A Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados discute nesta segunda-feira (10) um assunto fundamental para a conservação marinha em Santa Catarina e no Brasil: a mudança no titulo de Reserva Biológica da região da Ilha do Arvoredo, que pode ser reclassificada como parque nacional. O que chama atenção é a lista de convidados para a audiência: nenhum dos representantes de SC que serão ouvidos na reunião virtual é contrário à mudança.

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Não por falta opiniões divergentes, é bom que se diga. Pesquisadores e especialistas no Estado alertam para o risco de que a reclassificação do Arvoredo abra as portas para o descontrole sobre uma área preservada e importante para a vida marinha em boa parte do Litoral catarinense. O Conselho Gestor da Reserva, que não foi chamado a se manifestar na audiência, enviou uma manifestação alertando para os riscos da mudança e para o período escolhido para essa discussão, em meio à pandemia. O oceanógrafo Paulo Horta, da UFSC, também solicitou formalmente ser ouvido na audiência – sem sucesso.

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Tanto parques quanto reservas biológicas permitem a visitação para fins educativos. Mas, na classificação de parque, também são autorizadas as visitas recreativas e turísticas. A pressão pela mudança vem do turismo ‘de experiência’, em especial de empresas que oferecem mergulho.

Representarão Santa Catarina na discussão a deputada estadual Paulinha (PDT), o prefeito de Bombinhas, Paulo Muller (DEM), o deputado federal Rogério Peninha (MDB) e o senador Esperidião Amin (PP). Todos são favoráveis à reclassificação da reserva, para que abra espaço à exploração de atividades de turismo consideradas sustentáveis, como o mergulho.

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O entendimento é de que, além do ganho econômico, Santa Catarina se beneficiaria de uma melhor fiscalização com as regras menos restritivas. Esse argumento foi citado pela deputada Paulinha em um vídeo nas redes sociais, que ela faz um convite para a audiência virtual.

– Queremos nos tornar um parque, assim como é Fernando de Noronha e Abrolhos – diz.

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A comparação, no entanto, acende o sinal de alerta entre pesquisadores como o oceanógrafo Paulo Horta.

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– Noronha tem muitos problemas, já tem praias com evidências claras de poluição e sofre as consequências de um turismo que não foi bem dimensionado – avalia.

O que muda

Criada em 1990, a Reserva Biológica do Arvoredo é uma das três únicas áreas de preservação com essa classificação no país, junto com o Atol das Rocas, no Litoral do Rio Grande do Norte, e a Reserva de Santa Isabel, no Sergipe. São locais de grande importância para o bioma marinho brasileiro, consideradas fundamentais para o equilíbrio da fauna e da flora subaquática.

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A Reserva Biológica Marinha compreende 17,6 mil hectares entre Florianópolis e Bombinhas, onde estão as ilhas do Arvoredo, Galé, Deserta e Calhau de São Pedro. O ICM Bio explica que “a alta diversidade de ambientes marinhos e terrestres existentes na Reserva abriga uma infinidade de espécies, sendo muitas delas raras e ameaçadas de extinção. As ilhas apresentam remanescentes de Mata Atlântica, locais de reprodução para aves marinhas e sítios arqueológicos, como sambaquis e inscrições rupestres. Além disso, os ambientes marinhos da Reserva fornecem abrigo para reprodução e crescimento de diversas espécies de peixes, o que contribui para manutenção dos estoques pesqueiros no entorno”.

Os especialistas avaliam que o risco mais evidente do aumento de atividade humana na região, ainda que para fins turísticos, é afastar espécies que hoje são fundamentais para o equilíbrio ambiental da região. Isso pode acarretar prejuízos em série – até mesmo na filtragem da água do mar que banha as cidades costeiras na região.

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– Estudos comprovam que com a criação da Reserva do Arvoredo houve aumento de densidade e de biomassa de peixes, o que contribui com o estoque para a pesca artesanal e até com a melhoria de avistagem de peixes para as atividades de mergulho, ambas no entorno da Reserva. O impacto da visitação em Parques, mesmo que embarcada, pode prejudicar este recurso salvaguardado – diz a professora Rosemeri Marenzi, da Univali.

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Boiada

Para além do impacto que a reclassificação poderá trazer ao Litoral catarinense, o momento escolhido para a discussão é considerado inadequado pelos especialistas. O entendimento é que a mudança é profunda, e por isso merece ser discutida com mais clareza.

– Este processo de recategorização, no momento de retrocesso ambiental que o Brasil vive, parece que mais uma vez a intenção é aproveitar e “deixar a boiada passar”. Há pouca discussão sobre este assunto, que tem que ser muito debatido – diz Rosemari Marenzi.

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O debate ficou ainda mais urgente diante da informação de que o governo federal pretende conceder áreas inalienáveis, como ilhas, para exploração na região de Florianópolis. Esse projeto pode incluir a região do Arvoredo, hoje ainda intocada.

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– Fazer essa discussão com base em falsas evidências pode levar a uma decisão que fragiliza o sistema nacional de conservação e coloca em risco populações mais vulneráveis. Não podemos ‘cloroquinar’ essa questão – compara Paulo Horta.

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