As histórias de um juiz do “Tribunal de Justiça de Santa Ignorância”, relatadas em um livro de ficção, viraram alvo de ações judiciais e de tentativa de censura em Santa Catarina. Dois processos, nas esferas cível e criminal, buscam barrar a publicação, lançada em fevereiro para venda virtual. O motivo da polêmica é o vilão da obra. Um magistrado de São José acusa a autora de tê-lo usado como “inspiração” para o personagem, que se chama Floribaldo Mussolini.
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O livro, “Causos da Comarca de São Barnabé”, é a quinta obra da escritora catarinense Saíle Barbara Barreto. Trata-se de uma sátira ficcional do judiciário da “República Federativa de Bananalândia” – um assunto que a autora conhece bem. Advogada, Saíle é dona da página “Diário de uma Advogada Estressada”, que tem mais de 100 mil seguidores nas redes sociais. Desde 2017, ela usa o bom humor para relatar ali peculiaridades do trabalho das mulheres advogadas e registrar histórias que chegam de todo o país.
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Foram justamente as publicações de Saíle nesta página, no Facebook, a causa dos processos judiciais. Em dezembro, o juiz Rafael Rabaldo, da Vara Especial Cível de São José, soube que a advogada o citou no “Diário de uma Advogada Estressada”, questionando uma decisão judicial. Ele relatou o fato em mensagem por escrito à coluna:
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“Menos de 24h depois (…), a advogada postou em seu perfil pessoal do Facebook a informação de que estaria escrevendo um novo livro e que o enredo acontece na Comarca de São Barnabé, esquecida por Deus (e pela Corregedoria)”, disse o juiz.
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Dois anos antes, Saíle havia denunciado o mesmo magistrado à Corregedoria, por discordar de movimentações promovidas por ele em processos de seus clientes. A advogada afirma que não há qualquer relação entre o impasse e o livro que ela escreveu, que é uma obra de ficção. Para o magistrado, no entanto, “não restam dúvidas” de que ela se refere a ele.
“Colocou características perfeitamente identificáveis na estória, restando claro que sua pretensão era atingir os magistrados e servidores da Comarca de São José/SC, em especial a minha pessoa. Os marcos geográficos do fórum (localizado em frente ao maior shopping da cidade, o Shopping Baiacu, em alusão ao Shopping Itaguaçu), suas características arquitetônicas peculiares (horrenda, segundo a advogada), as unidades jurisdicionais mencionadas e os nomes escolhidos para as personagens deixaram bem óbvio de quem a advogada estava debochando. Com efeito, brincou com os nomes, fazendo trocadilhos e rimas com o nome verídico: juiz Rafael Rabaldo (JEC de São José) – Juiz Floribaldo (JEC de São Barnabé – esquecida pela Corregedoria)”.
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Por determinação judicial, Saíle não pode citar o nome do magistrado, sob pena de pagar R$ 1 mil de multa. Em conversa com a coluna, sem citar nominalmente o juiz, ela negou que o impasse com a Justiça em São José tenha refletido na obra.
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– O vilão do livro é um juiz, e ele cismou que era ele. Como o nome rima, resolveu me processar. Mas (o livro) é uma sátira ao judiciário, totalmente ficcional. Os personagens têm família, o vilão é corrupto, tem uma amante. E eu nem o conheço (o juiz).
“Tentativa de censura”
Diante dos apontamentos do juiz, em dezembro de 2020 a Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC) apresentou uma representação ao Ministério Público de Santa Catarina (MPSC). Em mensagem à coluna, a entidade de classe relacionou as postagens nas redes sociais ao conteúdo do livro, e afirmou que “a advogada Saíle Bárbara Barreto há meses tem publicado textos apresentados como fictícios, mas que são evidentes ofensas, calúnias e difamações contra o juiz”.
O MPSC instaurou um processo criminal contra Saíle por injúria, calúnia e difamação. A ação pede que sejam excluídas 47 publicações da advogada nas redes sociais – a maioria delas contém trechos do livro, que podem ser acessados publicamente. O processo corre na 3ª Vara Criminal de Florianópolis, e a defesa da escritora tenta fazer com que “suba” para o Supremo Tribunal Federal (STF), alegando conflito de interesses. Até agora, sem sucesso.
A segunda ação, segundo Saíle, foi movida pelo próprio juiz na esfera cível. Nela, iainda de acordo com a escritora, ele pede, além da remoção dos posts nas redes sociais, também a exclusão do livro da plataforma de venda virtual da Amazon e que a advogada seja impedida de fazer venda física da obra. Há no processo, ainda, um pedido de indenização de R$ 100 mil.
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Até agora, as decisões judiciais se resumiram à determinação de exclusão de postagens nas redes sociais. Pelo menos uma delas foi contestada pelo Facebook, que considerou a decisão pouco específica, o que – segundo alega – vai de encontro ao Marco Civil da Internet.
Saíle, que tem passado por uma crise de estresse desde que os processos começaram, e afirma que as ações movidas contra ela tramitam com agilidade incomum.
– É uma tentativa de censura, porque a ação é inibitória. E é uma perseguição – diz a escritora.
O juiz, por sua vez, se diz exposto:
“Mesmo que a advogada diga que é puramente ficção, que o personagem do livro é apenas uma coincidência, não há como acreditar que não houve dolo em sua criação, com claro intuito de zombar da minha pessoa, vingar sua perda processual com o escárnio e humilhação”.
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Apesar da pendenga judicial, o livro segue à venda na internet. Saíle Barreto também é autora de “Advocacia É Cachaça, né Minha Filha?”, “Os Herdeiros da Nonna”, “Tão Legal que Nem Parece advogada” e “Não Sou ou Tua Querida”. Diante da polêmica, “Causos da Comarca de São Barnabé” ganhou, nas redes sociais, o apelido de “proibidão”.
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