Finalizada a megaobra de alargamento que triplicou a faixa de areia, a Praia Central de Balneário Camboriú segue sob a sombra dos arranha-céus. Imagens reproduzidas nas redes sociais mostram que, embora o espaço maior garanta mais tempo de sol na orla ao longo da tarde, a empreitada não foi capaz de afastar totalmente o impacto dos prédios gigantes à beira-mar.
O efeito já era esperado pela prefeitura, que desde o anúncio das obras evitou associar o alargamento à solução do sombreamento da Praia Central. É uma questão matemática: o engordamento aumentou de 25 para 70 metros a faixa de areia em Balneário Camboriú. A sombra dos prédios – alguns deles, recordistas em altura na América do Sul – avança até 200 metros sobre a orla ao longo da tarde.
Apesar de não ter sido o foco da obra, a redução do período de sombreamento foi considerada pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA) como fator positivo na concessão das licenças ambientais. Com a obra finalizada, a sombra, que começa a se estender sobre a praia por volta das 15h, demora mais para chegar à linha d´água.
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Como o período de insolação muda de acordo com as estações do ano, ainda não é possível calcular quanto isso representará de ganho no verão. Mas, além de agradar aos banhistas, a incidência maior de sol – ainda que limitada – terá um papel importante no equilíbrio ambiental: ela será fundamental para a manutenção da restinga, que deve ser plantada em breve.
O projeto verde, orçado em R$ 1,5 milhão, prevê o plantio de mais de 33 mil mudas de plantas nativas ao longo de toda a orla. O cinturão vai ajudar a proteger a obra de alargamento e será protegido por passarelas, para que as mudas não sejam pisoteadas. A restinga será instalada a uma distância de 25 a 30 metros da calçada atual, prevendo o avanço do projeto de reurbanização, que deve ocupar uma parte da nova faixa de areia.
As imagens da sombra sobre a Praia Central foram publicadas pelo perfil Salve Brava, no Instagram, que defende um freio ao sombreamento da vizinha Praia Brava, em Itajaí, e alerta para os impactos causados pelo modelo de ocupação adotado por Balneário Camboriú.
Embora a sombra dos arranha-céus não tenha sido determinante para as obras de alargamento, foi o primeiro fator a ser lembrado pela maior parte das publicações nacionais e internacionais que falaram sobre a obra ao longo dos últimos meses. Foi o caso da britânica BBC, que publicou em janeiro, em sua editoria internacional, uma reportagem sobre Balneário Camboriú, que identificou como ‘a praia que perdeu o sol’. O texto contou como os arranha-céus mudaram a paisagem, e como a cidade pretendia reverter a sombra com o projeto de alargamento da faixa de areia.
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Fora do comum
A falta de insolação é ponto pacífico em Balneário Camboriú, resultado de um modelo de ocupação singular e sem limites de altura, que ganhou força a partir da década de 1990 e que – goste-se ou não – rendeu à praia fama e um aquecido mercado imobiliário. Com seis dos maiores arranha-céus residenciais da América do Sul, de acordo com o ranking The Skyscrapper Center, a cidade tem o quarto metro quadrado mais caro do país, atrás apenas de capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. A estimativa é que as obras de alargamento, que trarão mais conforto aos banhistas, ajudem a turbinar os índices de valorização, aumentando os preços em até 20%.
Essa valorização passa pela requalificação da praia. A prefeitura vai apostar em um novo projeto de urbanização que pretende criar um parque urbano à beira-mar. O prefeito Fabrício Oliveira (Podemos) tem falado em aumentar as áreas verdes e de convivência, algo que falta a uma cidade adensada como Balneário Camboriú. O projeto, que ainda não foi apresentado oficialmente, foi desenvolvido pelo escritório de arquitetura carioca Índio da Costa, que assina projetos urbanísticos como o do Píer Mauá, no Rio de Janeiro, as orlas de Búzios (PR) e Aracaju (SE), entre outros.
