Em 2018, um momento marcou a crise da esquerda em Santa Catarina. A caravana do então ex-presidente Lula, que viajava pelo Sul do Brasil, foi atingida por ovos e pedradas em São Miguel do Oeste. O episódio selou uma sucessão de desgastes que vinham atingindo o campo de esquerda desde o Mensalão, e que chegou ao ápice com a Operação Lava-Jato.
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Doutor em Sociologia Política pela UFSC, José Roberto Paludo, que é membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo, escreveu recentemente um artigo com um resgate histórico da atuação da esquerda em Santa Catarina. Ele relatou que a estratégia de lançar nomes na disputa foi uma constante a partir de 1998, e significou uma crescente que ajudou a alavancar os resultados de 2002, quando SC deu a Lula o maior percentual de votos no primeiro turno, entre os estados.
“Depois das eleições de 2004, o processo da AP 470 (Mensalão) teve forte impacto na opinião pública catarinense, aliado com a unificação do PMDB com a oligarquia tradicional, que recolocou o estado no contexto habitual da polarização entre as antigas forças políticas unificada contra um “inimigo” em comum (o PT), enquadrado como uma ameaça a ser eliminada do cenário futuro. Portanto, o PT passou a perder força nos municípios e recuou para o patamar de 1998” – escreveu.
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A unificação do PMDB com a oligarquia tradicional, citada pelo pesquisador, foi a aliança de Luiz Henrique da Silveira com o PSD, após ter vencido as eleições com apoio do PT. A união da centro-direita permaneceria até 2018, quando foi varrida pela onda Bolsonaro.
Foi naquele momento, logo após de ter dado vitória a Lula em 2002, que a esquerda iniciou um processo de enfraquecimento em Santa Catarina. Para o cientista político Tiago Daher Padovezi Borges, da UFSC, faltou o que ele chama de uma “base volumosa” de eleitorado para que a esquerda pudesse resistir ao processo de desgaste.
— A esquerda, e mais especificamente o PT, embora tenha lideranças fortes em SC ao longo do tempo, não conseguiu uma base sólida e volumosa. Isso abre espaço para outros partidos como PSOL e PSB, que vão lutar por um eleitorado que é próximo. É por isso que aparenta haver uma desagregação de forças de esquerda, porque SC não tem uma figura proeminente, que monopoliza o espaço, como existe em outras regiões do país. Me parece um campo eleitoral incerto, e isso facilita disputa — diz.
Ele cita a organização dos partidos no Estado, no período pós-redemocratização, como uma das chaves para entender o fenômeno:
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— Houve uma proeminência do MDB, e nem tanto do PT no início da redemocratização em Santa Catarina. O partido não se tornou forte no Estado como se tornou no Rio Grande do Sul.
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Para onde vai a esquerda?
Ex-presidente nacional do PSOL, até 2023, e responsável pelo salto no número de filiados do partido, que se tornou o segundo maior à esquerda no Brasil, o cientista político gaúcho Juliano Medeiros diz que, em um estado conservador como SC, o caminho para as esquerdas está nas pautas que dialogam com o que ele chama de “problemas reais”.
— SC é um dos estados menos desiguais do país. Não significa que esteja livre de problemas sociais, onde a esquerda costuma ir melhor. É preciso identificar onde estão as contradições e agir sobre elas. Não acredito que a extrema direita possa dar boas respostas sobre déficit habitacional, condições de vida das pessoas que estão em áreas de risco, ou sobre a questão ambiental, que é um tema delicado em um estado de produção carbonífera como é Santa Catarina. Devemos evitar a disputa ideológica, descendo ao concreto. É o que temos tentado fazer.
Medeiros avalia que a tendência de SC à direita é uma condição momentânea:
— Temos a impressão de que o país agora está cindido entre posições ideológicas bem definidas, mas isso não é uma novidade. Até os anos 1990, a esquerda ia muito bem na região Sul e mal da região Nordeste, reduto de conservadores como Antônio Carlos Magalhães, Marco Maciel e José Sarney. Essa não é uma condição inalterável, é conjuntural.
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Mergulhado na campanha de Guilherme Boulos em São Paulo, onde o PSOL terá o PT como vice, Juliano Medeiros disse que unir forças é um desafio que as esquerdas precisarão superar. Em Santa Catarina, os dois partidos estarão separados em Florianópolis, que é um dos redutos mais à esquerda em SC.
— Dividir é mais fácil que unir, mas essa é uma fotografia do momento. Briguei pra apoiar Lula em 2022 porque, neste momento, com o bloco de extrema direita fortalecido, deveríamos deixar essas diferenças em segundo plano.
O futuro, segundo Medeiros, é complexo. Ele faz parte da Rede Futuro, que integra lideranças da nova esquerda latino-americana em busca e uma renovação de agendas, discursos e práticas.
— Lula tem desafios complexos. Melhorar a economia não é suficiente, as pessoas querem mais. Isso torna mais complexo o cenário porque abre espaço pra aventureiros como o Bolsonaro saírem com soluções demagógicas. Precisamos compreender a sociedade, que mudou muito, da inteligência artificial até as mudanças climáticas, do aumento do conservadorismo até a mudança do mundo do trabalho. Se a esquerda não entender, não for capaz de se renovar, vamos ficar para trás e quem vai ocupar esse espaço será a extrema direita.
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A estratégia de direita para furar a bolha
Uma das principais críticas à esquerda é ter perdido o bonde das redes sociais – espaço que a direita bolsonarista domina e que, em temos de política digital, se tornou a nova arena do debate público. Aos poucos, a estratégia da direita vem sendo absorvida pela esquerda numa tentativa de “furar a bolha”. Em Santa Catarina, o deputado estadual Fabiano da Luz, líder do PT da Alesc, fez uma “virada de chave” na comunicação e virou “case” à esquerda.
Em um vídeo, por exemplo, ele aparece com um jaleco branco e estetoscópio, explicando sobre “ministrofobia”, uma crítica irônica sobre a ausência do governador Jorginho Mello (PL) nas agendas com ministros do governo Lula. Em publicações que misturam dados, entretenimento e bom-humor, o parlamentar tem conquistado espaço nas redes sociais.
– Como político de esquerda, não preciso falar só com pessoas que defendem a mesma causa que eu. Quando vou para uma comunidade do interior, não pergunto qual a orientação política de cada um. As pessoas querem soluções para os seus problemas. Sempre tive bom relacionamento com todos os lados ideológicos – diz o deputado.
Segundo o jornalista Jacson Almeida, um dos responsáveis pela comunicação do parlamentar, a estratégia é pensar em vídeos que trazem sempre informação de qualidade, mas com uma linguagem dinâmica e de fácil acesso.
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— Utilizamos referências do cinema, da TV brasileira, em roteiros com muitos dados e que fisgam as pessoas logo no início. Acho que esse é o nosso diferencial, além do bom-humor do deputado, que é algo genuíno.
O publicitário Luca Gebara, que também atua na estratégia de comunicação de Fabiano, acrescenta que as redes sociais têm priorizado vídeos que unem informação com entretenimento através da usabilidade das plataformas.
— A esquerda perdeu um espaço importante no digital por excesso e não por escassez. Por ser um meio de comunicação fluido e pautado intensamente pelos usuários, essa estrutura do ‘infotenimento’ é sensível e precisa simplificar a mensagem para ser mais eficiente, gerar identificação e reforçar bons posicionamentos.
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