O tom suave na fala do ministro Edson Fachin contrasta com o peso do que diz. Prestes a deixar a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro assumiu o papel de salvaguarda da urna eletrônica e do sistema de votação em meio à escalada de ataques e encarou uma escolha difícil, especialmente quando se trata do Judiciário: o momento de reagir.
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Nesta sexta-feira, em entrevista exclusiva à NSC, Fachin falou sobre os atos a favor da democracia e do Estado democrático de Direito, que tomaram conta do país. Comentou sobre o papel das forças armadas nas eleições brasileiras e sobre as lições que o episódio da invasão do Capitólio em Washington, nos Estados Unidos, trazem ao Brasil.
Sem meias palavras, o ministro disse que o risco à democracia brasileira é real:
“As mentes e corações democráticos desse país, de todas as percepções ideológicas, os democratas do Brasil, e portanto a sociedade civil, deve sim estar com o sinal de alerta ligado. Nós não podemos tergiversar diante de ameaças”.
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A conversa ocorreu em Penha, no Litoral Norte, onde o ministro acompanhou a instalação da comarca local. O fórum, inaugurado nesta sexta-feira, leva o nome do ministro Teori Zavascki, que foi vítima de um acidente aéreo em 2017.
Fachin tem uma longa história com Penha, cidade onde costuma descansar com a família há muitos anos. A instalação da comarca contou com o apoio ativo de sua mulher, a desembargadora paranaense Rosana Amara Girardi Fachin.
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Confira a íntegra da entrevista
Como o senhor viu o dia de manifestações à democracia, de apoio à Justiça Eleitoral? Que leitura faz do dia de ontem?
O dia 11 de agosto é por si só, normalmente, uma data na qual se lembra a criação dos cursos jurídicos, também se celebra o dia dos advogados, cujo padroeiro é Santo Ivo, mas também dos magistrados. Portanto, já e no calendário uma data que todo ano enseja um conjunto de comemorações e celebrações. Este ano, de um modo especial, o que se percebe é que a data também serviu de mote para manifestações em defesa da democracia, do Estado Democrático de Direito, do respeito ao escrutínio das urnas, e vejo essas manifestações como uma resposta da cidadania, segundo a qual o direito de escolher não pode ser retirado de ninguém. O direto de respeitar o resultado das escolhas, através da soberania do voto popular, também não pode ser retirado. Portanto, essas manifestações corroboram a sociedade civil que desperta no sentido de dizer – temos problemas sim, que devem ser resolvidos no campo da política, no campo das diretrizes políticas públicas, mas para que isso ocorra é preciso respeitar a democracia, esse canteiro de obras, que é uma condição de possibilidade para que o Brasil enfrente seus problemas. Portanto, vejo essas manifestações aplaudindo-as, porque são a expressão da cidadania.
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Nós vimos as fake news causando um grande estrago na vacinação, que é uma política publica que sempre funcionou muito bem no Brasil. Qual o risco de termos esse mesmo resultado em relação às urnas, as pessoas deixarem de votar por não acreditarem no sistema? Qual é a vacina para o sistema eleitoral?
De fato, a disseminação de notícias falsas foi mesmo um vírus, que iniciou já nas eleições de 2018, se observou nas eleições municipais de 2020 e, para 2022, fomos adotando um conjunto de procedimentos. Primeiro para buscar a vacina contra a desinformação, que é ter informação de qualidade e em quantidade para se contrapor às falsas informações disseminadas. Isso significou, portanto, que nesses anos todos nós levamos a efeito um conjunto de procedimentos e atividades como, por exemplo, através de uma diretriz que denominamos de regulamentação autorregulamentada, ou seja, sentar em torno da mesa, com as plataformas digitais, com as redes digitais de modo geral, e juntos sugerir que sejam, e de fato foram adotadas, políticas de integridade. Veja que recentemente o YouTube tem adotado tirar do ar, que é uma medida drástica, mas às vezes necessária, determinadas afirmações que são inegavelmente inverídicas, ou efetivamente mentirosas.
