O responsável pela fabriqueta de objetos nazistas descoberta em Timbó, no Médio Vale do Itajaí, tende a ser enquadrado na Lei de Combate ao Racismo, de 1989. O inquérito será finalizado pela Polícia Civil e depois encaminhado ao Ministério Público, que poderá denunciá-lo à Justiça. A pena por produção e divulgação de artefatos que remetam ao nazismo, pela lei brasileira, inclui multa e pode chegar a até cinco anos de prisão.

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O artigo que trata especificamente sobre a produção e venda de objetos nazistas foi acrescentado à Lei 7.716/89 em 1997. Veja o que ele diz:

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Pena: reclusão de um a três anos e multa

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§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

O caso de Timbó é emblemático porque não será difícil para a Polícia Civil e o Ministério Público tipificar o crime. A fábrica estava instalada em dois contêineres, onde havia moldes para produzir bustos de Hitler e suásticas, além de material supostamente usado para produzir munições. A fabricação é o que deve fazer dele um “ponto fora da curva” entre os casos envolvendo nazismo que foram registrados em Santa Catarina ao longo dos últimos anos. Pelo menos, é o que se espera.

Algumas dessas ocorrências tiveram repercussão nacional, como a suástica que estampava o fundo da piscina na casa de um conhecido professor de História. Ele fez acordo extrajudicial e alterou recentemente o desenho, a pedido do Ministério Público – mas transformou a suástica no número 88, que é reconhecido como outro símbolo do nazismo.

Outro caso de grande repercussão foi a absolvição de dois homens que espalharam cartazes no aniversário de Hitler, em 2014, com a inscrição “Heróis não morrem. Parabéns Führer”. O material era assinado por uma entidade extremista chamada White Front. O juiz Augusto Cesar Aguiar, da 1ª Vara Criminal de Itajaí, considerou que não houve “dolo específico de divulgar/incitar o nazismo”, e o MP não recorreu.

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Margem para interpretação

O advogado e ativista negro Marco Antonio André, de Blumenau, que foi vítima de grupos supremacistas em 2017, avalia que há uma excessiva margem de interpretação na lei que coíbe apologia ao nazismo no Brasil. Na prática, a proibição existe – mas os desvios são difíceis de punir.

No caso de André, cartazes colados no poste e na parede de sua casa traziam uma imagem com referência a membros do grupo racista norte-americano “Ku Klux Klan”, em tom de ameaça, e a mensagem – “Negro, comunista, antifa, macumbeiro. Estamos de olho em você”. Dez pessoas chegaram a ser indiciadas, mas o caso acabou sendo arquivado.

-Há uma falta de clareza por quem constrói a lei, e a qualidade do nosso Congresso faz com que isso aconteça. Quem é pego não recebe a punição, e a lei não é aplicada na sua essência – avalia o advogado.

O Centro de Apoio Operacional Criminal e da Segurança Pública (CCR) reconhece o problema. Há um esforço interno para sensibilizar promotores de Justiça e delegados da Polícia Civil em relação à tipificação dos crimes relacionados a nazismo. Esse cuidado foi intensificado diante da percepção de que eles têm sido cada vez mais frequentes.

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O promotor de Justiça Jádel da Silva Júnior, que coordena o CCR, explica que boa parte dos processos enquadra os casos de apologia em injúria racial, e não no artigo específico da legislação brasileira que trata sobre nazismo. Uma das consequências é que, com isso, perde-se a oportunidade de ir mais a fundo nas investigações sobre grupos supremacistas – o que poderia configurar associação criminosa, aumentando potencialmente a repercussão dos casos e a punição aos envolvidos.

– Respeitamos, é claro, a autonomia do promotor e do delegado. Mas sugerimos que se amplie a investigação de injúria racial para racismo, para o Artigo 20 (da Lei 7.716/89). E também para buscar se não há ligação com células neonazistas – diz o promotor.

Recentemente, Jádel da Silva Júnior publicou um artigo em parceria com o procurador de Justiça Paulo de Tarso Brandão, coordenador do Núcleo de Enfrentamento aos Crimes de Racismo e Intolerância (Necrim), para analisar a maneira como a lei é aplicada em casos de apologia ao nazismo em SC. O texto saiu logo após o episódio do aceno com uma bandeira nazista em uma sacada em área nobre de Florianópolis, em maio deste ano – caso que acabou arquivado pela Polícia Civil. Nele, o promotor e o procurador ressaltam que a livre interpretação de palavras na lei não pode ser subterfúgio para impunidade. Eles citam como exemplo o termo “divulgação” – curiosamente, foi o que serviu para absolver os acusados de colar cartazes nazistas em Itajaí.

“Objetivamente, o ato de disseminar folders com a cruz gamada, desenhar imagens em prédios públicos ou privados de acesso ao público e de agitar bandeira com a suástica de forma a ser contemplada publicamente, configura ato de divulgação do nazismo, tipificando o crime (…). Assim compreendido, esse tipo de conduta, que em sua origem representa a manifestação pura e evidente de um discurso discriminatório e de uma ideologia de ódio, precisa receber o enfrentamento adequado pelos órgãos do sistema de justiça”.

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Para quem já foi vitima de crimes de ódio, como o advogado Marco Antonio André, a livre interpretação da lei e a falta de punição aos supremacistas causa preocupação.

– Principalmente quando se tem nas figuras de autoridade, inclusive nacional, esse entendimento de que qualquer coisa é liberdade de expressão – ressalta.

Diante do recrudescimento dos casos de racismo e intolerância, é fundamental estabelecer uma política de tolerância zero aos supremacistas, neonazistas e afins. O caso de Timbó é a chance para Santa Catarina dar um bom exemplo.