PROJETO – Um grupo de empresários criou uma associação sem fins lucrativos para pensar projetos na cidade. Eles contrataram uma empresa para fazer um projeto de alargamento da faixa de areia da Praia Central, conforme a prefeitura. Em fevereiro de 2018, o grupo doou esse documento ao município. – (Foto: PMBC, Divulgação)
LICENCIAMENTO AMBIENTAL – Em abril de 2018, o Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) aprovou a Licença Ambiental Prévia do projeto. Em outubro do mesmo ano, o município lançou processos licitatórios com o objetivo de cumprir as 42 condicionantes impostas pelo IMA. Foram feitas seis licitações com este fim, segundo a prefeitura. A Licença Ambiental de Instalação (LAI) foi dada pelo IMA em dezembro de 2020. Esse documento autorizou o início das obras. – (Foto: IMA, Reprodução)
EDITAL E CONTRATAÇÃO – O edital para a contratação de um consórcio para fazer a obra foi lançado em 2019. No ano seguinte, a licitação foi homologada. O vencedor do processo licitatório foi o consórcio DTA/Jan de Null, formado pelas empresas DTA Engenharia e Jan de Null do Brasil Dragagem. O custo da obra é de R$ 66,8 milhões. – (Foto: Arte NSC)
CHEGADA DA TUBULAÇÃO – Os tubos para a montagem da tubulação que leva a areia da draga até a orla da praia começaram a chegar em março deste ano. As estruturas foram espalhadas pela areia. Conforme a prefeitura, foi interditado um trecho de 1,5 quilômetro na praia para servir como canteiro de obras na parte Sul. No Norte, foi bloqueada uma área de 900 metros.Os tubos foram soldados uns ao outros e a tubulação do Norte foi juntada com a do Sul, formando uma estrutura de 2,2 quilômetros. Parte dos tubos fica em terra e outra, no mar. A estrutura dficou pronta em agosto, 15 dias antes da chegada da draga. A tubulação é formada por 360 tubos de 6 toneladas cada. – (Foto: PMBC, Divulgação)
CHEGADA DA DRAGA – A draga chegou em 22 de agosto. Ela é a embarcação responsável por tirar areia de uma jazida no fundo do mar, a 15 quilômetros da orla, e levá-la até a Praia Central. Com ela, começou a etapa mais visível da obra. Uma das pontas da tubulação foi acoplada à draga. Através da estrutura, a areia que foi buscada pela embarcação na jazida é levada até a orla. – (Foto: Divulgação)
APARIÇÃO DE CONCHAS – No início dos trabalhos com a draga, centenas de conchas apareceram na orla da Praia Central. O caso foi registrado em 25 de agosto. As conchas foram encontradas no trecho da Barra Sul. Para o professor de ecologia e oceanografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Paulo Horta, o fenômeno teve relação com o trabalho de alargamento. Tudo indica que as conchas vieram junto com a areia extraída do mar.A Secretaria Municipal do Meio Ambiente da cidade monita a situação. Segundo a prefeitura, programas ambientais estão sendo realizados para que a “dragagem não interfira na vida marinha”. Quando o consórcio responsável pela obra percebeu que a areia estava vindo com muitas conchas, escolheu outro ponto da jazida e o aparecimento das conchas na orla não ocorreu mais. – (Foto: Dariane Peres, Reprodução)
PRIMEIRO TRECHO PRONTO – Em 17 de setembro, ficou pronto o primeiro trecho da praia, com dois quilômetros, entre a Rua 3700 e o molhe da Barra Sul. No dia 20 do mesmo mês a draga foi para o Paraná para abastecer pela primeira vez. Enquanto isso, os trabalhadores desmontaram a tubulação que seria utilizada no trecho norte. Esse primeiro trecho pronto foi liberado para os banhistas em 28 de setembro. – (Foto: PMBC, Divulgação)
MÁQUINA ATOLADA – Uma das máquinas utilizadas na obra, um trator de esteira, ficou atolada em 16 de setembro. Ninguém se feriu. A máquina foi recuperada e os trabalhos seguiram normalmente. O trator não conseguiu sair de um declive da areia ainda mole. O motorista saiu da cabine e foi retirado dali com a pá da uma retroescavadeira. A máquina foi tirada do local por um cabo.Segundo a prefeitura, o solo forma “bolhas” devido ao material dragado e a situação pode ser comum durante a operação de aterro hidráulico, não trazendo riscos. Além de máquinas, também pode haver acidentes com pessoas. Nesta terça (26), uma mulher ficou atolada na areia. Segundo a prefeitura, a área era restrita e estava sinalizada. A mulher não se feriu e precisou ser resgatada por um guarda-vidas. – (Foto: Redes Sociais, Reprodução)
AUTUAÇÃO – O município foi autuado pelo IMA em 28 de setembro por descumprir imposições do licenciamento ambiental e por executar a obra de forma diferente do projeto. No relatório, os técnicos afirmam que o município não avisou com antecedência sobre a mudança de projeto no trecho final da Barra Sul. Na região, a faixa de areia ficou com 180 metros, o dobro da largura prevista.Rubens Spernau, fiscal do contrato do alargamento pela Prefeitura, disse que o licenciamento foi feito por volume de areia, e não pelo “desenho” da orla. Segundo ele, a prefeitura tem licenciado 2,7 milhões de metros cúbicos, e a projeção é que serão aplicados 2,2 milhões, mesmo com a alteração geométrica. Haverá uma audiência de conciliação entre o IMA e o município em 27 de janeiro. – (Foto: Maria Eduarda Dalponte, Diário Catarinense)
MONITORAMENTO DE TUBARÕES – O número de tubarões vistos na orla de Balneário Camboriú desde o ínico das obras, em agosto, foi de 23 até domingo (24), de acordo o Museu Oceanográfico da Universidade do Vale do Itajaí (Univali).A Prefeitura de Balneário de Camboriú monitora o aparecimento de tubarões e outros animais na orla da Praia Central. Segundo a secretária Municipal de Meio Ambiente, Maria Heloísa Lenzi, uma mudança no conjunto de seres vivos, flora e fauna que habitam naquela região já era esperada. Para o biólogo André Rodrigues Neto, a dragagem de areia do fundo oceânico traz o afloramento de espécies que vivem no fundo mar, ativando ainda mais o processo da cadeia alimentar. – (Foto: Reprodução)
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