Então as redes sociais, as plataformas, terem adotado isso foi um passo muito grande para esse primeiro modo de combate. Combatem-se as fake news com muita informação, com informação de qualidade. Combate-se notícia falsa com informação verdadeira. Ao mesmo tempo dessas parcerias com as plataformas, criamos uma frente nacional de combate à desinformação. Temos hoje no Brasil inteiro, capilarizado nos 27 estados, por meio dos Tribunais Regionais Eleitorais, milhares de pessoas, a Justiça Eleitoral como um todo tem 22 mil servidoras e servidores e colaboradores atuando, e uma porção expressiva desse acervo humano valioso se dedica hoje ao enfrentamento de notícias falsas. Portanto, essa capacitação, esses agentes multiplicadores, estão nas zonas eleitorais, estão nos Tribunais Regionais Eleitorais, e isso significa que nestas eleições esse problema sim, poderá ocorrer, mas com uma intensidade que não será suficiente para contaminar o pleito.

Foi perceptível que o senhor subiu o tom nas respostas à desinformação e aos ataques ao sistema eleitoral nas últimas semanas. Um marco foi o momento em que o senhor afirmou que as eleições são assunto das forças desarmadas. Qual foi o ponto de inflexão para o senhor, que motivou essa subida de tom?
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O Brasil, neste primeiro semestre, começou a apresentar alguns sintomas de uma patologia inadmissível. Que doença era essa? A doença era a que atingia o cerne das instituições democráticas do Brasil e o poder judiciário de um modo especial, e dentro do Judiciário a Justiça Eleitoral. Portanto, preservar as instituições, preservar a institucionalidade, preservar a legalidade constitucional, é uma tarefa que, para quem preside e organiza o período eleitoral no Tribunal Superior Eleitoral, se impõe. E quando esses sintomas se avolumaram, chegou a hora de separar o que é diálogo do que é eventual, atípica intervenção. Separar o que é colaboração, o que é cooperação, sempre bem-vinda, de todos os setores, indistintamente, daquilo que representa uma tentativa indevida de intervir, ainda que reflexamente, no procedimento eleitoral. Nesta hora, foi necessário que a Justiça Eleitoral, e assim o fizermos, se alçasse precisamente no seu lugar, que é o lugar de dizer que o que prevalece é a Constituição Federal. E a Constituição Federal atribui à Justiça Eleitoral a tarefa de organizar, realizar as eleições e proclamar os eleitos. A mais ninguém. A mais ninguém. E a Justiça Eleitoral é portanto uma força desarmada. A sociedade civil só deve se armar do voto. Porque a eleição é o meio não violento, é a forma pacífica, que a sociedade tem de expor seus dissensos e escolher um ou outro candidato.
Essa patologia que começou a se mostrar no começo do ano, e ela foi apresentando sintomas um pouco mais graves, necessitava de uma resposta institucional que nós demos em meados do mês de maio, no curso do teste público de segurança das urnas, para separar o que é fato do que era boato. Para separar a narrativa daquilo que é verdadeiro. E o que é verdadeiro é que, sem instituições fortes, sem instituições democráticas fortes, nós nos aproximamos de um abismo e de um caos. O Brasil não merece isso, por isso as instituições precisavam reagir, como estão reagindo, e como a sociedade civil está reagindo. Neste momento, a voz sobe um pouco o tom na defesa da institucionalidade.
Foi um erro trazer as forças armadas para fiscalizar o processo eleitoral?
