A educação não foi tratada com a atenção devido no Brasil durante a pandemia. A constatação é de Claudia Costin, uma das maiores especialistas do país no assunto. Professora visitante na Faculdade de Educação de Harvard, diretora Geral do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-ministra da Administração e Reforma do Estado durante o governo Fernando Henrique Cardoso, a pesquisadora acompanha de perto as políticas educacionais no país e no mundo. 

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Em entrevista à coluna, ela disse que educação precisa ser um serviço essencial no Brasil – mas também chamou atenção para a necessidade de regulação de outras atividades e destacou a falta de articulação do governo federal, que prejudicou a volta às aulas presenciais no país.

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Entrevista: Claudia Costin

Fizemos as escolhas corretas no Brasil para a educação durante a pandemia?

Em alguns momentos sim. Por exemplo quando, na ausência de coordenação do MEC e do Ministério da Saúde, como aconteceu nos outros países, o Conselho de Secretários Estaduais de Educação e a Undime, que congrega os secretários municipais, resolveram se tornar protagonistas no processo para assegurar alguma aprendizagem em casa. Seja na forma de plataformas digitais, de cadernos impressos, TV e rádio. Foi uma mobilização muito bonita, e professores do Brasil inteiro foram para a linha de frente. Ocorre que essa falta de coordenação acabou nos atrapalhando um tanto, porque decidir quando é momento de retornar deveria ter critérios estabelecidos, especialmente pelas autoridades sanitárias. E, infelizmente, tanto nosso prolongamento do isolamento em casa por parte de crianças e adolescentes, quanto o fato de que já eramos um país profundamente desigual do ponto de vista educacional, acabou prejudicando muito. 

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Tomar a decisão de voltar não é uma decisão que cabe aos educadores, é uma decisão que deveria caber às autoridades sanitárias. 

Tenho conversado com epidemiologistas, que é quem deveria pensar essa questão, e a grande maioria concorda com o resto o mundo. Ou seja, que para a criança, depois de algum tempo fora da sala de aula, os danos não só de aprendizagem, mas à saúde, se tornam incompatíveis com a permanência prolongada fora da escola. No caso dos mais vulneráveis é pior ainda, porque seu pais estão fora de casa, buscando uma fonte de renda para tentar alimentar essa família, e as crianças acabam indo para a rua e se expondo a riscos muito maiores do que os de famílias mais afluentes. Então, nós tivemos problemas sérios. Nem durante as guerras nós tivemos mais de nove meses sem aulas. A África já voltou às aulas, a Europa em sua grande maioria voltou depois de um mês e meio, dois meses de pandemia, porque os cientistas começaram a alertar que o risco é grande demais. O Brasil optou por outro caminho.

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É recomendado voltar agora, ou reconhecer que este foi um ano perdido e começar de novo?

Acho que esse ano não foi perdido, foi um ano muito sofrido. Falando especificamente da educação, foi sofrido tanto para crianças e seus pais quanto para professores. Os professores tiveram que se reinventar, aprender, sem o devido preparo, a usar as mídias digitais, ou a televisão, ou o rádio. 

Aliás, os professores fizeram um trabalho elogiável e surpreendente. 

Não acho que foi um ano perdido por conta disso, porque algum aprendizado aconteceu, e também porque os alunos estão vivendo um fato histórico. Da mesma maneira que a geração que passou pela chamada gripe espanhola teve vivências de um fato histórico, e aprendeu outras coisas que nem sempre é a escola que ensina, e poderia-se falar da geração que viveu a segunda guerra mundial, ou a primeira guerra mundial. As nossas crianças e jovens desenvolveram adaptabilidade, que é uma competência central para o século 21, abertura ao novo, algumas competências para vida que estão inclusive previstas na BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Realmente, há que se avaliar se vale a pena voltar em dezembro. Mas eu queria lembrar que o ano letivo, para muitos municípios e estados, não se encerrou. Se for para manter o calendário como anteriormente previsto, e ter mais 10 dias de aula, não sei se é o caso. Mas, se não foi cumprido o calendário letivo, eu sei de muitos estados que estão indo até o dia 20, 21, e já voltaram às aulas. Tem que pesar tudo isso. Eu sei que interferiram na volta às aulas as eleições municipais. 

Os prefeitos estavam receosos, os que iam à reeleição, de voltar às aulas e depois serem acusados de algum eventual incidente. 

E também prejudicou o processo de volta às aulas essa falta de coordenação nacional. A gente precisa olhar a educação com a seriedade de que ela precisa. Educação é serviço essencial. A mensagem que os ingleses deram, que a África do Sul também deu, com escolas com uma estrutura muito parecida com a nossa, é que educação não pode parar porque é serviço essencial. Então, cabe aos governantes garantir algumas condições para uma volta razoavelmente segura. Até porque, embora estejamos com a vacina prestes a chegar, até que seja aplicada, até que todos os grupos, e dizem os epidemiologistas que último grupo são as crianças, porque elas têm um nível de transmissibilidade, mesmo de morbidade, muito mais baixo que o resto da população. Então vamos estar falando de vacina não com 100% de eficácia, mas com uma eficácia grande, a partir do segundo semestre de 2021. Vamos ter que voltar mesmo na ausência da vacina. 

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Ninguém consideraria, mesmo num país que não considera educação um serviço essencial, deixar as crianças mais de um ano sem aulas.

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A senhora usou exemplos de países em que houve uma modulação de atividades para manter a educação funcionando. Faltou isso no Brasil?

Com certeza. Tem duas coisas que eles fizeram, uma que ainda podemos fazer, que é definir com clareza o que é serviço essencial. Educação não é um lugar para cuidar das crianças. É um serviço fundamental para construir o futuro da nova geração. Quero também alertar que, se nós não seguirmos protocolos sanitários bem estruturados, continuaremos desprezando isso. Não quer dizer voltar de qualquer jeito, mas voltar de forma segura dentro do melhor que podemos fazer na presença do vírus, num retorno que não é com zero chances de pegar a doença. A outra coisa é, dentro desse protocolo, fazer rodízio de alunos para garantir distanciamento social dentro da sala de aula. O que estão fazendo, todos esses países, é dividir a sala de aulas em grupos, ou, como diz a Alemanha, em bolhas. O grupo passa alguns dias na escola e alguns dias em casa, continuando com as tarefas remotas, e com a presença do professor na escola. Isso tem feito com que o índice de contaminação seja baixíssimo na escola.

É preciso que a sociedade se empenhe, no sentido de fechar atividades de lazer e entretenimento quando os casos estão aumentando, como vimos a Europa fazer, para garantir a educação?

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Sem dúvida, tem algumas coisas que a sociedade precisa fazer. A primeira delas é usar a máscara, e com seriedade. A segunda é, sim, fechar outras atividades. 

Não faz sentido estar com bares abertos. 

São impressionantes as cenas que a gente tem visto pela TV ou que estão circulando nas redes sociais de pessoas indo para a noite, em festas. A outra coisa é pensar se todo o comércio precisa estar aberto e quantas horas por dia. Vários países adotaram um certo rodízio, para que não haja aglomerações. Mas devo voltar a falar da falta de coordenação que o governo federal teve nesse esforço e, vamos ser honestos, no mau exemplo dado por algumas autoridades nesse processo, inclusive em relação aos cuidados, ao uso de máscara, à ideologização da pandemia.

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