O cientista político Carlos Pereira, professor da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, esteve nesta semana na UFSC para lançar e debater o livro “Por que a Democracia Brasileira não Morreu”, escrito por ele em parceria com também cientista político Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco. Os dois compartilham um currículo estrelado – Pereira é pós-doutor pela Universidade de Oxford e Melo é doutor pela Universidade de Sussex – e uma visão otimista sobre a resiliência da democracia brasileira.

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A obra é um contraponto a “Como as Democracias Morrem”, best seller dos professores de Harvard Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, que fala do fenômeno contemporâneo de erosão democrática. Basicamente, “Por que a Democracia Brasileira não Morreu” afirma que o presidencialismo de coalisão brasileiro, multipartidário, complexo e cheio de defeitos, é um freio eficaz contra aventuras antidemocráticas.

Pereira e Melo fazem uma incursão pela história para propor que os constituintes de 1988 conseguiram criar um modelo de equilíbrio entre os poderes que é resistente a autocratas e tende à moderação. Primeiro, por aplicar amplos poderes ao presidente da República, que passou a contar com instrumentos como a Medida Provisória, controle do orçamento e poder de veto parcial.

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Em paralelo, o multipartidarismo criou a esse mesmo presidente “superpoderoso” uma barreira ao controle absoluto do Congresso. Pereira lembrou que o presidente que teve maior representação de seu partido no Congresso, até hoje, foi Fernando Henrique Cardoso, em seu segundo mandato. Ainda assim, não passou de 19% das cadeiras.

Carlos Pereira, cientista político e professor da FGV (foto: FGV, Reprodução)

Isso obriga o governante de plantão a buscar a coalizão, e todo o jogo político que ela exige. É o que costuma ser visto como o toma-lá-dá-cá. Por outro lado, com tantos interesses difusos a agregar no multipartidarismo, é o que “segura” os extremos.

Por fim, foi dado aos organismos de controle, como o Judiciário, Ministério Público e os Tribunais de Contas a prerrogativa de dizer não. É comum que prefeitos, governadores e presidentes se queixem de que não têm governabilidade por conta dos órgãos de controle.

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Esse arcabouço, avalia Pereira, é capaz de impor limites ao que ele chama de “presidentes desviantes”. Por outro lado, também é razão para a ineficiência da máquina pública brasileira, morosa e lenta. Veneno de um lado, remédio de outro.

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Mas e as evidências de uma tentativa de golpe real, que vêm sendo apresentadas pela Polícia Federal? Para Pereira, a tese otimista do livro é a resposta para que uma aventura autoritária tenha fracassado.

– Não foi por ausência de ameaças reais. Só que, embora reais, elas não foram críveis. E isso está relacionado à capacidade real dos atores envolvidos em arcarem com o custo de implementar um golpe.

Esta é, segundo ele, a resposta para parte da cúpula militar ter dado as costas à possibilidade do golpe.

– Os militares perceberam o alto custo.

 A tese traz uma reflexão interessante sobre o estado da democracia brasileira e suas garantias. Pode soar excessivamente otimista para quem vê no sistema político e na sociedade brasileira o baixo comprometimento com os valores democráticos. Mas talvez seja de fato a resposta para, apesar disso, a democracia brasileira seguir firme.

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Questionei Carlos Pereira sobre o cenário futuro. Esses freios permanecerão ativos, diante do cabo de guerra institucional entre o Congresso e o Supremo? A balança de forças seguirá intacta até 2026, ou 2030?

Ele respondeu que o grande impasse, que pode trazer consequências, é a disputa envolvendo as emendas parlamentares. E vale lembrar que que o governo ficou ao lado do Congresso nessa disputa. Apesar disso, o cientista político diz que, hoje, as ameaças de redução de poderes do STF pelo Parlamento “não são críveis”.

– Sou um otimista, atestou.