São constrangedoras, chocantes e bizarras as imagens da audiência do caso Mariana Ferrer na Justiça catarinense. Na posição de vítima, a jovem é exposta e humilhada sob os olhos inertes e complacentes do Judiciário.

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Na gravação, Mariana ouve do advogado Gastão da Rosa Filho, um dos mais caros e conceituados criminalistas de Santa Catarina, que fez fotos “chupando dedinho” e em “posições ginecológicas”. Que seu choro é “dissimulado, lágrimas de crocodilo”. A jovem pede, aos prantos, para ser tratada com respeito. Repito: ela é a vítima no processo.

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Na sala virtual de audiência, Mariana é a única mulher. Nas imagens que foram publicadas pelo site The Intercept Brasil, nem o juiz Rudson Marcos, nem o promotor Thiago Carriço, nem mesmo o defensor público que representou a jovem, intervêm para que cesse a sessão de tortura a que ela foi exposta. Mais uma vez: a vítima.

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O julgamento moral da jovem, sob o pretexto de defesa do acusado, é assistido com aparente naturalidade pelos homens que integram a sala virtual. Não impressiona os homens na sala que a vítima, em posição vulnerável na audiência, seja tratada da maneira como foi. Essa ‘normalização do absurdo’ é um indicativo de que a cultura do estupro, que culpabiliza a vítima e procura justificar a violência, está presente também no Judiciário.

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As cenas chocam porque desnudam a realidade das milhares de mulheres no Brasil, que denunciam um estupro e são humilhadas diariamente em delegacias, exames de corpo de delito, em hospitais. Mostram que o desfecho desses casos pode ser igualmente degradante quando eles chegam ao Judiciário.

O tratamento hostil é um dos motivos para que muitas mulheres silenciem silenciem e não procurem ajuda quando são estupradas. Sem denúncia, os beneficiados são os abusadores, jamais culpados pelos crimes que cometeram. 

É por esse motivo que as cenas que vieram a público no caso Mariana Ferrer precisam ser tratadas com total atenção pela Justiça.

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O ministro Gilmar Mendes, do STF, usou as palavras “tortura e humilhação” ao escrever sobre a audiência nas redes sociais. Lembrou que Justiça deveria ser sinônimo de acolhimento, e defendeu que os órgãos de controle apurem responsabilidades – inclusive dos que se omitiram. Nesta terça, soube-se que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deve investigar a conduta do magistrado, o Conselho Nacional do Ministério Público apurará a conduta do promotor, e a OAB-SC pode avaliar a postura do advogado.

Têmis, a deus grega com a venda nos olhos e a balança nas mãos que representa a Justiça, é também a protetora dos oprimidos. O caso Mariana Ferrer, e tudo o que ele expõe, mostrou como age a cultura do estupro nas entranhas do Judiciário brasileiro. Quem sabe Têmis esteja, do seu jeito, fazendo justiça.

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