Ativista pelos direitos humanos, padre Julio Lancellotti diz que a esmola é uma questão de foro íntimo, que não deveria ser tutelada ou orientada por governantes de plantão. Autor da campanha que tem exposto desde quinta-feira (26) nas redes socias cidades brasileiras – entre elas municípios catarinenses – por aporofobia, a “aversão aos pobres”, o padre que coordena a Pastoral do Povo na Arquidiocese de São Paulo e é reconhecido pelo trabalho social falou à coluna nesta sexta.

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Por telefone, padre Julio comentou sobre a repercussão de suas publicações nas redes sociais, que incluem cidades como Florianópolis, Balneário Camboriú, Itajaí, Jaraguá do Sul e Porto União. Ele criticou a postura das prefeituras e diz que as campanhas que desestimulam a esmola vêm na esteira da ideia de que pedir dinheiro na sinaleira é rentável – o que ele rejeita absolutamente. “Se fosse assim, ninguém seria deputado para ganhar milhões”, diz. As falas do padre foram separadas em tópicos.

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Discurso sobre encaminhar ao serviço social é “fake”

É uma falsa compreensão, como se a esmola fosse a causa de eles estarem na rua. “Não dê esmola e encaminhe para o serviço social”. Isso não é uma verdade, é um fake. As próprias cidades não têm capacidade de acolher e prover o sustento dessas pessoas. O número de famílias é cada vez maior nas ruas das cidades. E essa campanha, “não dê esmolas”, está culpabilizando. “É a esmola que o sustenta”. Isso não é verdade, ninguém se sustenta de esmolas na rua.

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Ninguém se sustenta de esmolas

Se fosse assim, ninguém seria deputado para ganhar milhões. Ia pedir esmola. Para que as pessoas vão ser jornalistas, advogados, médicos, padres, se o grande negócio para se sustentar é pedir esmola? Ficar o dia inteiro num farol sendo xingado, desprezado, ofendido, debaixo de sol, de chuva, com sede? Se você ficar meia hora no farol observando quantas pessoas dão alguma coisa, o número é mínimo. Com a questão inclusive de segurança, essas pessoas são vistas como oportunistas, mentirosas, que estão numa ação extorsiva, fantasiadas de pobres e moram muito bem.

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Whatsapp do pobre

O número de pessoas com placas nas ruas é cada vez maior. Eu chamo de Whatsapp do pobre. “Sou pai de família, tenho três filhos”. “Estou com fome”. Outros põem na placa “ajuda eu, sou morador de rua”. “Não sou ladrão”. E essa situação vai aumentar, isso é que é dramático.

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Foro íntimo

Tem prefeito que me telefona, secretário municipal que telefona. Alguns muito amáveis, dizendo “fazemos isso, aquilo, o senhor venha visitar”. Mas é impressionante a quantidade de fotos que venho recebendo, do Brasil todo. As pessoas estão me mandando e eu estou mostrando a aporofobia em ação. É uma situação terrível. Aqui em São Paulo já tive discussões enormes com a prefeitura por causa disso. Tem uma coisa, que talvez seja um resquício liberal de pensamento. Penso que a esmola é uma questão de foro íntimo, o Estado não pode tutelar tua consciência. A decisão é tua. Não digo que dê ou que não dê. É uma decisão tua, do que teus olhos veem na hora. Tem pessoas que te pedem alguma coisa e você não sente nada. Tem pessoas que te pedem e entra no coração como um punhal. Então, não é a proibição ou não que vai mudar isso. Fica um estado autoritário. E numa inflação como estamos, com 14 milhões de desempregados, numa pandemia, numa situação de crescimento quase zero, achar que as pessoas estão na rua por causa da esmola?

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Miséria crescente

Esse fenômeno aporofóbico está crescendo muito no Brasil. Não surgiu agora, mas com o aumento da miséria, a fome voltou de maneira avassaladora. Não são todos os que estão atingidos pela fome, pela miséria, que estão na rua pedindo. Na hora em que isso acontecer, não vai ter sinaleira suficiente.

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Aporofobia em ação

Meu objetivo (com a campanha nas redes) é colocar a público uma coisa que não é escondida. Isso está nas ruas. Em alguns municípios, é lei já. Estou constatando a aporofobia em ação no Brasil. São placas públicas, nenhuma delas é privada. Recebi uma mensagem dizendo que estou desmerecendo os trabalhadores da área social. Acho que os trabalhadores da área social é que devem ser contra isso. Veja a briga que está para esse auxílio de R$ 400 sair. E, mesmo que saia, as pessoas terão que optar ou por comer, ou por morar. Não dá para fazer as duas coisas. Então, o que pretendo com isso é por a claro essa hipocrisia social. Quem dá esmola é o poder público, que não garante proteção social para as pessoas que estão vulneráveis. Temos que esmolar vacina, proteção social, garantia de direitos. Vivemos uma tragédia humanitária, e a placa é “não dê esmolas”. É como se as pessoas estivessem na UTI e tivesse uma plaquinha “não dê soro”, como se isso fosse salvar a pessoa na UTI. Não vai.

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