Não foi, porque, se olharmos desde 2012, para só tomarmos os últimos 10 anos, as entidades fiscalizadoras foram cada vez mais ampliando o seu elenco. E isso é bom para a transparência do processo eleitoral. Isso é bom para a visibilidade de todo o conjunto de auditorias pelas quais todo o sistema eletrônico de votação a cada eleição passa. Todos os partidos políticos que têm assento no Congresso Nacional, hoje são 21, o Conselho Nacional de Justiça, o Ministério Público Eleitoral, a Controladoria Geral da União, a Ordem dos Advogados do Brasil, a Polícia Federal e seus técnicos, que nesses 10 anos aportaram contribuições importantes para aumentar a transparência do processo eleitoral, e que a Justiça Eleitoral recebeu, as próprias forças armadas que desde algum tempo já participam desse procedimento, e aliás estiveram lá atrás na formulação da urna eletrônica, que foi produto de muitas inteligências e muitas mãos. Mais as entidades do sistema S, a Confederação Nacional da Indústria, portando o rol de entidades fiscalizadoras é um procedimento de legitimação da segurança, atestando de fato que o procedimento é seguro, ou naquilo que ele pode melhorar, emitindo sugestões, dependendo de serem factíveis e acolhidas pela Justiça Eleitoral.
Algumas das sugestões que chegaram dentro do prazo (foram recebidas), e quando digo dentro do prazo, a comissão estabelece o prazo da anualidade, ou seja, qualquer alteração Legislativa, para uma eleição como essa, de 2 de outubro, o Congresso precisa editar até 1º de outubro do ano anterior. E o TSE tem o prazo de até 5 de março do ano da eleição pra regulamentar. Passado (o prazo), é como se começasse um campeonato, e não se pode alterar regulamento no curso do campeonato. O que chegou até 5 de março nos permitiu adotar algumas soluções, como por exemplo, neste ano unificamos horário de termino das eleições às 5 horas da tarde. E até 10 horas da noite teremos o resultado das eleições gerais para presidente da República, 513 deputados, 27 senadores, 27 governadores e mais de mil deputados estaduais. Segundo, no momento que acabar a eleição, às 5 horas da tarde, todos os boletins de urna serão automaticamente disponibilizados na rede mundial de computadores. Portanto, adotamos a transparência máxima. Entidades e associações, partidos políticos, poderão acompanhar a própria apuração. Nós triplicamos a base amostral dos testes aos quais as urnas se submente. Portanto, a presença das forças armadas nessa comissão é na verdade uma sequência desse tipo de atividade. Nada obstante, quando se convida alguém para tomar assento numa reunião, faz-se no sentido que seja coerente com aquela reunião. Quando quem toma assento, ou quem é representado por quem veio tomar assento, desborda aqui ou acolá de suas funções, cabe a quem convidou, e foi o que nós fizemos, colocar limites.
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O senhor tomou uma decisão nesse sentido nesta semana, afastando um membro da comissão que estava publicando informações falsas. O senhor acredita que esse tipo de decisão serve como exemplo? É possível evitar que essas situações se repitam?
Se me permite a expressão, a liberdade de expressão não pode ser usada para ser a expressão do fim da liberdade. Portanto, quem é chamado a colaborar há de vir com o pressuposto, com a premissa de que está indo colaborar para melhorar, para apontar eventuais vulnerabilidades. Mas quem é chamado a colaborar, se tem assumido como premissa que vai inspecionar algo, que aprioristicamente a pessoa chamada a colaborar já entende e defende que não é um sistema válido, significa que não temos colaboração, que temos um ataque, e as instituições precisam se defender. Enquanto eu estiver na presidência do TSE, nós vamos defender nossa instituição porque ao defender a Justiça Eleitoral nós estamos defendendo todas as pessoas que trabalham na Justiça Eleitoral. Funcionários, servidores, servidoras, sérios, dedicados, que desenvolveram um sistema eletrônico de votação que é exemplo para o mundo, e o Brasil pode se orgulhar disso. Ao nos orgulharmos disso, temos que defender essa conquista. E defender essa conquista significa defender de quem quer que a ataque. E foi isso que nós fizemos.

O senhor está se despedindo da presidência do TSE. Podemos esperar esse mesmo tipo de atuação com a mudança? O que o senhor espera da transição?
