A situação do pescado no Nordeste, onde mais de 200 praias foram atingidas por manchas de petróleo, ainda é incerta. O assunto subiu de tom depois que o secretário nacional de Aquicultura e Pesca, o catarinense Jorge Seif Junior, afirmou que peixes "são inteligentes" e escapam das manchas. Especialistas, no entanto, alertam que é cedo demais para atestar a situação dos animais marinhos.
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Ademilson Zamboni, diretor geral da ONG Oceana no Brasil e um dos maiores especialistas do país na área de poluição marinha, conversou com a coluna sobre a situação do pescado e os impactos que a mancha pode trazer ao setor pesqueiro.
Confirmou que os peixes até podem escapar de obstáculos físicos, como as manchas densas que se espalham pelo Litoral nordestino.
Mas os níveis de contaminação na água em que estão imersos ainda não são conhecidos – e isso pode afetar a segurança no consumo.
Zamboni foi professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande na área de poluição marinha. É oceanólogo, mestre e doutor em Engenharia Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP).
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Entrevista: Ademilson Zamboni
As manchas têm impacto sobre a pesca? É possível avaliar qual a dimensão?
Se pensarmos na pesca como atividade, seguramente tem impacto. O mercado vai reduzir a compra de pescado, e vai ter impacto na pesca de forma geral.
Quando houve o acidente no Golfo do México, nos Estados Unidos, levou três anos para recuperar o mercado. Ninguém queria consumir.
E lá tinha toda a informação possível disponível, que poderia dirimir qualquer dúvida. Quando se fala sobre o derrame de óleo, o impacto sobre os organismos, peixes, crustáceos, depende basicamente de quatro fatores: o tamanho do derramamento, o volume, o tipo de óleo, a permanência desse petróleo no ambiente, no mar, e o tipo de ambiente que ele afeta, onde ele chega. Quando o óleo fica muito tempo na água, e está submetido, por exemplo, a muita insolação, acontece o que se chama de fotodegradação. Ele vira uma outra coisa, que se mistura à água, e que pode ser mais tóxica, ou menos, do que o óleo. Tem o impacto físico do óleo, em que ele cobre o organismo como um todo, (em que o animal) não consegue mais respirar, fazer a respiração pela pele, pelas guelras, pelas brânquias. E tem a contaminação que vem do que ele encontra dissolvido na água.
Quando a gente fala que o peixe foge, ele foge contaminado.
O peixe foge de qualquer obstáculo físico, vai evitar. Mas o que o óleo dissolvido na água provoca no peixe, ele não tem como fugir. Que é basicamente o hidrocarboneto do petróleo e os metais pesados, que também são liberados a partir dessa solubilidade na água. Ele foge de uma barreira física, mas não foge de uma barreira química, que é o que acontece num estado de poluição.
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É pior para algumas espécies?
Quanto mais tempo esse óleo permanece no ambiente, mais chance ele tem de aumentar sua concentração na água. Se chega no fundo, alcança os sedimentos. Então, os peixes que vivem no fundo passam a ter um contato muito maior com os contaminantes do que os peixes da superfície, da coluna d´água. É o caso desse óleo pesado, que a gente encontra no Nordeste do Brasil. A chance de se contaminar também é maior.
É possível capturar peixes que foram contaminados no Nordeste em outros pontos no país? No Sul, por exemplo?
As espécies migratórias não são muito costeiras. As costeiras não migram tanto, mas é possível encontrar. Mas tem outro ponto importante: uma coisa é o quanto de contaminante está na água. Outra, é quanto daquilo está incorporado aos animais. Se comer uma tonelada de peixe contaminado, ou um peixe contaminado, qual a diferença? Qual é a dose na comida e o efeito que essa dose provoca? Só se consegue saber a partir de análises muito precisas, toxicológicas. É a diferença entre o remédio e o veneno.
Existe segurança, hoje, para dizer se podemos comer o pescado ou não?
Não, tem que se fazer todos os estudos sobre hidrocarbonetos aromáticos, que são os compostos mais tóxicos que existem no petróleo, analisando nas carnes dos peixes, dos moluscos e dos crustáceos, e depois procurar na bibliografia internacional qual a concentração admitida, que não causa efeito (à saúde do ser humano). Esse é o dado que temos que procurar. E o Brasil, infelizmente, não tem esse dado. Não se sabe ainda.
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Qual é a concentração máxima presente na carne dos organismos que, uma vez consumida, não provoca nenhum efeito a saúde? Esta é a pergunta a ser respondida.
O Governo do Ceará vai fazer uma serie de análises, de amostragens, ao longo da semana, para entender a concentração que existe hoje nos organismos, peixes, crustáceos e moluscos, e vão fazer amostras dos sedimentos também. Para entender se estão contaminados, quanto tempo leva para descontaminar. Porque uma vez contaminados, cessando a fonte de contaminação, tem uma autorregeneração que vai acontecendo, (o animal) vai se descontaminando. Algumas espécies levam mais tempo, outras menos. Isso é o que tem que ser feito agora. Acompanhar, ver, e mostrar às pessoas que números são esses.
Isso deveria ser feito em todos os estados?
Onde foi afetado, tem que fazer. E é importante fazer a mesma análise onde não foi afetado, para ter parâmetro de comparação. Nada justifica não fazer os testes, não estamos falando de uma coisa caríssima.