

O quadro é quase catastrófico. Estamos em situação muito crítica, porque houve cortes graves nos últimos anos, a partir de 2014, tanto de investimento público quanto privado. Este ano, particularmente crítica, porque (atinge) agências fundamentais como CNPq, Finep, que já têm décadas, investem na ciência, no professor e também na educação básica, porque o CNPq por exemplo faz bolsas de educação científica para o Ensino Médio, que agora estão suspensas. O CNPq acabou de suspender as bolsas para os medalhistas de ouro da Olimpíada de Matemática da escola pública. São garotos e garotas que disputam com 18 milhões de jovens. Ganhavam uma pequena bolsa Junior para estimular o trabalho deles, poderem se deslocar para uma universidade próxima. E isso foi cortado. É uma questão dramática esta mensagem que está se passando para o jovem. O mundo todo está precisando que o Brasil se afirme na ciência, porque a competição internacional é muito grande, e a ciência e tecnologia é um elemento que distingue as nações. A riqueza das nações está escorada no conhecimento. O Brasil vinha melhorando no desenvolvimento científico significativamente nas ultimas duas décadas em termos de produção científica, situação das instituições de pesquisa, crescimento no número de doutores. Deu uma parada muito séria e agora estamos com uma ameaça, este ano, concreta. Temos um abaixo-assinado com 900 mil assinaturas, que vamos entregar no Congresso esta semana, pedindo que tenha recurso adicional para o CNPq pagar suas bolsas. Senão, a partir de setembro as bolsas de iniciação científica para os jovens, de mestrado, doutorado, vão ser suspensas. O CNPq tem dinheiro para pagar este mês, e mês que vem já não tem mais. É um recurso da ordem de R$ 330 milhões, que é pequeno em relação inúmeras outras iniciativas ou destinos de dinheiro público como pagar juros, pagar dívida pública, que são de uma escala estupidamente maior.

É uma questão de prioridade?

Claro, é uma decisão política. Dinheiro nessa escala para uma atividade desse tipo, prioritária para o país, que envolve o próprio desenvolvimento econômico. Sem ciência e tecnologia a chance de se recuperar economicamente é muito pequena. Ou vamos ficar vendendo commodities o tempo todo? E mesmo assim, quando se fala na soja, na mineração, ou no pré-sal, se esquece que aquilo ali tem muita ciência embutida. Já tem muita ciência mesmo nos produtos que o Brasil exporta com baixo valor agregado. Mas a gente pode botar muito mais.

Esse movimento de negação da ciência, com questionamento de dados científicos, é algo que próprio do Brasil ou em escala mundial?

Tem movimentos em escala mundial. A humanidade passa por ciclos, que se repetem. O mundo hoje está muito globalizado. A ciência e a tecnologia têm impacto na vida das pessoas, e muitos são negativos. Quando o uso da ciência é feito de maneira inadequada, resulta em piora das condições de vida das pessoas. Quando a automação é introduzida de maneira abrupta, pode gerar desemprego. Quando ciclos econômicos são encerrados porque a ciência criou um produto que desvalorizou aquilo que a população vendia, e isso já aconteceu no Brasil várias vezes, com o ciclo da borracha, por exemplo, o impacto tecnológico gera problemas sociais também. Só que no seu conjunto, (a ciência) tem proporcionado uma melhora significativa na vida das pessoas, e pode proporcionar desenvolvimento muito mais sustentável, se for usada de maneira mais inteligente. Essa equação faz com que muitas vezes setores da população se coloquem contra a ciência. Segundo, a educação, que em muitos países é precária. Isso cria uma visão sobre a ciência deturpada, e aí é mais fácil divulgar posições contrárias à ciência, e os movimentos anticiência surgem. Então tem uma razão que é contestação mais geral, sobre o impacto da ciência na vida e na sociedade, e tem esse que é recorrente de formação e escola ineficiente.

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De que maneira se reverte esse quadro?

O primeiro ponto é o professor. (É preciso) Ter formação adequada, ser entusiasmado, interessado, ter qualificação para se sentir seguro e transmitir de maneira adequada. E condições de trabalho adequadas, Incluindo salário, evidentemente, mas também laboratório, tempo na escola, valorização do que ele faz. O segundo ponto é que a escola e comunidade têm que valorizar esse tipo de ensino. Em países que têm sucesso na educação os pais e a comunidade interferem muito, discutem, participam das atividades. E o terceiro ponto é a questão do método. Quebrar esse ensino dogmático, livresco, que envolve decoreba, como se a natureza pudesse ser lida nas páginas de um livro apenas. É fundamental experimentar, investigar. Os institutos federais, colégios militares, e de aplicação universitária, no Pisa, o desempenho deles supera o de vários países da Europa. Porque eles têm ensino em tempo integral, professor com razoável condição de trabalho, laboratórios, ambiente escolar que favorece, e está voltando para investigação. A relação da ciência com a realidade fora da escola. Se você der condições para o estudante brasileiro, ele vai desempenhar bem como os dos países mais avançados do mundo. Isso a experiência mostra. O problema é que estamos com milhões de jovens brasileiros em condições escolares muito precárias.