Um vídeo divulgado pelo empresário catarinense Luciano Hang, em que ele reclama das exigências de acessibilidade na cidade de Chapecó, onde inaugurou uma nova loja, provocou nota de repúdio da Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB, e de outras entidades representativas. Os manifestos falam que a ação de Hang foi “preconceituosa e discriminatória”. O empresário diz que é contra “excessos”.

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No vídeo, Hang mostra a lista de exigências de acessibilidade do município e reclama de determinações que, segundo ele, não encontrou em nenhuma outra cidade no país. Entre elas, piso podotátil na entrada da loja, disponibilidade de carrinho elétrico e placas sinalizando as vagas de estacionamento reservadas a pessoas com deficiência.

“Você não manda no que é seu. Quando falo que esse Brasil é um país comunista, (é porque) quem manda no empreendedor é o Estado, a burocracia. Os burocratas, os ecochatos. E se não fizer certinho, você não tem autorização de começar um negócio”, reclama, no vídeo, o empresário.

Em nota, a Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB pede a responsabilização administrativa e legal de Hang e diz que “qualquer ação que se volte contra as medidas de acessibilidade ou a fiscalização de sua implementação pelos Poderes Públicos acaba por naturalizar a opressão, a discriminação e o preconceito, e incentivar a violência e crime contra as pessoas com deficiência, que, no decorrer da história, lutam com grande dificuldade pela garantia dos seus direitos e sua inclusão social”.

O Sindicato dos Servidores da Justiça Federal do Rio de Janeiro (Sisejufe), a Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB) e o Coletivo Feminista de Mulheres com Deficiência, Helen Keller, também emitiram nota de repúdio.

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O que diz Hang

Hang disse à coluna, nesta segunda-feira, que se equivocou ao creditar as exigências à prefeitura de Chapecó. Afirmou que são determinações do Ministério Público e que outros comércios próximos ao dele
têm as mesas queixas.

— Dois ou três dias antes (de inaugurar a loja) recebi uma lista de 60 itens, com altura das pias dos banheiros, barras de proteção, placas, piso tátil. Viajo o mundo inteiro, e em nenhuma loja do mundo eu vi piso tátil como o que eu tive que colocar em Chapecó. Chapecó está certo e o mundo errado?

O empresário afirmou que faz doações a entidades de assistência a pessoas com deficiência, e afirmou que é “a favor do liberalismo econômico”, para ter liberdade de investir. Quanto à manifestação das entidades, Hang disse que um advogado cadeirante defendeu seu posicionamento na cidade de Sumaré (SP).

— A OAB é de extrema esquerda. Olha o presidente da OAB. Sou contra o excesso, o que não precisa, custa caro e atrasa o desenvolvimento do país.

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Leia as notas das entidades

OAB

"À unanimidade, a Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil aprovou Moção de Repúdio à manifestação desrespeitosa, preconceituosa e discriminatória das pessoas com deficiência divulgada em vídeo que circulou nas redes sociais nesta sexta-feira, 20 de dezembro de 2019, do empresário Luciano Hang ao reclamar das exigências legais de sinalização e garantia da acessibilidade, por ocasião da inauguração de mais uma de suas lojas. De modo pejorativo e contrário às exigências da legislação, a manifestação condena a implementação de recursos de acessibilidade, tais como, piso tátil e reserva de vagas de estacionamento prioritário para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.

Devemos considerar que qualquer ação que se volte contra as medidas de acessibilidade ou a fiscalização de sua implementação pelos Poderes Públicos acaba por naturalizar a opressão, a discriminação e o preconceito, e incentivar a violência e crime contra as pessoas com deficiência, que, no decorrer da história, lutam com grande dificuldade pela garantia dos seus direitos e sua inclusão social.

Cabe registrar que a recusa em promover os recursos de acessibilidade pode configurar o crime de discriminação de pessoa em razão de sua deficiência, a teor do disposto no artigo 88 da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n° 13.146, de 6 de julho de 2015).

Em tempo, rememoramos que no último dia 3 de dezembro comemorou-se Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, que marca a reivindicação deste importante segmento social pela sua participação plena e efetiva na sociedade e a conscientização de que são sujeitos de direitos.

