Sérgio Moro surpreendeu no pronunciamento em que anunciou o desembarque do governo Bolsonaro, na manhã desta sexta-feira (24). Não pela decisão, que já era assunto nos bastidores nas últimas 24 horas. Mas pelo tom do ministro e pela lista de justificativas que apresentou.

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O ex-juiz Sérgio Moro fez quase uma delação premiada. Expôs, em ordem cronológica, as investidas do presidente da República contra a autonomia da Polícia Federal. As tentativas reiteradas de impor nomeações, e a “preocupação” com inquéritos que hoje correm na PF.

Moro disse que o Bolsonaro quer um diretor da Polícia Federal para quem ele possa ligar, com quem possa colher informações e relatórios de inteligência. Não se trata apenas de uma tentativa de aparelhamento, mas de uma violação institucional do órgão que virou símbolo do combate à corrupção no país.

Ao falar sobre as intenções do presidente da República, Moro expôs o projeto autoritário de governo de Bolsonaro. A vontade de submeter ao seu jugo as instituições que são pilares da democracia brasileira.

O ex-juiz, agora em vias de ser ex-ministro (ainda falta a portaria de exoneração) deu o tom da gravidade das atitudes do presidente da República ao lembrar que nem mesmo nos governos anteriores, que ele julgou corruptos, houve tal ameaça à Polícia Federal – e, portanto, à democracia. Nem mesmo durante os momentos mais tensos da Operação Lava Jato.

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Moro diz que Bolsonaro queria mexer na PF para ter acesso a relatórios de inteligência

Moro: "Eu disse que seria interferência política. Ele disse que seria mesmo"

Moro não delatou Bolsonaro à toa. Ao trazer à luz, em rede nacional, o projeto autoritário do presidente, o ex-juiz federal tenta se desvincular do governo e recuperar a desgastada aura de paladino da Justiça.

Fato é que o controverso Sérgio Moro sabia em que terreno estava pisando ao aceitar o cargo de ministro no governo Bolsonaro. O apreço do presidente por torturadores e ditaduras, por exemplo, já era bem conhecido.

O ex-juiz federal, por sua vez, teve a imagem arranhada pelas acusações de ter feito julgamentos parciais no âmbito da Operação Lava Jato, que em última instância beneficiaram o atual ocupante do Palácio da Alvorada. Não há inocentes nessa história.

A atitude de Sérgio Moro nesta manhã, em que delatou o presidente da República, fará dele o novo alvo dos bolsonaristas. Mas também resgata sua reputação no momento em que o governo ao qual se uniu posa de negacionista em meio a uma pandemia, e participa de manifestações antidemocráticas.

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No Judiciário, onde Moro foi forjado, delações premiadas preveem uma recompensa. A dele, ao pular fora do governo, poderá vir em 2022.

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