A Tributação Verde, que taxou os agrotóxicos em 17% em Santa Catarina a partir desta quinta-feira (1º), causou reação no setor produtivo. Um impacto esperado, já que o Estado é o primeiro no país a adotar a política de cobrar impostos sobre os defensivos agrícolas.
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A decisão do governo de Santa Catarina foi amparada pelo Ministério Público do Estado (MPSC), que acompanha a questão dos benefícios fiscais há pelo menos três anos. Para o coordenador do Centro de Apoio da Ordem Tributária do MPSC, promotor Giovanni Andrei Franzoni Gil, a instituição da Tributação Verde é uma vitória para o Estado. Confira entrevista exclusiva à coluna.
Entrevista: Giovanni Andrei Franzoni Gil
Que impacto a aprovação da tributação verde traz para o Estado?
O principal impacto é de matriz ideológica. Temos que trabalhar a tributação com seriedade, não dá para não levar em conta que a existência do sistema tributário tem que ser justa. E há uma relação entre os agrotóxicos e impactos em investimentos em saúde. Vai haver com o passar dos anos uma possibilidade de incremento no número de doenças. Vivemos um sistema tão perverso, uma matriz tributária tão desconexa, que dá isenção para agrotóxicos e tributa com uma carga razoavelmente elevada os medicamentos, por exemplo. Há um descompasso. É preciso tributar mais o que exige do poder público mais investimento. A ideia do MP é incentivar que se corrija essa matriz. Como já se tributa o cigarro, por exemplo, que tem uma carga elevada pra desestimular o consumo – sem impedir que se consuma, desde que se arque com o custo social. É a mesma coisa com os agrotóxicos. Não se quer impedir comercialização. A ideia é que se tenha taxação normal, e aí você definir a política econômica como quiser.
É possível mensurar qual o impacto tributário para a saúde?
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É difícil conseguir mensurar. O Ministério Público, nas áreas de proteção ao consumidor e ao meio ambiente, já tem diversos estudos que apontam incremento de diversas doenças, e isso vai gerar mais despesa para o Estado. No tributário, trabalhamos o abstrato. Mas é fato que o uso de agrotóxicos, por mais que seja dentro da margem autorizada pela legislação, traz riscos ao meio ambiente e à saúde. Prova disso são os estudos que o próprio MP fez, da presença de agrotóxicos na água. Isso exige investimentos para minimizar.
O senhor esperava a reação das entidades?
Era esperado, nenhum setor econômico gosta de pagar tributos, nenhum cidadão. Esse alerta já foi dado pelo governo, essa sinalização, desde o começo do ano, e precisamos avaliar com muito cuidado os dados que são trazidos. Vi uma reportagem dizendo que o impacto imediato será de 30%. O ICMS que está implantado é de 17%, e o agrotóxico é uma parte do insumo. Jamais o impacto pode ser superior a essa tributação. Está se tributando uma parte da cadeia. O reflexo tem que ser menor do que 17%, a não ser que a gente só consuma agrotóxico, não consuma o produto. É uma questão matemática. Segundo, o impacto não é imediato. Serão taxados os agrotóxicos que serão usados próxima safra. É uma questão de médio prazo. Não acredito que um aumento de 17% sobre o insumo vá resultar em um aumento de 30% sobre o produto final. Economicamente, não parece plausível.
É algo a que o MP estará atento?
Temos acompanhado esse processo de revisão dos incentivos desde o início, trabalhado para que haja equilíbrio, (entender) o que é beneficio e o que é incentivo, avaliar cada setor. A última estatística que eu tenho, oficial do Estado, (diz que) no setor agroindustrial a renúncia era superior à arrecadação. Um setor que em 2014 arrecadou R$ 315 milhões e o benefício fiscal no mesmo ano foi algo em torno de R$ 450 milhões. Ainda não temos os dados consolidados de 2018, mas apenas um único setor, por exemplo, de aves e suínos, responsável por R$ 40 milhões de arrecadação de ICMS em 2018, recebeu como renúncia tributária R$ 517 milhões no mesmo período. Não somos o órgão técnico a fazer avaliação dessa desproporção, se justificada ou não. Mas temos que cobrar do estado como órgão fiscalizador. A ideia do MP não é de forma alguma prejudicar a economia, pelo contrário. Queremos que o estado seja cada vez melhor.
A tributação verde deve servir de exemplo para outros Estados?
Está discutida, hoje tem uma ação direta de inconstitucionalidade avaliando esse convênio (nacional) que permitia a isenção. A informação que temos é que o Estado vai defender a sustentação dessa estratégia no ano que vem, quando o convênio vai ter que ser analisado. Se SC mantiver esta postura sobre a renovação, o convênio é cancelado. Convênios do Confaz precisam ter a anuência de todos os Estados. Temos esse período de transição, mas essa estratégia vai ser imposta a todos os estados da federação no próximo ano, se SC mantiver essa posição.
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A tributação dos agrotóxicos foi vista como uma vitória?
O MP entende pelos órgãos técnicos, área tributária, do consumidor e do meio ambiente, como uma vitória do Estado. Trabalhar a justiça fiscal, a melhoria da qualidade dos alimentos do cidadão, como também a melhoria da proteção ao meio ambiente. Não temos dúvidas de que é uma estratégia correta. Os incentivos estão sendo discutidos de forma tão ampla por conta de uma atuação do MP em 2016, propusemos ação direta de inconstitucionalidade, o procurador-geral da época, para obrigar o Estado a aprovar na Alesc os incentivos, o que passou a permitir o debate mais amplo. Entendemos que isso é importante, para que o parlamento e a sociedade discutam.