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Faz-se indispensável registrar que a população com deficiência é vítima não apenas da discriminação que a desconsidera enquanto seres humanos, como de outros atos preconceituosos dos quais resultam diversas formas de violência.

A divulgação de mensagens nas plataformas digitais deve ser vista sempre com muita atenção pois multiplica a difusão do seu conteúdo. Incluir é uma ação consciente, que começa com reconhecimento dos rótulos que nos fazem julgar equivocadamente as diferenças. Evitar generalizações, preconceitos e a discriminação, bem assim a disposição e o interesse em buscar informações, são atitudes que concretizam a inclusão. A proteção da dignidade da pessoa representa uma das mais importantes metas e conquistas da humanidade. A sua efetivação pode ocorrer principalmente pelas ações do Estado, como ente dotado de condições para garantir a concretização de direitos. A dignidade não pode ser concebida apenas como um direito da pessoa individual, mas, sim, como direito de todos, de modo que os direitos do próximo sejam sempre respeitados.

Mesmo em uma ótica meramente comercial, o ambiente corporativo é severamente afetado por condutas desrespeitosas, preconceituosas e discriminatória de grupos sociais vulneráveis. Empresas que conduzem seus negócios de forma socialmente responsável, com metas compatíveis ao desenvolvimento social e direitos humanos, recebem apoio e admiração da sociedade e dos consumidores. Ao se apresentarem em conformidade com exigências normativas e sociais, consolidam-se como um diferencial no meio corporativo e tornam-se benéficas para toda a cadeia produtiva, especialmente para o consumidor final, inclusive pessoas com deficiência.

Nesse contexto, firme no seu entendimento sobre a importância dos valores da justiça social, dos direitos humanos e da responsabilidade social corporativa, a Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil apresenta esta Moção na expectativa de que as autoridades competentes adotem as medidas administrativas e judiciais cabíveis para garantir não somente a acessibilidade e inclusão das pessoas com deficiência, mas, especialmente, a responsabilização civil e criminal pela prática de qualquer ato atentatório aos seus direitos".

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Sisejufe

"A diretoria do Sisejufe, por meio do Departamento de Acessibilidade e Inclusão (DAI), repudia o vídeo lamentável do empresário Luciano Hang, proprietário das lojas Havan, divulgado em suas redes sociais na quinta-feira (19/12). No depoimento, ele chama de “burocracia que para nada serve” as regras para inclusão de recursos de acessibilidade em estabelecimentos comerciais do País.

Referindo-se a uma de suas lojas, em Chapecó, Hang afirma que “a prefeitura conseguiu ultrapassar o ridículo”, mostrando diversos documentos municipais sobre o tema. Ele reclama das marcas de sinalização obrigatórias no chão da loja – o piso tátil – afirmando que “é horrível e serve para nada”. Luciano critica, ainda, o fato de ter que disponibilizar cadeiras de rodas no interior da loja.

Em outro trecho, fala sobre a área externa do estabelecimento. O empresário reclama das vagas reservadas de estacionamento e diz que acessibilidade “custa caro”.

Para o Sisejufe, ao fazer tais comentários, Luciano Hang, desrespeita e fere a dignidade das pessoas com deficiência, segmento composto por 45 milhões de brasileiros. Além disso, demonstra total falta de conhecimento da legislação, uma vez que as exigências destacadas pelo empresário estão previstas em legislações federais, como a Lei da Acessibilidade (n° 10.098/2000), a Lei Brasileira de Inclusão (LBI nº 13.146/2015) e as especificações da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

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Vale destacar que a acessibilidade visa tornar possível a plena participação das pessoas com deficiência em espaços públicos e privados. Convém ressaltar também que, segundo a NBR 9050, todo recurso de acessibilidade dispõe de um protocolo de medidas e gabaritos – o que permite que os espaços e equipamentos sejam disponibilizados de forma eficaz para quem necessita – e este documento está em conformidade com a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e com a LBI.

O Departamento de Acessibilidade e Inclusão reforça que as colocações do dono da Havan são reflexo do pensamento de uma parcela da sociedade, que discrimina pessoas com deficiência e legitima o preconceito em discursos de ódio. Atitudes repugnantes como a do senhor Hang nos mostram que a luta em prol da acessibilidade, do respeito e da busca pela qualidade de vida das pessoas com deficiência deve ser diária e ininterrupta".