Há um cruel paradoxo na vida. Muitas vezes, é por meio da morte que ela nos mostra a dimensão que tem. O quanto ela vale.
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Quando Gabriel tinha dois anos, começou a ter dores inexplicáveis no abdômen e febres que iam e vinham. Depois de uma bateria de exames, o diagnóstico preliminar apontou para uma suspeita de linfoma, que nos tirou do chão. Eu tinha 20 anos na época e dividia o tempo entre a faculdade, o trabalho e o pequeno. Sandro, meu marido, enfrentava a dor de ter uma mãe jovem doente de câncer, em estado terminal.
Lembro como se fosse hoje que, ao deixar o consultório médico, sozinha, o agarrei forte no colo e caminhei com ele assim até em casa, sem poder segurar o choro.
Minha sogra morreu um dia antes da primeira consulta que o Gabriel teria com uma onco hematologista pediátrica em Curitiba, num dos maiores hospitais para crianças do Sul do país. O que tornou a monstruosa experiência de perder um filho para a doença ainda mais palpável e real.
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Não era linfoma, nem nada grave. Mas só teríamos a certeza disso tempos depois. Gabriel precisou de acompanhamento por dois anos naquele gigantesco hospital, o que mudaria radicalmente a maneira como passei a ver o mundo e a maternidade. A conversa com aquelas mães, na sala de espera das consultas, foi uma das experiências mais ricas e tristes que já tive.
Em uma delas, a mãe, agricultora, dizia que o filho desde que nasceu só comia o que ela plantava na horta de casa, plantação orgânica, e não entendia por que ele desenvolveu leucemia. De certa forma, tentava buscar em si mesma a explicação para a doença que exigia do filho uma força descomunal. Ainda lembro do menino. Olhos grandes, rostinho redondo. Nunca mais os vi, mas jamais esqueci essa tentativa materna de justificar o inexplicável.
Outra vez, o hospital entrou em polvorosa porque um garoto de 16 anos que estava em tratamento fugiu. Me pus a imaginar o que significa, para um adolescente, enfrentar um câncer. Quantas privações, quanta mudança. E a fortaleza necessária a essas mães.
A maternidade ganhou um outro patamar desde então. Penso muito nas mulheres que perderam seus filhos. E é para elas, e por elas, que eu gostaria de escrever hoje.
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As que os viram apagar, feito pequeninas chamas que vão cedendo ao tempo. Ou as que são surpreendidas pela retirada abrupta de seus braços, em qualquer fase da vida.
Ainda lembro da primeira vez em que vi uma mãe chorar sobre um filho assassinado. Um menino de 17 anos, morto pelo ex-namorado da menina com quem ele vinha flertando.
A mãe chegou minutos depois do crime. Como uma Pietà transportada para a realidade, ergueu seu torso do chão e chorou sua dor. Eu estava ali a trabalho, cobrindo o caso. Já atuava na editoria de polícia há algum tempo e os assassinatos eram parte da rotina. Mas foi a primeira vez que senti um nó na garganta. Era uma dor tão genuína, tão visceral, que só as mães compreendem.
Muitas vezes, ao lembrar daquela cena, enquanto via meu filho crescer, chorei. Imagino que ela, ainda hoje, também chore a saudade do menino que encontrou a morte à toa, em uma calçada qualquer, num início de tarde como tantos outros, enquanto a vida passava ao redor.
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Em datas como hoje, penso nas mães desses meninos e no quanto deve ser difícil recomeçar. Que força sobrenatural as faz levantar da cama, todos os dias, e seguir vivendo? Que amor imenso as mantém vivas?
É por certo um dia de muita dor para quem um dia viu partir um pedaço de si, uma parte de seu coração. Neste Dia das Mães, é para elas que quero deixar um abraço apertado, em que caiba todo o alento do mundo. São sobreviventes.