O Porto de Itajaí vive uma crise sem precedentes. Desde janeiro nenhum navio carregado de contêineres atraca no terminal, que integra o segundo maior Complexo Portuário do país. As imagens do porto paralisado, dos portêineres inertes e da retroária vazia são o símbolo de uma tragédia anunciada, que afeta diretamente centenas de trabalhadores portuários avulsos, os TPAs.
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Nesta semana, viralizou um vídeo produzido pelo Sindicato dos Arrumadores Portuários de Itajaí que mostra o impacto da paralisação. Sem renda, a maioria dos TPAs tem sobrevivido de “bicos”.
A divulgação do vídeo nas redes sociais provocou uma onda de manifestações de bolsonaristas culpando os próprios trabalhadores pela crise, alegando que a categoria sofre as consequências de não ter apoiado uma suposta “privatização” do Porto de Itajaí, proposta pelo governo Bolsonaro.
É preciso resgatar, no entanto, o que levou o Porto de Itajaí à crise. E isso exige do bolsonarismo um mea culpa.
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O contrato de arrendamento do Porto de Itajaí com a gigante APM Terminals tinha duas décadas e prazo para terminar: 31 de dezembro de 2022. Era responsabilidade da União – mais especificamente, do Ministério dos Transportes de Tarcísio Gomes de Freitas – executar uma nova concessão em tempo hábil para que houvesse uma transição sem solavancos. Mas isso não aconteceu.
Em novembro, escrevi uma coluna sobre o atraso e disse que o leilão do Porto de Itajaí seria a última obra não entregue por Bolsonaro em Santa Catarina. Àquela altura, o Ministério da Infraestrutura já havia divulgado três datas previstas para lançar o edital de concessão. Nenhuma delas foi cumprida.
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Havia, é verdade, um impasse em relação ao modelo de gestão proposto pelo governo federal. A Secretaria Nacional de Portos pretendia conceder não apenas a operação portuária – como é de praxe, já que a lei brasileira obriga que a movimentação dos portos seja privada. O plano era conceder também a autoridade portuária, espécie de gestora do porto, responsável pelas questões “macro”, como a gestão do canal de acesso e a solução de conflitos.
A prefeitura de Itajaí era contrária ao modelo – e não estava sozinha. Especialistas do setor avaliavam que entregar a autoridade portuária à iniciativa privada era um tiro no escuro. Em todo o mundo, prevalece o modelo chamado “landlord”, em que a operação é privada, mas a autoridade portuária é pública. Isto leva em conta questões de soberania nacional. Funciona assim em gigantes do setor como Estados Unidos, China, e também na União Europeia.
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A exceção à regra é a Austrália, que usa o modelo que estava sendo proposto para Itajaí pelo governo. O país da Oceania não está entre os grandes players de navegação, e possui problemas como taxas excessivamente caras – o que, na avaliação dos especialistas, era um alerta para o Brasil.
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Ocorre que o município de Itajaí não foi convincente ao defender a autoridade portuária pública e municipal. Com uma estrutura inchada no Porto de Itajaí, o assunto descambou da área técnica para a política, sob a acusação de que a prefeitura procurava manter um “cabide de empregos”. Sem conseguir justificar satisfatoriamente a necessidade de manter a autoridade pública, o município acabou vencido.
Essa discussão, no entanto, não era impeditivo para que o governo federal tocasse em frente o leilão do porto – tanto, que o edital chegou a ser concluído e enviado ao Tribunal de Contas da União (TCU). O que houve foi incompetência para executar o projeto em tempo hábil, para evitar que o arrendamento terminasse sem que o terminal tivesse um novo operador. O que, de fato, ocorreu.
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Sem perspectiva de finalizar o processo, em novembro o governo Bolsonaro estendeu provisoriamente o direito da prefeitura de Itajaí de tocar a autoridade portuária. Àquela altura, já havia se criado um clima de incertezas e de insegurança jurídica que foi fatal para o porto. Autorizou-se um contrato tampão para que o terminal não ficasse sem operador – mas as linhas, os navios, já haviam negociado com outros portos.
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Importante pontuar que há mais um equívoco nessa discussão. Muita gente passou a chamar o projeto do governo de “privatização” do porto, de forma equivocada. O governo federal nunca pretendeu “vender” o Porto de Itajaí e seus ativos. Significa que o terminal, embora gerido pela iniciativa privada, continuaria pertencendo à União – portanto, continuaria a ser público.
Nas críticas à atual situação do Porto de Itajaí, passou-se a comparar o terminal com a Portonave, que fica na outra margem do Itajaí-Açu. Sucesso em resultados, o porto de Navegantes foi o primeiro Terminal de Uso Privado (TUP) autorizado no país, no governo Dilma. Para viabilizá-lo, criou-se um novo arcabouço legal – que é o mesmo utilizado, por exemplo, pelo Porto de Itapoá, com menos amarras e menos burocracia.
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Só que os portos públicos são geridos por outras regras, inclusive no que diz respeito à mão-de-obra. Como não pretendia vender o Porto de Itajaí, o governo Bolsonaro não mudaria seu regime legal.
O fato é que, apesar de haver uma data limite de arrendamento, em 31 de dezembro de 2022, não houve pressão sobre o governo Bolsonaro para que agilizasse a concessão do Porto de Itajaí. A bancada bolsonarista em Brasília, que tinha amplo acesso ao Palácio do Planalto e aos ministérios, e poderia ter se posicionado a favor de Santa Catarina, estava mais preocupada em fazer selfies com o presidente.
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Com o estrago feito, resta ao bolsonarismo reconhecer qual é a gênese da crise do Porto de Itajaí. E cabe à bancada do PT, que está próxima do governo Lula, pressionar por uma solução definitiva, que depende de acelerar o leilão de concessão em Brasília. Recentemente, o porto entrou no foco da disputa interna que há entre PT e MDB no Estado – e nada avançou. Diante de uma imensa estrutura paralisada e trabalhadores sem rendimentos, não há tempo a perder.