Enrique Orge, presidente da Gomes da Costa, diz que a empresa reavalia a intenção de investimento de R$ 300 milhões em Itajaí, anunciada em maio pelo Grupo Calvo, multinacional espanhola que detém a marca. O motivo é um imbróglio judicial que envolve a BFP, braço da indústria que atua na transformação de restos de pescado em bioproteína. Na semana passada, a fábrica foi fechada pela Justiça.
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A BFP enfrenta uma ação por poluição odorífera, causada por mau cheiro. A fábrica está instalada na localidade de Arraial dos Cunha, na zona rural de Itajaí, e foi alvo do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) após reclamações dos moradores.
Embora o caso se arraste há quase dois anos, esta é a primeira vez que a Gomes da Costa se manifesta sobre o assunto. Em entrevista exclusiva à coluna, por e-mail, Orge diz que a BFP está com o licenciamento em dia, e reclama que não recebe fiscalização há dois meses.
A decisão judicial que fechou a indústria foi em resposta a um pedido do MPSC para que as atividades fossem suspensa até a instalação de exaustores.
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Entrevista: Enrique Orge
"A companhia não foi inspecionada nos últimos dois meses"
Qual o posicionamento da empresa sobre a decisão judicial? Pretende recorrer?
Antes de te responder essa pergunta gostaria de dizer que nós fizemos uma empresa para gerar segurança na disposição de nossos resíduos. Construímos uma planta que não utiliza energia fóssil, reaproveita água das chuvas e que tem por objetivo dar a um resíduo uma função mais nobre, quer seja alimentação para a aquicultura e, principalmente, óleo para geração de Omega 3, que não pode ser produzido artificialmente. Temos orgulho do que construímos e temos certeza que quem conhece o projeto sabe que o mesmo é um marco na área de reciclagem de pescados. Respondendo à sua pergunta, fomos surpreendidos pela decisão de suspender as atividades. A fábrica conta com todas as licenças exigidas perante os diferentes órgãos, inclusive com a Licença Ambiental de Operação. A Empresa vem cumprindo rigorosamente todas as condicionantes, pautas e procedimentos definidos na licença, inclusive um novo investimento exigido pelo órgão ambiental, o que nos causou surpresa com essa decisão judicial. A companhia não foi procurada nem inspecionada, nos últimos dois meses, seja por representantes do Judiciário, seja pelos órgãos de fiscalização, seja por outros representantes da comunidade, como vereadores, por exemplo. A fábrica de Bioprodutos de Pescados está sempre de portas abertas para ser inspecionada, de forma justa. A empresa faz questão de esclarecer que as atividades não deveriam ter sido suspensas, antes, os órgãos fiscalizadores deveriam checar se as normas legais exigidas estão sendo observadas, notadamente no que diz respeito às condições previstas em nosso licenciamento. Infelizmente isso não ocorreu e acreditamos que isso foi o que motivou a decisão judicial, induzida a erro pela versão apenas de alguns vizinhos, na minha opinião. Diante deste cenário, nossa obrigação é, sim, recorrer da decisão, mas, em razão do momento em que essa decisão ocorreu, às vésperas de recesso de final de ano, inclusive do Judiciário, não temos outra opção senão a de aguardarmos até 7 de janeiro de 2019.
Que medidas foram tomadas para sanar o problema com o odor da fábrica?
Numerosas medidas, sem medir esforços nem investimentos financeiros, foram tomadas. Temos que lembrar que estamos em uma região de Itajaí que é zona industrial e residencial ao mesmo tempo e, portanto, é necessário conviver com indústria e vizinhos. Desde o começo de deste ano, apuramos e identificamos onde poderiam estar os pontos vulneráveis da fábrica, e aonde poderia estar saindo o odor do qual a população tem reclamado. E conjunto com o órgão ambiental responsável, o IMA, contratamos corpo técnico especializado para sanar a questão. Foi um trabalho a quatro ou seis mãos, no qual foi traçado o plano necessário, inclusive, a partir deste estudo, foram definidas mais de 40 ações e todas elas executadas, algumas exigidas pelo IMA. Foi a execução dessas ações que resultou, finalmente, na conclusão do licenciamento do empreendimento, onde acreditávamos que, então, nossos esforços, pessoais e financeiros, haviam sido recompensados. Após ter feito isso e cumprido rigorosamente todas as condicionantes, e repito, sem uma prévia reunião com a empresa para verificar a fábrica ou qualquer outro ambiente, nos deparamos com a decisão de suspender as atividades da fábrica.
Por que o problema não foi resolvido?
Seguramente, estamos diante da fábrica de farinha, do Brasil, que menos odor gera. É a única unidade brasileira a ter a certificação GMP+B2 na área de reciclagem de resíduos de pescado. Inclusive posso afirmar que, neste mês de dezembro, a situação já era cerca de 80% melhor que do que em dezembro de 2017. A Gomes da Costa espera ser reconhecida pelas ações que efetuou para minimizar esses eventuais problemas. Nossa intenção é dialogar com os moradores, vereadores, peritos etc., que possam confirmar essas declarações. Efetivamente, enviamos técnicos a cada vez que ocorre alguma reclamação. Nossos profissionais nunca foram chamados a testemunhar sobre os atendimentos que efetuam, embora em todas as audiências, estejam presentes.
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A fábrica está ativa? Quantas pessoas trabalham no local? Esses funcionários serão dispensados?
A fábrica não está mais ativa. Tão logo recebemos a notícia da decisão judicial, iniciamos os procedimentos previstos no licenciamento ambiental para o desligamento total da unidade, o que já foi concluído. Não faz sentido, do ponto de vista empresarial, manter funcionários em uma fábrica inativa. Vão seguir contratando transporte? Não. Vão continuar servindo comidas no refeitório? Não. Vão continuar comprando cavaco, produtos químicos, etc? Não. Portanto, não são somente nossos funcionários que estão envolvidos, mas os funcionários de todos os fornecedores dessa fábrica. Nossa folha de pagamento anual é de R$ 3 milhões, sem contar que pagamos mais de R$ 1 milhão ao ano em diversos impostos. Além disso, gastamos mais de R$ 8 milhões, por ano, em compras junto aos nossos fornecedores, que são empresas de Itajaí e região que deixam de faturar.
Que investimentos foram feitos no local até agora?
Investimos mais de R$ 15 milhões no local, pelo menos 30% disso em melhorias relacionados ao odor, mas é difícil saber, nesse momento, como será o futuro. De novo, podemos falar do impacto que essa situação causa, não só para a BFP, mas para o Grupo Gomes da Costa, bem como a mensagem que estamos enviando para os investidores da região. Para você entender o impacto global, não são poucos os empresários que me ligaram, e ainda me ligam, para perguntar o que aconteceu. Também associações de âmbito empresarial querem saber o que está acontecendo. Eu tenho que contar a realidade, que estávamos com todo os licenciamentos exigidos em vigor, mas alguns vizinhos reclamaram de odor nas imediações da fábrica. E nos últimos dois meses não fomos visitados ou inspecionados por autoridades envolvidas ou por técnicos, o que resultou na decisão de que a fábrica suspendesse suas atividades.
A BFP será transferida junto com as demais unidades fabris da GDC, no plano de expansão?
Existe um projeto de consolidação de todos os sites da empresa em um só local. Faz todo sentido de geração de eficiência de uma empresa com os volumes que são gerados diariamente. Infelizmente, com a insegurança atual, preferimos repensar isto e ver se realmente vale a pena.