Uma sombra pairou sobre a esquerda em Santa Catarina desde a divulgação do resultado das eleições municipais. Apesar de alguns sucessos pontuais, como no caso do deputado estadual Marquito (PSOL), que ficou em segundo lugar na disputa pela prefeitura de Florianópolis, os partidos à esquerda do espectro político tiveram um desempenho abaixo do projetado na disputa eleitoral.
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Isso ocorre após as eleições de 2022, quando a chapa encabeçada por Décio Lima (PT) disputou o segundo turno para o governo do Estado, de carona com Lula (PT). Foi a primeira vez que a esquerda chegou à última fase das eleições em Santa Catarina, o que aumentou as expectativas de um bom resultado nas eleições municipais de 2024.
O PT, maior partido à esquerda, geriu as campanhas municipais nas maiores cidades do Estado via diretório nacional – inclusive na distribuição de recursos. A estratégia foi ampliar o número de candidaturas em cidades-chave, para prefeitos e vereadores, e ocupar o tempo de propaganda eleitoral para marcar presença no imaginário do eleitor, de olho nos 1,3 milhões de votos que Lula fez na disputa com Bolsonaro em SC em 2022. Em SC, o partido teve um dos maiores números de candidatos no país.
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– Os partidos de esquerda não terão maioria em um estado como Santa Catarina. Mas essa é uma estratégia válida e interessante, de colocar candidaturas pensando em uma vitrine – avalia Luís Felipe da Graça, cientista político e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
No balanço final, de 11 prefeitos eleitos em 2020, o PT passou para sete, mesmo tendo o presidente da República como cabo eleitoral. O número de vereadores também reduziu, de 159, em 2020, para 142 em 2024, segundo dados reunidos pelo próprio partido.
Em Chapecó, no Oeste, Pedro Uczai (PT), que polarizou a disputa com o bolsonarista João Rodrigues (PSD), fez 17.755 votos – menos da metade dos 48.271 de Lula em 2022. A região é historicamente uma das que mais votam no PT em Santa Catarina. São de lá três deputados estaduais do partido.
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Em Blumenau, a deputada federal Ana Paula Lima (PT) teve 29.071 votos. Lula fez 52.292 na maior cidade do Vale do Itajaí no segundo turno. Em Joinville, Carlito Mers (PT) totalizou 23.278 votos, contra os mais de 81 mil votos de Lula.
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Na Capital, Lela (PT) teve 16.001 votos, o equivalente a 5,78% dos votos válidos. Um resultado muito distante dos 148.244 votos de Lula em 2022, que representaram 46% do total – a Capital deu ao presidente um dos melhores resultados do PT nas eleições gerais em Santa Catarina.
O cenário é considerado preocupante por muitas lideranças de esquerda no Estado, especialmente porque a direita ganhou novos espaços e avançou sobre o centro em Santa Catarina. Assim como no cenário nacional, o MDB deixou de ser o partido com mais prefeituras no Estado. O posto , por aqui, foi assumido pelo PL.
O movimento já havia sido previsto pelo diretor de pesquisa do Instituto Quaest, Guiherme Russo, em agosto.
– Candidatos mais à direita serão eleitos novamente, certamente teremos uma representação de vereadores bem radical à direita nas próximas eleições em Santa Catarina. Está claro que esta força de direita radical não vai embora nos próximos anos, e o fato de termos o governo Lula fortalece esse sentimento antipetista, mantém esse grupo validado.
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Décio Lima, no entanto, tem um olhar otimista para o resultado:
– Temos que olhar o resultado comparado a 2020, quando vivíamos o pior ambiente depois do massacre, da violência que passamos a viver com o golpe de 2016. Quase dobramos nossa votação para a câmara de vereadores e para as prefeituras. Em Blumenau, nossa candidata quase quadruplicou os votos que teve em 2020. Dobrou a bancada na Câmara. Para nós são resultados extremamente otimistas, porque estamos recuperando a musculatura – afirma.
Crescimento passa pelo centro
O cenário da esquerda em Santa Catarina não difere do restante do país. Nacionalmente, o PT e a esquerda aumentaram o número de prefeitos eleitos em todo o Brasil, em comparação com 2020. Disputarão o segundo turno em quatro capitais, mas o cenário indica que as chances reais de vitória passam apenas por Fortaleza (CE). O diagnóstico é de que a esquerda depende demais da figura de Lula, e tem dificuldade em lançar novas lideranças com capital político competitivo.
As eleições municipais de 2024 estão sendo marcadas no país por um crescimento dos partidos de direita e de centro, com destaque para o PSD de Gilberto Kassab, que conseguiu derrubar a hegemonia do MDB e assumir a liderança entre os partidos com maior capilaridade no país, em se tratando de prefeituras. Ainda que o PSD não tenha crescido em número de municípios comandados em Santa Catarina, conseguiu manter-se no comando de cidades importantes como Criciúma e São José.
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A estratégia do PSD é típica do centro: Kassab está com Lula em Brasília, integra o governo Tarcísio em São Paulo, e nos estados tem uma política freestyle. Em Santa Catarina, por exemplo, aposta no “bolsonarismo sem Bolsonaro”.
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Décio Lima diz que o crescimento do centro não é um problema, porque partidos como o PSD e o MDB integram a coalizão que elegeu Lula em 2022.
