Uma das falas do presidente Jair Bolsonaro durante a reunião ministerial do dia 22 de abril mostra a influência que o catarinense Luciano Hang exerce no governo. Bolsonarista de primeira hora, o empresário é citado pelo presidente da República quando ele fala em uma interferência no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
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Bolsonaro explicava como os órgãos de Estado deveriam atender aos interesses do governo, quando citou Hang:
“E assim nós devemos agir, como tava discutindo agora. O Iphan, não é? Tá lá vinculado à Cultura. Eu fiz a cagada em escolher, no … não escolher uma, uma pessoa que tivesse o … também um outro perfil. E uma excelente pessoa que tá lá, tá? Mas tinha que ter um outro perfil também. O Iphan para qualquer obra do Brasil, como para a do Luciano Hang. Enquanto tá lá um cocô petrificado de índio, para a obra, pô! Para a obra. O que que tem que fazer? Alguém do Iphan que resolva o assunto, né? E assim nós temos que proceder".
O problema de Hang com vestígios arqueológicos ocorreu em uma obra no Rio Grande do Sul. De acordo com o próprio Iphan, os trabalhos não foram interrompidos pelo órgão, mas por decisão da empresa que prestava serviços para a rede de lojas – um dos condicionantes da autorização para construir no local.
A situação da Havan ocorreu em agosto de 2019. Em dezembro, a então chefe do órgão, Kátia Bogéa, foi exonerada. O cargo estava vago desde então. Em 11 de maio o governo nomeou Larissa Peixoto, servidora do Ministério do Turismo, para a presidência do órgão.
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À coluna Painel, da Folha de S. Paulo, Kátia afirmou que sua demissão, e de outros técnicos do órgão federal, teriam ocorrido a pedido de Hang e de um dos filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro.
Livre trânsito
Luciano Hang não foi localizado pela coluna neste domingo (24) para comentar o caso. O fato é que o empresário tem livre trânsito em Brasília e é um dos mais proeminentes na base de apoio do presidente da República, desde as eleições – o que já lhe rendeu, inclusive, ações judiciais.
Antes discreto e pouco afeito a entrevistas, o empresário ganhou notoriedade e gosto pelos holofotes a partir de 2016, quando apareceu em um comercial da Havan para desmentir boatos de que a empresa tivesse como sócios filhos dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff (PT). A partir daí, sua imagem popularizou.
Nas eleições de 2018, o catarinense passou a cabo eleitoral de Bolsonaro. Uma proximidade que seguiu firme governo adentro, com a associação cada vez maior da imagem de Hang à do presidente da República.
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Exemplo disso é que, em 7 de setembro de 2019, no primeiro desfile da Independência da gestão Bolsonaro, Hang foi um dos convidados de honra do presidente em Brasília, junto com Silvio Santos e o pastor Edir Macedo. Meses antes, na primeira visita de Bolsonaro a SC, para a abertura do Congresso de Gideões, em Camboriú, foi citado no discurso como alguém que “carrega a bandeira do Brasil”.
Em janeiro deste ano, quando uma das estátuas da Havan foi incendiada em São Carlos, no interior de São Paulo, o presidente vestiu uma camisa do Futebol Clube Cascavel, do Paraná, que tem o patrocínio da rede de lojas, e foi às redes sociais prestar deferência e apoio ao empresário.
Uma proximidade que só balançou na saída de Sérgio Moro do governo, quando Hang fez uma homenagem pública ao ex-ministro da Justiça. Incomodado com a repercussão nacional que teve sua manifestação, no dia seguinte ele publicou uma nota de apoio a Bolsonaro e disse que segue com o presidente.
Naquele episódio, Hang disse que se tornou ativista para apoiar as reformas e pautas que defende e que têm eco no governo Bolsonaro. Apesar da relação muito próxima com o presidente, o empresário segue sem filiação partidária.
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Defesa do patrimônio
O caso entre do Iphan, citado pelo presidente da República, levou a Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB) a emitir uma nota pública, neste sábado (23), em que defende a atuação do órgão federal na defesa do patrimônio brasileiro.
“Insinuar a flexibilização de qualquer procedimento ligado ao licenciamento ambiental ou diminuir o Patrimônio Arqueológico Brasileiro a “cocô petrificado de índio”, significa não só descumprir a Constituição Federal, acordos internacionais e demais legislações vigentes. Mais do que isso, trata-se de um ataque ao Patrimônio Arqueológico Brasileiro, bem único, não renovável e insubstituível em sua particularidade, e imprescindível para o fortalecimento de identidades e o reconhecimento de processos sociais de desigualdade e dominação. A proteção do Patrimônio Arqueológico Brasileiro é tarefa nobre do Estado brasileiro e deveria ser uma preocupação de primeira grandeza dos gestores de todo o País. O Patrimônio Arqueológico Brasileiro é um bem coletivo, e o direito a seu acesso e preservação é uma obrigação pétrea do Estado”.
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