Dois deputados de Santa Catarina assinam o projeto de lei 1904/24, que equipara o aborto ao crime de homicídio e impede a interrupção da gravidez mesmo quando ela é garantida por lei – como nos casos de estupro – se a gestação alcançar 22 semanas. Julia Zanatta (PL) e Rafael Pezenti (MDB) estão entre os 33 deputados federais que subscrevem a proposta, que tramitará em regime de urgência na Câmara.
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O projeto de lei é um desastre para os direitos das mulheres, não apenas porque significa um retrocesso de décadas na garantia do aborto em casos especificados por lei, mas também porque as consequências no Código Penal beiram o absurdo. Uma mulher que tenha engravidado em um estupro, e se submeta ao aborto com 22 semanas ou mais, está sujeita a uma pena de até 20 anos de prisão – o dobro da pena máxima prevista para o estuprador.
A pauta é perversa porque a demora na realização do aborto permitido por lei, na maioria das vezes, ocorre pela falta de estrutura na rede de saúde, pela recusa de profissionais por alegações morais, e até por falta de acesso à Justiça. Foi o que ocorreu, por exemplo, com uma menina de apenas 11 anos, em Santa Catarina, que chegou a ouvir da juíza – a quem cabia garantir o direito ao aborto – a sugestão de que ela “segurasse mais um pouquinho” para que o feto nascesse e pudesse ser adotado. Diante da recusa do Judiciário em fazer o seu papel, a gestação se estendeu.
Projeto que equipara aborto a homicídio tem urgência aprovada na Câmara dos Deputados
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Crianças e adolescentes são 80% das vítimas de estupro no Brasil. A grande maioria é violentada dentro de casa, por familiares ou pessoas de convívio próximo. Muitas engravidam de seus agressores.
Um estudo conduzido em 2019 pelas pesquisadoras Alexandra Boing e Marina Gasino, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), apontou que menos de 4% das mais de 5 mil cidades brasileiras têm serviço de aborto legal no sistema de saúde. Eram apenas 290 hospitais aptos em todo o país, e somente 101 deles eram serviços de referência. A realidade pouco evoluiu de lá para cá.
Em quais países do mundo o aborto é legalizado ou permitido?
Isso mostra a dificuldade que a maioria das mulheres têm ao procurar um direito que é garantido por lei. A pesquisa indica que quatro, em cada cinco mulheres que precisaram se submeter a um aborto legal no Brasil viviam em cidades que não tinham o serviço disponível.
Ao impor uma barreira de tempo gestacional que hoje não existe na legislação, o Congresso pode, e pretende, apenas inviabilizar que o aborto legal ocorra. Especialmente no caso de crianças e adolescentes, quando a gestação muitas vezes demora a ser percebida, e o estupro é acobertado. É a vitória da perversidade.
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