– Lula faz um governo de coalizão com vários partidos que ganharam as eleições em SC. Tem apoio do MDB, que ganhou várias prefeituras, tem apoio do PSD que ganhou várias prefeituras, do União Brasil. Esse é o patrimônio do Lula como estadista. Vamos trabalhar para essa aglutinação ocorrer também em SC – diz.
O cenário para essas alianças, no entanto, é pouco promissor. Com um eleitorado reconhecido como conservador, a maioria dos partidos de centro em SC aposta no antipetismo – e tende a reforçar a estratégia até 2026.
Falar a língua do povo
Segundo colocado em Florianópolis, com 115 mil votos, o deputado estadual Marquito (PSOL) foi o destaque à esquerda nas eleições municipais. Mas reconhece que o resultado, em geral, revela um impasse e um desafio para a esquerda:
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– É uma análise numérica. Houve crescimento em alguns centros, mas de forma geral diminuiu (o tamanho da esquerda). O PSOL não fez um bom desempenho, PSB e PDT, partidos da centro-esquerda, diminuíram também. É preocupante.
Marquito chama atenção para o índice de abstenção na capital, que chegou a 28% – praticamente o mesmo de 2020, em meio ao auge da pandeia de Covid-19. O deputado pediu à sua equipe uma análise sobre o desinteresse do eleitor, que considera fundamental para traçar o caminho da esquerda em SC.
– A tarefa é a esquerda voltar a ser esperança. Dialogar de forma programática, apresentar soluções e saídas de forma concreta. A esquerda não pode voltar apenas na eleição. Minha campanha foi muito baseada nisso. Essa construção de base social é um trabalho constante. E é preciso também saber ocupar as redes sociais.
A preocupação é com um distanciamento da vida do eleitor. Para Marquito, a esquerda precisa “falar a língua” do cidadão, se aproximando mais dos problemas mais urgentes.
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– As pessoas estão revoltadas com desigualdades. Mas não estão se reconhecendo no discurso – avalia.
Vereadora mais votada em Criciúma, uma das cidades mais conservadoras do Estado, base eleitoral de deputados bolsonaristas como Julia Zanata (PL) e Daniel Freitas (PL), Giovana Mondardo (PCdoB) tem uma análise semelhante à de Marquito.
– A esquerda está enfrentando dois problemas centrais. O primeiro é uma disputa da consciência, é não falar mais sobre os problemas reais. Passei quatro anos sendo a única vereadora de oposição, apontando problemas do executivo, e isso ajudou na minha votação. A esquerda abandonou as pautas populares, não consegue mais dialogar com o problema real, do dia a dia das pessoas. O segundo ponto é uma transição geracional – diz.
Para Giovana, a mudança de rota na esquerda fez com que os partidos perdessem o discurso antissistema, que foi absorvido pela extrema direita:
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– A esquerda não conseguiu apresentar outro ponto de vista. O discurso antissistema sempre foi nosso, de que a política institucional é um caminho para transformar a sociedade, mas não é o começo nem o fim. Quando a gente para de fazer esse discurso, é mais fácil para a extrema direita assumir essa posição, e negar toda a institucionalidade.
O futuro – e a sobrevivência – da esquerda em Santa Catarina passam por olhar para novas pautas, na avaliação dos eleitos. Isso passa por reconhecer os pontos altos do Estado, e apostar em pautas que gerem empatia e identificação.
– Santa Catarina tem o melhor IDH do país. Precisa surgir o Estado que olhe para as pessoas com respeito, mas que também entenda esse potencial do polo tecnológico, da indústria, da pecuária. Podemos começar a falar em redução da escala de trabalho, regional e estadual. Sobre direitos civilizatórios na indústria, no mercado de tecnologia. Quero provocar esse debate – diz Monardo.
Redesenhando a rota
Proporcionalmente, o vereador de esquerda mais votado nas grandes cidades de SC foi Eduardo Zanatta (PT), reeleito em Balneário Camboriú, que chegou a quase 4% dos votos – um petista no território da direita, local escolhido para sediar a versão brasileira do congresso internacional conservador CPAC.
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No primeiro mandato, Zanatta atuou em pautas como tarifa zero, cannabis medicinal e investimentos federais. A tendência é que polarize as atenções com Jair Renan Bolsonaro (PL), o filho zero-quatro do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que se elegeu o vereador mais votado em Balneário Camboriú.
– A extrema-direita sai como derrotada em Balneário Camboriú, numa demonstração de que novos ventos passam por aqui. Eu continuarei a defesa que faço da população da nossa cidade e não medirei esforços para mostrarmos que o povo de Santa Catarina não quer ficar de costas para o novo momento em que vive o Brasil – diz Zanatta.
O embate com Jair Renan já lhe rendeu projeção nacional, em alguns dos principais jornais do país. Desde o resultado das eleições, Zanatta tem provocado o filho de Bolsonaro dizendo que vai “obrigá-lo a falar” na Câmara de vereadores – lembrando que Jair Renan foi proibido de se manifestar em um comício pelo pai.
Promessa de renovação à esquerda, Zanatta teve a candidatura a deputado estadual brecada pelo partido em 2022. Este é um outro ponto bastante citado pelas lideranças de esquerda – algumas delas, ouvidas sob reserva. A falta de oportunidade par novas lideranças, e de pragmatismo nas escolhas, impacta os resultados em Santa Catarina.
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– Observando outros lugares onde a esquerda teve unidade, penso que se tivéssemos unificado as candidaturas teria aumentado a bancada na Câmara, diante do que ocorreu em outras capitais – diz Marquito.