A imagem de Andrea Bocelli cantando no vazio Duomo de Milão me trouxe de volta as lágrimas nesta tarde de Páscoa. Há semanas, elas vêm e vão. Ora vertem pelo relato dolorido daqueles que não conseguem se despedir de seus mortos. Ora secam no turbilhão dessa cobertura jornalística tão intensa e inédita.

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Bocelli é totalmente cego desde os 12 anos. Me perguntei, hoje, como ele tem vivido esses momentos tão sombrios. Talvez a sombra no olhar o tenha poupado das cenas mais tristes que a Itália levou ao mundo desde que o coronavírus desfez as malas no ocidente. Talvez porque a natureza lhe permita não enxergá-las, ele tenha conseguido não embargar a voz.

As imagens das cidades vazias, Milão, Paris, Londres, Nova York, sob o som profundo da Ave Maria, são o retrato de uma humanidade de joelhos, rendida a um inimigo que nos obrigou a fechar as portas de nosso pequenino mundo, a nossa casa, para que não sejamos alcançados por ele. O vazio de lugares outrora pulsantes de vida alerta que a pandemia se impõe.

As lágrimas que chegam aos olhos são uma espécie de luto. Não apenas pela centena de milhares de mortos, mas também pela impressão de que o mundo, tal qual o conhecemos, não existe mais. São lágrimas de incerteza.

Nos habituamos a um planeta sem fronteiras, sem limites. Agora, não sabemos quanto tempo poderão durar as medidas de isolamento social. Quanto tempo ainda teremos que evitar os abraços? O estrago econômico causado pela pandemia ainda está nas estimativas. Os desempregados ainda não têm rosto. Ainda. Que mundo sobreviverá ao caos?

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Como em toda crise, também agora afloram, em todo o planeta, iniciativas de amor e solidariedade. Sacrifícios de todos os tamanhos, que vão desde aquele que busca alimentar quem se depara com os armários e a barriga vazios, até os atos heroicos dos que, à beira da morte, ofereceram os respiradores aos quais seriam ligados a pessoas mais jovens, com mais tempo de vida pela frente.

O ser humano aprende, por força das circunstâncias, a consumir menos e a conviver mais com aqueles com quem divide a casa e a vida. Em muitos lugares, a natureza se renova sem a interferência humana. A Terra respira.

É simbólico que, por alguma graça do destino, tenhamos que viver isso tudo agora, no período de Páscoa. O momento que, para os cristãos, representa a transformação, a vida nova. A esperança que ressurgiu em meio aos mortos.

Forçada à reflexão e à reinvenção, a humanidade também viverá sua Páscoa quando o tempo chegar. Serão novos dias, e muitos conceitos arraigados talvez não façam mais sentido. Tomara que, ao despertar, encontremos um mundo mais justo.

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