A supersafra de tainhas no ano passado, quando os barcos industriais capturaram mais que o dobro da cota estabelecida pelo governo federal, pode deixar toda a frota de cerco de SC sem licenças. As regras do sistema de cotas, que foi testado pela primeira vez em 2018, exigem a compensação do que se pescou a mais na safra seguinte. Mas os armadores alegam que faltou controle por parte do governo.
O problema ocorreu porque os primeiros dias de captura da frota industrial, em junho do ano passado, tiveram produtividade muito acima do esperado. As indústrias, que fazem o controle por meio do Serviço de Inspeção Federal (Sif), não deram conta de enviar a contagem de peixes a tempo para o governo. Os próprios armadores optaram por encerrar a safra ao perceberem que poderiam ter ultrapassado o limite, o que de fato ocorreu. Os barcos de cerco pescaram 114% a mais do que poderiam.
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O impasse foi discutido na semana passada pelo Subcomitê Científico, que assessora o Comitê Permanente de Gestão (CPG) de pelágicos, grupo que inclui a tainha, no governo federal. O debate deixou preocupação nos dois lados, setor produtivo e ambiental.
A proposta de cotas foi apresentada ao governo pela ONG internacional Oceana, que financiou estudos sobre os estoques de tainha no Brasil. O modelo foi a alternativa encontrada para contornar decisão judicial que exigia o fim gradativo da captura industrial de tainha, e também da frota artesanal de emalhe anilhado. Com a cota estabelecida, mais embarcações conseguiram licença para pescar em 2018.
Martin Dias, diretor científico da Oceana, diz que é necessário seguir as regras, sob pena de perder o foco principal do sistema de cotas, que é a manutenção dos estoques. Ainda que isso implique em suspender a captura industrial na próxima safra.
– Não há como ignorar o que ocorreu no ano passado, a menos que tivéssemos uma análise nova (de estoque de tainhas no mar) – afirma.
Ele sustenta que a cota é um modelo adotado no mundo todo, e que funciona muito bem para garantir a preservação das espécies.
A Oceana defende melhoria nos mecanismos de controle, levando em consideração o estoque de tainhas, os problemas que ocorreram na safra passada, e as regras em vigor. Um dos avanços sugeridos é que a cota seja aplicada individualmente para cada embarcação. Isso evitaria, em tese, um excesso de capturas como ocorreu no ano passado.
Setor produtivo alega falha do governo
A cota dividida por embarcação também é defendida por entidades como o Sitrapesca, que representa os pescadores profissionais no Estado. A medida, no entanto, não evita que os barcos industriais fiquem fora da cota.
Agnaldo dos Santos, que coordena o grupo de armadores de cerco no Sindipi, em Itajaí – o maior sindicato da indústria pesqueira do país – diz que os armadores fizeram sua parte, suspendendo a captura quando perceberam que o limite havia sido ultrapassado, mesmo antes do alerta do governo. Ele afirma que a suspensão da frota pode resultar em desemprego.
O assunto voltará a pauta em abril, durante reunião do Comitê Permanente de Gestão. O governo precisa definir os critérios das licenças a tempo, para preparar as frotas para o início da captura.
Governo avalia situação da tainha
O secretário nacional de Aquicultura e Pesca, Jorge Seif Junior, reconhece que houve atraso do governo na compilação de dados de captura na gestão passada. Ele diz que o Ministério da Agricultura, ao qual a pesca está atrelada, recorreu à Justiça para evitar a suspensão das capturas. Uma ação civil pública pede a retomada do plano de gestão anterior da tainha, com redução no número e na capacidade das embarcações.
– É uma safra importante, um peixe que tem valor agregado devido ao subproduto nobre, que é a ova – afirma.
Peixe demanda proteção
A situação da tainha é delicada. Os estudos financiados pela Oceana demonstraram que há sobrepesca dos cardumes, que são capturados em período reprodutivo. As características de migração da tainha, que conforme a temperatura da água viajam mais ou menos juntas, mais perto ou mais longe das praias, não permitem relacionar volume de capturas com a quantidade de peixes disponível no mar, por isso uma boa safra, como a do ano passado, não significa necessariamente que haja uma grande quantidade de peixes em migração.
Martin Dias, responsável técnico da ONG, defende a cota como a maneira mais sensata de garantir a conservação:
– É uma estratégia de ordenamento pesqueiro, que limita a quantidade de peixes. É usada no mundo inteiro, e é responsável pela recuperação de estoques porque consegue colocar limites na produção, de forma sustentável.
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