Um dos maiores conhecedores do mercado de orgânicos na Europa, o francês Michel Reynaud não tem dúvidas de que o Brasil tem potencial para aumentar a produção e a exportação de produtos orgânicos. Membro do Conselho de Administração da International Federation of Organic Agriculture Movements (IFOAM), ele é vice-presidente do Grupo Ecocert, líder mundial na certificação de orgânicos para a agricultura e cosméticos, que também atua no Brasil.

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Em entrevista exclusiva à coluna, durante recente viagem ao Brasil, Reynaud falou sobre a política permissiva de autorização de novos agrotóxicos e sugeriu soluções para superar o problema do alto custo que os orgânicos têm para o consumidor final no Brasil.

Entrevista: Michel Reynaud

O Brasil tem adotado uma política mais permissiva em relação aos agrotóxicos. Que consequências isso pode trazer à aceitação do produto brasileiro no exterior?

Há um risco em termos de imagem ao Brasil para o consumidor europeu. Mas eu vejo ainda mais o risco de um aumento da contaminação dos produtos orgânicos por pesticidas, e isso poderia afetar a confiança de compradores e consumidores em relação aos produtos orgânicos brasileiros. A política permissiva está totalmente oposta ao que muitos países fazem como a União Europeia, reduzindo e banindo mais e mais pesticidas. Está bem demonstrado pela ciência o risco dos agrotóxicos, menor biodiversidade, redução das abelhas, que são a chave para a polinização. O momento é de reagir e desenvolver cultura sustentável. O Brasil poderia ter um papel nisso.

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Há meios de prescindir dos defensivos, ou seja, de produzir orgânicos em escala mundial?

É claro que há uma maneira, e esta maneira é converter à (cultura) orgânica. Muitos pequenos e grandes produtores escolheram esse caminho nos últimos anos. Hoje são 68,9 milhões de alqueires que passaram a produzir orgânicos, era apenas 11 milhões em 1999. A agricultura com pesticidas não é sustentável, não é boa para o clima. Os orgânicos são uma resposta para transformar a agricultura. Na França, por exemplo, em 2019 5 mil novos produtores passaram para a cultura de orgânicos. São ao mesmo tempo a solução para uma agricultura sustentável e uma resposta à expectativa dos consumidores por alimento saudável e amigável ao meio ambiente. Muitos países incentivam a conversão, ou transição para os orgânicos. Na Europa, dentro da política agrícola, há verba disponível para transformar lavouras em orgânicas.

O Brasil tem potencial a ser desenvolvido na produção de orgânicos?

É claro, e o Brasil já demonstrou isso. É líder na produção de açúcar orgânico. O Brasil tem todos os ingredientes para ter sucesso, técnicos bem treinados, variedade de produção, boa infraestrutura, sistema de certificação confiável.

O potencial de exportação dos produtos orgânicos é bem aproveitado hoje no Brasil?

Poderia ser melhorado. Hoje o Brasil está entre os 10 maiores (do mundo) no volume de produtos orgânicos importados pela União Europeia, mas representa apenas 2,2% dessas importações. O Brasil exporta em sua maioria açúcar orgânico, e poderia exportar muitos outros produtos para os quais há demanda na União Europeia, como frutas tropicais e soja.

Uma das barreiras ao consumo de orgânicos no Brasil é o alto preço, em comparação com os produtos produzidos com agrotóxicos. É possível superar este entrave?

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Se compararmos com os danos feitos pela agricultura intensiva tradicional e a poluição do solo e da água pelos agrotóxicos, o preço dos produtos orgânicos não é tão alto quanto parece. Precisamos falar sobre o verdadeiro custo. Há muitas maneiras: uma é pagar os produtores pela entrega de benefícios públicos, como produtores de cacau repondo CO2 no solo ou outras práticas positivas. Taxar os impactos negativos, como a poluição do solo e da água, o custo da despoluição (no caso da agricultura tradicional). Melhor estruturar o mercado, diversificando os canais de venda, como a venda direta. Uma economia que equilibre os preços. Na França, por exemplo, em 2008 o preço de uma compra com 25% dos ingredientes orgânicos era 1,92 euro. Em 2012, passando para 100% de produtos orgânicos, passou para 1,86 euro, seis centavos a menos. Isso graças a um melhor controle de desperdício, que foi reduzido em 80% e representa uma economia de 20 centavos a cada refeição. Há muitas maneiras de democratizar a alimentação orgânica.