Já com a gestão do ministro Luís Roberto Barroso, que me antecedeu, do qual eu era vice, ele, eu e o ministro Alexandre de Moraes, os três ministros do Supremo com assento no Tribunal Superior Eleitoral, começamos a tomar um conjunto de decisões centrais para os processos eleitorais a seis mãos. Como vice-presidente, já fui me ocupando de um conjunto de tarefas e missões. Por exemplo, são da minha relatoria todas as regras que regulamentam as eleições deste ano. Portanto, vem um passar de bastão progressivo, e, desde o começo da minha gestão, mesmo antes, o ministro Alexandre já estava participando. Decisões importantes eu e o ministro Alexandre temos tomado juntos. Claro que cada presidente tem um estilo, ou seu modo de gerir. Mas as questões centrais estão postas e decididas em conjunto. E estou seguro de que o TSE, a partir de do dia 16, está em boas mãos.
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Ministro, nós corremos o risco de passar no Brasil por uma situação como a do Capitólio, nos EUA, de ter um solavanco nas nossas eleições?
É fundamental aqui não superlativar as ameaças, mas também não minimizar. Há esse risco? A resposta que tenho a dar é que as mentes e corações democráticos desse país, de todas as percepções ideológicas, os democratas do Brasil, e portanto a sociedade civil, deve sim estar com o sinal de alerta ligado. Nós não podemos tergiversar diante de ameaças. Quando se defende, e uma alta autoridade pública defende intervenção militar, isso significa uma voz do lugar dessa autoridade, que é uma voz que agride a Constituição. É uma voz que ofende a legalidade constitucional, as instituições. Isso é um sintoma que requer que estejamos alerta. Quando há desfile de tanques ao lado da sede do Supremo Tribunal Federal, nós não podemos cruzar os braços. Juiz faz e deve fazer juízos de contenção. Mas diante de ataque às instituições, os juízes também, como os cidadãos e as cidadãs, não podem cruzar os braços. É fundamental que estejamos em alerta. Mas estou seguro, pela circunstância de ter vivido esses meses, e presidido o Tribunal, o quadro que hoje se apresenta é um quadro cujas redes de proteção à democracia se elevaram.
Na hipótese do Capitólio, tivemos quatro fenômenos importantes para rechaçar aquela aventura típica da barbárie. Em primeiro lugar, a reação quase unânime do Parlamento. Essa foi uma das missões que assumi na minha gestão, por isso mantive diálogos permanentes com a mesa diretora do Senado e da Câmara, com todos os 21 partidos com assento no Congresso, estivemos juntos mais de uma vez, e com os partidos que não têm assento no Congresso, são mais 12. Essa articulação institucional republicana em favor da democracia começa pelo Parlamento, é o primeiro que deve se levantar. Em segundo lugar, quando ocorreu o nefasto episódio do Capitólio, também se tornou importantíssimo e imprescindível ter imprensa livre e investigativa, que acompanhou os episódios, mostrou ao vivo e a cores aquela invasão que representava uma ofensa inadmissível à democracia norte-americana. E o Brasil tem uma imprensa livre e investigativa. O terceiro, lá houve uma reação da comunidade internacional, que repudiou. Hoje o mundo já está observando as eleições no Brasil, não apenas pelas missões internacionais confirmadas, pelo número de observadores que passará de 100, portanto as eleições se tornaram um ponto de observação para o mundo. Significa colocar a questão da democracia como uma questão planetária, tal como o papa disse, que precisamos defender a casa comum, e ele tem toda razão. A democracia também faz parte dessa casa comum. A democracia é o oxigênio que está dentro da casa comum, e nós precisamos respirar. A comunidade internacional está atenta. Em quarto e último lugar, as forças de segurança. Nos EUA, as forças de segurança, as forças armadas norte-americanas, imediatamente foram ao Capitólio para defender a instituição. É isso o que se espera, e estou seguro de que assim será. É o que se espera das forças de segurança no Brasil, que dentro da legalidade institucional são forças de segurança do Estado e das instituições, e não estão, como não devem estar, atreladas a qualquer governo transeunte.
O senhor teme pela sua segurança?
Essas questões de natureza pessoal são inerentes ao cargo que se tem e aos momentos vividos. Então, é preciso colocá-las no seu devido lugar. Tomar uma ou outra precaução, que o protocolo de segurança recomenda. Mas nada impediu ou vai impedir que nós façamos o trabalho.
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